7 de janeiro de 2011

Personas urbanas (2)

Por Clênio Sierra de Alcântara


"Eu preciso de você do jeito que é
Sem te aprisionar
Eu quero inteira
Quando a gente gosta mesmo
Não quer mudar a pessoa.

Quantos vivem de mentiras
Dando a impressão
Que a sua certeza é a verdadeira
Quando a gente enxerga as coisas
Não tapa o sol
Então, me entenda
Esse é o meu jeito".
Mania de possuir (Guilherme Arantes)


Sou eu numa foto trabalhada por Ernani Neves



Liberdade. Eu sou uma pessoa que, igualmente à maioria dos comuns mortais, tem seus momentos de tristeza, de euforia e de ridicularidades sentimentalóides totalmente piegas.

Engana-se quem enxerga no meu semblante carrancudo alguém que está sempre de mal com a vida. Admito que sou muito ranzinza. E chato. Dominador. E chato. Por vezes intransigente. E chato. Crítico contumaz. E um grandissíssimo chato.

Faz algum tempo - e só eu sei o quanto isso me custou - que eu consegui domesticar minha sanha de tudo destruir. Venho tendo mais paciência para comigo. E devo a esse exercício de auto-compreensão e de autoavaliação o empenho com que me lancei para conceber planos: planos não só para o meu futuro; mas também para o meu passado.

Pode, de alguma maneira, alguém procurar tolher e querer aprisionar uma pessoa sob a desculpa de pretender salvá-la dos "males do mundo" - como se isso fosse possível -? Pode sim. Estou às vésperas - na verdade faltam menos de cem horas para tanto - de completar 37 anos e amargo essa condição.

Típico comportamento daquelas pessoas que fizeram de tudo - ou quase - na vida e que, de uma hora para outra, no instante mesmo em que "abraçam" uma religião, passam a acreditar que todos "temos jeito" e que podemos de algum modo ser "consertados", minha Mãe tem perseguido a mim como uma fera que espreita sua presa. Vejo no seu rosto diariamente um desgaste gerado não apenas pelo transcurso do tempo, mas também pela amargura e pela frustração de não ver em seu filho o modelo de comportamento de um homem que ela esperava que ele fosse seguir e cumprir.

Será que eu errei ao não me deixar subjugar? Será que eu fui deveras cruel no exato momento em que preferi falar a silenciar uma verdade que eu julgava ser a mais absurda das verdades que eu carregava e carrego? Será que eu deveria ter tido um mínimo de compaixão para com ela? Mas, se assim eu tivesse agido, seria a troco de quê? Do meu amesquinhamento como pessoa? Da negação do que eu sou? Da dilaceração e emasculação dos meus sonhos, dos meus desejos, dos meus prazeres e das minhas vontades mais comezinhas?

Minha Mãe, infelizmente, não entende que em momento algum eu estou a desrespeitá-la e a ultrajá-la. Ela não compreende que estou apenas sendo eu; que estou tão-somente vivendo com a matéria de que fui feito; e que lamento profundamente - hoje eu não choro mais por causa disso, o que, de certo modo, é um exercício e tanto de reconhecimento de inculpabilidade - que ela sofra por ter tomado conhecimento de que eu não sou e nunca fui perfeito.

Felizmente não sirvo como modelo para nada. Serei recalcitrante até o meu último instante. Albert Camus proclamava que, "Privado de dizer não, um homem torna-se um escravo". E eu fiz dessa máxima uma espécie de escudo. Direi não todas as vezes em que atentarem contra a minha dignidade. Direi não a todos aqueles que tentarem se pôr como pedras em meu caminho. Também direi não simplesmente ignorando-os, porque assim como a Betty Milan aprendeu com o Jacques Lacan, eu aprendi com ela que é preciso que muitas vezes façamos ouvidos moucos para aquilo que não queremos ouvir.

É uma lástima que, em vez de buscar aproveitar da melhor maneira a sua vida, minha Mãe perca tempo com tentativas torpes de aprisionar a minha.

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