6 de outubro de 2011

Av. Cruz Cabugá: morte e ressurreição de um logradouro recifense

Por Clênio Sierra de Alcântara



A exemplo de vários outros logradouros da área central do Recife, a Av. Cruz Cabugá vinha, há anos, degradando-se a olhos vistos. Apesar de ser um dos principais corredores de circulação de automóveis e ônibus da capital pernambucana, essa via amargou um verdadeiro desmonte do potente comércio que durante certo tempo ela abrigou. Ainda hoje em processo de lenta recuperação - aqui e ali um prédio abandonado ostenta uma placa de "vende-se" em sua fachada -, essa artéria passou a ser ocupada por um tipo peculiar de empreendedorismo: o chamado "comércio da fé".

Fotos: o autor do texto

Bem, a fé pode até não mover montanhas, ao contrário do que diz o adágio popular; mas o fato palpável e real é que ela tem motivado - e me perdoem os fundamentalistas - uma como que ressurreição dessa importante artéria, a ponto de ela ser chamada por alguns de "Corredor da Fé" do Recife.


A "ressurreição" tem se dado da seguinte maneira: igrejas das mais varias denominações - Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Evangélica Cristo Vive Recife, Igreja Cristo é Vida, Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Santuário do Divino Espírito Santo, além, claro, da Assembleia de Deus, que instalou-se na área há várias décadas, e de uma filial da livraria Sociedade Bíblica do Brasil - têm ocupado terrenos e prédios abandonados - galpões imensos; imóveis que outrora abrigaram empreendimentos comerciais -, seja erguendo seus próprios edifícios, como foi o caso da Igreja Universal do Reino de Deus; seja fazendo somente adaptações ao ambiente construído, que é o modo mais comum da ocupação que se tem observado, ainda que, como é o caso do Santuário do Divino Espírito Santo, a ocupação não tenha sido efetivamente restauradora do imóvel.


É inegável que tais empreendimentos têm conferido um vigor novo àquela área. A pintura e recuperação das fachadas; a melhoria das calçadas; e a própria dinâmica da presença constante de pessoas fizeram com que esse espaço de alguma forma se revitalizasse. Pode-se até criticar a natureza e o tipo dos novos usos que estão sendo dados aos edifícios deteriorados que ocupam os dois lados da avenida, no trecho compreendido entre os cruzamentos com a Av. Norte e com a Rua Capitão Lima; o que não se pode negar é que, depois de passar anos acumulando ruínas - e a construção da Escola de Referência Ginásio Pernambucano, ainda em andamento, é um bom sinal dessa recuperação também -, a Av. Cruz Cabugá, que corta o bairro de Santo Amaro e abriga construções de peso como a Casa da Indústria, o Departamento de Estradas e Rodagens, o Mercado Público de Santo Amaro, o Cemitério dos Ingleses, os hospitais Naval e do Câncer, a Santa Casa de Misericórdia, a Vice-governadoria do Estado e até um shopping center, está, enfim, recuperando um pouco do vigor que se via outrora.


Crítico contumaz da ocupação indevida do espaço público que eu sou, não posso deixar de mencionar aqui a falta de fiscalização da Municipalidade visando coibir a desordem que certos comerciantes promovem ao instalarem seus "barzinhos" nas calçadas, dificultando o livre trânsito de pedestres e os expondo ao tráfego de veículos. A situação está particularmente crítica na esquina com a Rua 24 de Agosto. Depois que nessa artéria foi instalada uma empresa de telemarketing - a Contax -, o fluxo de pessoas cresceu enormemente. É impressionante observar, durante a troca de turnos, a quantidade de gente que se dispõe de maneira arriscada a atravessar aquele trecho da avenida que não conta com um semáforo. E é parte desse público que, basicamente, constitui a clientela dos tais "barzinhos" dos quais falei. Sinceramente eu não sei como ainda não ocorreram atropelamentos em série nessas imediações.

O processo de revitalização que ora se verifica na Av.Cruz Cabugá deve-se, sobretudo, à iniciativa privada. Cabe à Edilidade fazer o que lhe é devido, como, por exemplo, instalar semáforos nos trechos de maior circulação de pedestres; e desentupir bueiros, uma vez que, basta um pouco de chuva para que vários pontos da via permaneçam demoradamente alagados.
Chega a ser curioso que uma avenida que tem uma "cruz" no nome seja agora ocupada por tantas igrejas, como se fosse essa a sua verdadeira vocação. O "comércio da fé" prospera em ritmo acelerado. Espera-se que a  recuperação da Av. Cruz Cabugá siga no mesmo embalo.

2 comentários:

  1. Caro Sierra,
    Sou aluno de Arquitetura e tenho como objeto de estudo para o TCC a Av. Cruz Cabugá. Nas pesquisas na rede cheguei até aqui. Li e gostei muito do seu artigo.
    Você conhece alguma publicação que tenha um histórico desta avenida? Se puder me ajudar, ficarei agradecido.

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  2. Caro Elizeu, eu não conheço nenhuma publicação. Sugiro que você procure a biblioteca da URB-Recife, que fica na Rua do Riachuelo. Também acesse as dissertações e teses da UFPE, porque, aqui e ali, em alguns textos encontramos referências a alguns acontecimentos envolvendo a Av. Cruz Cabugá. Ah, leia Recife - histórias de uma cidade, do Antonio Paulo Rezende; e Recife do Corpo Santo, do Vanildo Bezerrra Cavalcanti.
    Clênio Sierra de Alcântara

    Clênio Sierra de Alcântara

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