9 de maio de 2011

Em Cabedelo

Por Clênio Sierra de Alcântara
                                    
                                                     Para Valdemir Machado (in memorian)


"Viagem à roda do mundo
Numa casquinha de noz:
estive em Cabedelo.
O macaco me ofereceu cocos.

Ó maninha, ó maninha,
Tu não estavas comigo?
Estavas?...".
               Cabedelo. Manuel Bandeira, 1928.


Fotos: Ernani Neves


Uma das maiores satisfações que eu tive em todo o percurso de minha vida acadêmica até aqui foi ter sido aluno, em mais de um semestre, do professor Marcos Albuquerque. Não escondo de ninguém, que o professor Marcos foi a minha primeira grande paixão intelectual na academia. Além de dominar por inteiro o assunto de sua especialidade, ele fazia suas preleções com um não sei quê de muito envolvente, que eu sempre tinha a sensação de que ele nos revelaria algum mistério.





Ao visitar, no sábado da Semana Santa, a Fortaleza de Santa Catarina, em Cabedelo, na Paraíba, eu vi como que revividas tais preleções; isso porque, durante todo um semestre - como parte de uma disciplina eletiva - fizemos várias viagens ao longo da costa pernambucana a fim de conhecermos antigas fortificações. Essas expedições me deram a justa medida do quanto podem ser enriquecedoras as aulas que agregam pesquisas de campo.





Como ocorre com o Forte do Brum, no Recife, a Fortaleza de Santa Catarina está situada numa zona portuária de grande movimentação - a favela que existe à beira-mar é deplorável como o são todas as favelas - o que lhe confere um ar de corpo estranho no  meio daquele cenário.






De maneira geral a estrutura da edificação está conservada - a parte de atrás é que merece ser mais bem cuidada para que não venha a desmoronar -; outro senão era a vegetação que, no dia da minha visita, estava bastante crescida, chegando a quase encobrir um dos canhões. Sua esplanada foi limitada justamente por uma das construções do complexo do porto.




A praça de armas é equivalente à do Brum - não gostei nem um pouco de ter me deparado com um cenário horrível de uma encenação da Paixão de Cristo, que estava escondendo parte da edificação. Chamou-me a atenção a simplicidade extrema da fachada da capela; sou levado a crer que, primitivamente, ela não era do jeito que está. Por outro lado, existem umas colunas noutro edifício que fazem recordar as dependências de um claustro - o que se vê é muito bonito.







Diferentemente do que ocorre no Brum, que é todo ele pavimentado em seu terrapleno, aqui ele aparece todo tomado por uma vegetação bastante viçosa. Outro ponto que quero destacar é o precário projeto museológico do espaço: a iluminação artificial é ruim; não há placas indicativas para alguns dos objetos expostos, como é o caso daqueles que devem ter sido encontrados nalguma prospecção arqueológica; e falta um monitor que guie os visitantes pelas dependências da fortificação que, saliente-se , cobra deles R$ 2,00 por cabeça.




Deixando a fortaleza continuei a explorar o território. No adro da Matriz do Sagrado Coração de Jesus uma surpresa: ali está fincado o Marco Zero da Rodovia Transamazônica. Não é um espanto?!
A zona portuária dessa cidade tem um aspecto não muito convidativo a passeios. Mas o espaço urbano, em si, embora não apresente edifícios suntuosos, é bastante vivo.





Vi a movimentação de uma feira livre - eu sou fascinado desde criança por feiras livres -; e lamentei o estado de abandono da estação férrea que eu conhecera noutra ocasião, quando fiz a viagem de trem de João Pessoa para lá com o propósito de conhecer o ferryboat que transporta pessoas, bagagens e veículos para a acanhada cidadezinha de Lucena.





Foi também noutra viagem que conheci aquela que é certamente a mais concorrida atração turísitica de Cabedelo - confesso que aquilo lá me pareceu com um desses lugares de peregrinação religiosa, tão numeroso era o contingente que para ali afluía -: o pôr do sol na praia fluvial do Jacaré, completado pelo Bolero de Ravel lindamente executado pelo Jurandir do Sax.



A nota triste dessa viagem que fiz a Cabedelo - a Cabedelo do singelo poema do Bandeira - para conhecer a Fortaleza de Santa Catarina foi o fato de, à noite, já estando a caminhar no calçadão da orla de João Pessoa, eu haver me encontrado com o Lineu Marinho - um colega do tempo da faculdade - e ter ouvido dele que um nosso companheiro de estudos, o coronel aposentado da Polícia Militar, Valdemir Machado, havia falecido. Tantas foram as vezes em que eu percorri o Recife de carona com o Valdemir ouvindo e fazendo confissões de toda uma existência... O ruim da vida é que nem tudo nela finda em poema de contemplação.

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