19 de novembro de 2011

A ema gemeu em Alagoa Grande

Por Clênio Sierra de Alcântara

"Minha mulher, apesar de ter saúde
Foi pra Hollywood, fez uma operação
Agora veio com uma bossa nova,
Uma voz grossa que nem um trovão
Quando eu pergunto: o que é isso, Joana?
Ela responde: você se engana
Eu era Joana antes da operação
Mas de hoje em diante o meu nome é João".
       A mulher que virou homem. Elias Soares/Jackson do Pandeiro


Fotos: Ernani Neves              Boneco representando o mestre Jackson do Pandeiro            

Às 08:20h  do sábado 15 de outubro, eu deixei a pousada onde estava hospedado, na beira-mar de João Pessoa, com um destino certo: conhecer a histórica cidade de Areia.

Ainda que as condições da BR-230 fossem as melhores possíveis, o meu condutor não parava de reclamar do nunca chegar; e, também, não cansava de perguntar o que levava alguém a deixar o litoral e ir para aquelas brenhas danadas. A fim de evitar aborrecimento eu fazia ouvido de mercador e ignorava os muxoxos.

Carrego dentro de mim uma sede enorme de descobrir cidades, de conhecer lugares, de me perceber inserido no traçado de suas ruas, de encontrar gente que me fale alguma coisa da localidade, de me surpreender com qualquer pequeno ou grande encantamento, de me emocionar com uma e outra coisa com a qual eu me depare, de parar num cantinho para que a vista se inteire do que está testemunhando, de me dar conta do quanto estou longe de casa e de como vai ser bom retornar.


A estrada não está boa

Realmente o caminho parecia mesmo que não tinha fim - e olhem que só eram pouco mais de 100 km de distância da capital paraibana para lá. Sempre acreditei nessa quase máxima que diz que os caminhos que percorremos pela primeira vez parecem mesmo ser mais longos do que na verdade o são; e, talvez, a ansiedade de chegar contribua para isso; tanto é assim que, na volta, os caminhos como que se encurtam.



A lagoa localizada na área central da cidade


Quando deixamos a rodovia federal começamos a encontrar obstáculos: buracos e mais buracos no asfalto; e gente que se arvorava em dona da pista, fazendo manobras arriscadas... E eis que.

Já que a terra é de um mestre do pandeiro...




 E eis que, lá pelas tantas, avistamos de longe um imenso portal em forma de pandeiro. Sim, estávamos adentrando em Alagoa Grande, a cidade natal de um ilustríssimo e talentosíssimo paraibano: Jackson do Pandeiro. Vibrei só por isso, ainda que não perdoando o fato de eu até então ignorar que aquela estrada me levaria também para a terra do intérprete de "O canto da ema".







Depois de reabastecermos o automóvel, fizemos escala defronte à lagoa que fica próxima à zona central da cidade. Saindo dali fomos conhecer o centro comercial do município e o seu bem arrumado e atrativo conjunto arquitetônico, que compõe o espaço principal de Alagoa Grande.


O casario do centro da cidade









Estacionamos na Praça Firmino Cavalcanti, uma das três - as outras são a Praça 27 de Março e a Praça Apolônio Zenaide - que formam, por assim dizer, o amplo adro da imponente Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem; e que são ladeadas por edifícios cujas fachadas - algumas revestidas por belos azulejos - denunciam ser construções que remontam à primeira metade do século passado. É um bonito cenário.



A Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem vista de um ângulo privilegiado



O interior do templo é bem colorido



Chegando à matriz nos deparamos com o desenrolar de uma cerimônia de casamento. O colorido intenso dos altares do templo era bem sugestivo; lembrava aqueles bolos de aniversário e de enlace matrimonial cujo glacê era tingido com anilina das mais variadas tonalidades.



Olha o casamento. Tudo de bom eu desejo aos noivos





Durante alguns minutos, interrompendo aqui e ali o meu percurso pelos espaços da igreja, parei para acompanhar o padre abençoar a união do jovem casal Jânio Severino e Adriana dos Santos; e, embora eu não acredite na instituição casamento, desejei que os dois fossem felizes com aquela intensidade com que Vinicius de Moraes proclama em seu "Soneto da fidelidade", ou seja, "que seja eterno enquanto dure".









Olha eu aí assistindo ao casamento


Descendo a ladeira onde se situa a igreja, subimos uma outra, agora para chegarmos ao conservadíssimo Teatro Santa Ignêz, que foi idealizado, construído e inaugurado pelo Dr. Apolônio Zenaide em 2 de janeiro de 1905; e que fica na Rua Pedro II, mesmo logradouro onde está instalado o Tiro de Guerra 07/23 do Exército num prédio onde outrora funcionou um tradicional colégio da cidade, o Colégio do Rosário. O teatro é encantador. Guardando-o encontramos o Carlos Luís, um vigilante folguista. O edifício passou por uma ação revitalizadora recentemente; e tudo ali está tinindo de tão atraente. O Carlos nos disse que o espaço é bastante procurado por diversos grupos teatrais da Paraíba.





Interior do teatro


É curioso que, do ponto onde se situa a igreja matriz, observa-se o teatro em quase toda a sua inteireza. Não é demais imaginar que alguns párocos e fiéis olhassem - e olhem - para o teatro de viés, como que condenando o que era  e é apresentado ali, enquanto que eles se encontravam na "casa da salvação".
Ah, eu já ia me esquecendo de contar algo que foi pura coincidência: a trilha sonora de toda a viagem até Alagoa Grande foi, adivinhem de quem? De Jackson do Pandeiro; de uma coletânea deliciosamente divertida que foi justamente inaugurada quando pegamos a estrada.





Memorial Jackson do Pandeiro



O casario na enladeirada Alagoa Grande



Fomos recebidos no Memorial Jackson do Pandeiro pela bela e atenciosa Virgínia Carvalho.







Elemento do acervo do memorial



Bem localizado, o Memorial possui um acervo muito rico que pertenceu a Fernando Moura, co-autor do livro Jackson do Pandeiro: o rei do ritmo, que eu estou coçando as mãos para começar a ler. Ali pudemos observar recortes de jornais, revistas, vários Lp's, fotografias e até cartazes de shows do alagoagrandense José Gomes Filho (31/08/1919-10/07/1982), que ficou nacionalmente conhecido como Jackson do Pandeiro; e que é, até hoje, celebrado por muita gente boa da MPB, como Lenine.


RG de Jackson do Pandeiro



O espaço conta até com um pequeno auditório, onde grupos de estudantes  e visitantes em geral podem assistir a documentários sobre a vida e a obra desse irreverente cantor. Para meu espanto até os restos mortais de Jackson encontram-se ali. Pelo que pude apurar foi um acerto e tanto da Municipalidade dar destaque à figura daquele que deve ser  o filho mais ilustre da cidade. O Memorial é recentíssimo; foi inaugurado há apenas três anos. Jackson do Pandeiro é mais do que merecedor dessa homenagem.











Antes de deixarmos Alagoa Grande fomos ainda prestigiar o centro de artesãos. Lá eu adquiri - o quê?, o quê? - um rústico pandeiro para guardar de lembrança dessa cidade que foi, sem dúvida alguma, uma grata surpresa no meu itinerário de descobertas da Paraíba, essa terra que eu considero um prolongamento do meu mundo.

Mercado de artesanato

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