28 de janeiro de 2011

Um Rio de lágrimas - e de demagogia

Por Clênio Sierra de Alcântara


A tragédia que se abateu sobre as cidades serranas do estado do Rio de Janeiro ainda não terminou. Ela continua. Continua como continua a tragédia que assolou no ano passado os municípios da Mata Sul de Pernambuco e, também, cidades de Alagoas. Tragédias são como medos que temos e dos quais nunca nos livramos - elas nos acompanham pelo resto de nossas vidas.
Quem já foi de alguma maneira vitimado pelas chuvas sabe bem a dimensão do estrago interior que isso provoca. Em meados dos anos 90 assisti, ao lado de minha, a parte de nossa casa de taipa ser levada pela chuva. Há dois anos, já noutra cidade, já noutro endereço, vivenciamos o drama de ver o nosso lar ser inundado em plena madrugada sob um temporal daqueles. Que coisa terrível! A sensação de impotência, de agonia e de fracasso que me tomou foi e continua sendo indescritível. Felizmente não choramos por mortos. E tivemos disposição e algum dinheiro para reparar os danos materiais.
Quando começaram a chegar as notícias do que em Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo como que vieram à tona os momentos de desespero que vivenciara em companhia  de minha mãe. E tão ou maior que isso foi a vergonha que senti de morar num país no qual as tragédias humanas diárias não conseguem de nenhuma forma alterar a incompetência, o despreparo e o descaso das autoridades para com o bem comum.
Políticos, de um modo geral - não tenho como não generalizar-, só legislam em causa própria; e político brasileiro então. A única ideia de social e de coletivo que político conhece abrange tão-somente os limites de seus familiares e apaniguados. A lição primordial e única de suas cartilhas é a locupletação. Caso vivêssemos num país sério e tivéssemos homens e mulheres públicos de fato honestos, não dsiporíamos de um sistema público de saúde do qual dispomos; caso esses homens e mulheres que elegemos de tempos em tempos tivessem realmente compromisso com a sociedade, o Brasil não ofereceria aos seus cidadãos uma educação de tão baixa qualidade como a que oferece; caso, enfim, não fôssemos governados por políticos que defendessem apenas seus próprios interesses, não viveríamos como reféns de bandidos e de balas perdidas.
É bem verdade que a tragédia havida nas cidades fluminenses não poderia ser de todo evitada. Mas também é verdade que ela poderia em muito ser minimizada. Quantas vidas poderiam ter sido popupadas se, por exemplo,  as Municipalidades não tivessem fechado os olhos para as construções erguidas em áreas de risco - fechar os olhos é apenas um eufemismo, pois se sabe muito bem que muitas casas ocupam pontos vulneráveis não só porque as prefeituras não coibem isso, como também porque fiscais municipais, à custa de suborno, deixam as edificações ser levantadas -? É fato que a tragédia não discriminou classe social: ela atingiu pobres, ricos e muito ricos. Como também é fato que a ocupação de áreas de risco não é privilégio de pobres e despossuídos.
O modo com que no Brasil o planejamento urbano é tratado sempre me levou a crer que as deficiências estruturais das cidades - e seus consequentes desordenamentos - não são frutos de um simples desleixo para com ele, mas sim, de uma ausência quase que total de planejamentos dessa natureza. De maneira geral as cidades brasileiras têm crescido sem o norte de uma política pública que lhes sirva de guia. A dura constatação de que o Governo federal não consegue sequer manter um programa que viabilize de modo permanente e eficaz a estrutura do sanemaneto básico para todas as unidades da federação dá bem a medida da tragédia urbana brasileira.
Um passeio pelos arredores das capitais deste país é um espetáculo de terror: bairros inteiros surgem sem nenhum planejamento; favelas se disseminam numa velocidade absurda; esgotos correm a céu aberto; e o sonho feliz de cidade nunca se concretiza.
Como o país também não dispõe de um programa habitacional que atinja todos os estratos da população, o que se verifica, aqui e ali, é o que chamo de "estratégia de sobrevivência": o sujeito ergue sua casa, sua morada, seu barraco, seu refúgio, enfim, onde e como pode. É dessa forma que, à maneira de uma metástase, o espaço urbano vai sendo pouco a pouco tragado por ocupações desordenadas que, além de porem em risco os seus moradores, tiram da cidade qualquer possiblidade de manter um planejamento correto e adequado, uma vez que a lógica da ocupação desordenada não obedece a nada e nem a ninguém.
Na falta  de uma política de planejamento urbano e de estratégias que visem a atenuar os efeitos que os fenômenos da natureza acarretam aos espaços citadinos, grupos empresariais têm buscado oferecer a potenciais compradores os famigerados condomínios de luxo. Esses "alphavilles" são o que de mais moderno e organizado em termos de ocupação urbana o Brasil conseguiu viabilizar. E para aqueles que não têm como pertencer a um desses paraísos artificais, resta o caos de cidades que, apesar de possuírem planos diretores e leis de uso e de ocupação do solo, não conseguem oferecer aos seus cidadãos horizontes que não sejam sombrios.
À tragédia ocorrida no Rio de Janeiro se seguiu o de sempre: promessas de que, daqui para frente ,tudo vai ser diferente: que não mais serão permitidas construções em áreas de risco; que as pessoas que perderam suas casas receberão o "aluguel social"; que os órgãos de Defesa Civil  serão melhor aparelhados material e humanamente; e que o Governo federal irá liberar milhões de reais para que estados e municípios possam recuperar as áreas atingidas pelas chuvas.
Nunca deixa de ser espantosa - apesar de previsível - a forma como a demagogia desce desembestada por esse país, como se fosse um rio caudaloso que cortasse o seu território de ponta a ponta.
Chorai pelos teus mortos, Rio!

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