7 de agosto de 2011

Olinda de todos e de cada um

Por Clênio Sierra de Alcântara



Fotos: Ernani Neves



"A comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio"
   Aloísio Magalhães




Na tarde do último dia 23 de julho teve lugar no imponente Convento de São Francisco, em Olinda, o lançamento do livro organizado por Gisela Abad, intitulado Linda Olinda; livro esse que é, diga-se de passagem, uma obra belíssima sob todos os aspectos.




Estiveram presentes, entre outros, o prefeito de Olinda, Renildo Calheiros; o presidente do BNDES, Luciano Coutinho; o meu mestre, o arquiteto e historiador José Luiz Mota Menezes; Pedro Lobo, autor das fotografias do livro; o escritor Edson Nery da Fonseca; e Frederico Almeida, superintendente da unidade pernambucana do Iphan.

Como parte do evento houve uma palestra da professora da UFBA Márcia Sant'Anna. Ouvi atentamente a sua explanação. Falando com uma clareza impecável, a palestrante abordou o aspecto da preservação de sítios históricos citadinos considerando o papel que a comunidade tem e/ou pode desempenhar nesse processo.

Márcia enfatizou que "Mesmo quando a cidade parece que não está se transformando, ela está se transformando o tempo todo", dando uma ideia precisa de como a dinâmica de um projeto de preservação pode ser ameaçado por fatores que escapam por vezes das diretrizes dos órgãos fiscalizadores. A conferencista afirmou desconhecer qualquer exemplo, no Brasil, de cidade tombada em que haja um envolvimento vigoroso da população para com a preservação do lugar. Continuou seu raciocínio considerando que, sim, é preciso que seja mantido o caráter habitacional do sítio histórico de Olinda; e que se leve em conta ações de atores outros da sociedade para com esse território, uma vez que a cidade não é apenas dos que nela residem. E alertou para o fato de que, não raro, as políticas ligadas ao turismo adquirem um cunho predatório, ou seja, realiza-se tal e tal evento e, depois, a cidade é deixada à própria sorte; empreende-se uma determinada atividade nesses espaços sem avaliar a situação das pessoas que moram neles. E completou: "O turismo tende a transformar tudo em produto de consumo material passageiro".

Escalada como comentadora  da palestra, a arquiteta Vera Milet, autora do livro A teimosia das pedras: um estudo sobre a preservação do patrimônio ambiental no Brasil (1988) - aproveitei a ocasião e pedi-lhe um autógrafo para o meu exemplar-, destacou que, se não fosse pela sua população, Olinda não seria o que é hoje no que diz respeito aos seus aspectos urbanísticos, arquitetônicos e paisagísticos no sentido de sua preservação. Mas não deixou de reconhecer que na cidade vivencia-se um sério conflito de interesses: de um lado estão aqueles que procuram o sítio histórico para morar; de outro, aqueles que o buscam para explorá-lo comercialmente.

Vera criticou a ocupação desordenada dos arredores da área tombada - ela utilizou a expressão "franjas do sítio histórico" -, dizendo que isso é um grande exemplo da omissão dos agentes públicos para com a preservação do sítio histórico como um todo. E em tom de admoestação afirmou: "Eu acho que atualmente existe um consenso entre moradores e donos de bares, restaurantes, etc., de que, para permanecerem no sítio histórico de Olinda, é preciso que alguns limites sejam respeitados".
Quando foi aberta a fala à plateia, mestre José Luiz Mota Menezes tomou o microfone e falou, com o vigor entusiasmador de sempre, que "O título de Patrimônio Cultural da Humanidade não foi dado a Olinda por favor, mas por justeza". E, quando emendou o fio da meada do que fora discutido ali em termos de preservação da área tombada, ele disse o seguinte: "A mudança social de uso deve ser acompanhada por uma mudança regulamentadora".

É fato que as políticas de preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural, no Brasil, nunca mantiveram diálogo com a população sobre "o quê", "por quê" e "como" preservar este ou aquele bem, esta ou aquela cidade; este ou aquele recanto, esta ou aquela manifestação artística e cultural; este ou aquele prato típico, etc. Tudo sempre foi decidido nas esferas superiores, sem se consultar o cidadão comum, que deveria ser o principal interlocutor, porque ele é quem lida com o espaço em questão, é ele quem fabrica o artesanato, é ele quem atua nos folguedos, é ele quem consome o quitute, ou seja, é ele, enfim, quem acompanha as vicissitudes daquilo que os técnicos do Iphan classificam como bens materiais e imateriais; e, no entanto. E, no entanto, ele só é chamado para tomar conhecimento do que e de como foi decidida a tal política de preservação; ele só é chamado para que saiba das determinações que foram estabelecidas. E, no final de tudo, ainda esperam que ele se comprometa entusiasticamente com todas as decisões tomadas à sua revelia; é principalmente para isso que ele é chamado; e esperam que ele se transforme num agente multiplicador dessa política. Francamente.

Enquanto o Governo deste país continuar tratando o patrimônio histórico, artístico e cultural como se ele fosse detentor de tudo, alheando o cidadão de suas decisões, permaneceremos assistindo ao aumento de bens roubados que integram a lista divulgada no site do Iphan, à depredação de edifícios tombados e ao descompromisso que faz com que, por exemplo, o proprietário de um imóvel localizado numa área histórica, não esteja nem aí para um eventual desmoronamento desse imóvel, como é o caso que se verifica no sítio histórico de Igaraçu, a respeito do qual escrevi noutras duas ocasiões. Não pode haver engajamento e nem compromisso de preservação, quando não se sabe "por quê", "para quê" e "com o quê" preservar um patrimônio que, em verdade, é de todos e de cada um.

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