12 de outubro de 2010

Uma cidade mutilada

Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Ernani Neves                                                          Luiz Gonzaga


Elementos estruturantes das cidades os monumentos constituem marcos na paisagem urbana.
No artigo 1º da Carta de Veneza (maio de 1964) os monumentos foram assim definidos:

         A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Estende-se não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural.


Veio-me a vontade de escrever este artigo a partir da constatação - para mim dolorosa - do quanto os monumentos recifenses têm sofrido nas mãos dos vândalos. Pichações, furto de peças - a espada da estátua  de Simon Bolívar, que fica em Santo Amaro, quase na divisa entre o Recife e Olinda, já foi reposta inúmeras vezes - e até mesmo mutilações têm feito com que a cidade amargue a condição de ser uma das capitais brasileiras que mais sofre com ações desse tipo.

Simon Bolívar

Atos de vandalismo dessa natureza geralmente são praticados pelos chamados "rebeldes sem causa", uma fauna  urbana que, infelizmente, não para de crescer, como muito bem demonstra a quantidade enorme de pichações  e depredações que se veem nos quatro cantos da cidade.

Manuel Bandeira


Pode-se até contestar o fato de esta ou aquela personalidade, este ou aquele acontecimento histórico ser merecedor da ereção de um monumento. O que não se pode admitir é que essa contestação desbanque para o ato ilegal de destruição de um patrimônio público que é de todos e de cada um.
Quem se dispuser a percorrer, por exemplo, o chamado Circuito da Poesia - um conjunto de doze estátuas de personalidades como Antônio Maria (Rua do Bom Jesus), Mauro Mota ( Pátio do Sebo), Chico Science (Rua da Moeda), Capiba (Rua do Sol), Luiz Gonzaga (Praça Visconde de Mauá), Ascenso Ferreira (Cais da Alfândega), Joaquim Cardozo (Ponte Maurício de Nassau), Carlos Pena Filho (Praça da Independência), Solano Trindade (Pátio de São Pedro), João Cabral de Melo Neto (Rua da Aurora), Manuel Bandeira (Rua da Aurora) e Clarice Lispector (Praça Maciel Pinheiro), feitas em tamanho natural pelo artista plástico Demétrio Albuquerque, e instaladas em locais da cidade bastante significativos de alguma maneira na vida dessas "pessoas" -, se deparará com a frustração de ver placas informativas arrancadas e estátuas pichadas e/ou mutiladas.

Clarice Lispector Praça Maciel Pinheiro


As ações dos vândalos não se restringem aos monumentos. Também sofrem com os seus ataques os mobiliários urbanos de serviços (telefones públicos, caixas de coleta dos Correios, lixeiras, abrigos de ônibus, postes de iluminação), de sinalização (placas de rua e informativas, placas de trânsito e semáforos), de lazer (bancos e brinquedos de praças, mesas de jogos) e de comercialização (bancas de revista, quiosques).

Além de provocarem a demanda de um aporte considerável de recursos para que os monumentos danificados e/ou destruídos recuperem o brilho de outrora - recursos esses que deveriam ser empregados em ações de manutenção de rotina -, os atos de selvageria contribuem para dar à cidade uma feição de todo sombria, como se a beleza das coisas fosse algo daninho e desrespeitoso e, por isso, devesse ser extirpado e retirado do alcance dos nossos olhos.
Em seu texto clássico Camillo Sitte proclamou que "É preciso ter em mente que a cidade é o espaço da arte por excelência, porque é esse tipo de obra que surte os efeitos mais edificantes e duradouros sobre a grande massa da população".


É profundamente lamentável todo esse vandalismo - e a incapacidade do Estado de coibir tais atos.

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