15 de abril de 2012

Complexo de Eva

Por Clênio Sierra de Alcântara





Deve ser comemorada em caráter festivo a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de legalizar o aborto de fetos anencéfalos – que são aqueles cujos cérebros não se desenvolvem completamente; e que, ao nascerem, geralmente não passam mais do que algumas poucas horas vivos -, dando às mulheres a possibilidade de interromper uma gravidez desse tipo, caso o queiram.

Quem acompanhou a cobertura jornalística em torno da votação dos ministros do STF na apreciação da matéria, viu muitos manifestantes contra o aborto lá em Brasília, querendo sensibilizar os magistrados. Numa das reportagens eu vi – e, me desculpem, eu senti um misto de dó e repulsa; repulsa porque me pareceu algo que beirava o irracional – uma mulher com uma criança nos braços – sua filha -, dizendo aos repórteres que sua menina era normal e tinha sentimentos como qualquer outra. Pelo menos para mim, as imagens diziam outra coisa.

Afora as manifestações dessa gente, também estavam lá - claro, porque eles sempre aparecem nessas horas - membros de igrejas com seus falares retrógrados e obscurantistas, defendendo a perpetuação da submissão total e irrestrita das mulheres aos mandamentos bíblicos. Não adianta, meus caros, o Estado brasileiro é laico: lai-co! Esse discurso dogmático que os senhores sustentam não pode e nem deve interferir no âmbito geral da sociedade.

Continuo afirmando que a grande contribuição que a Igreja Católica poderia oferecer às famílias de todo o mundo, era agir firmemente para que os seus padrecos, para que seus seminaristas e quejandos parassem de abusar sexualmente de crianças e adolescentes. E quanto a esses seres abomináveis, que se têm por pastores e bispos, e que proclamam a chamada “teologia da prosperidade”, eles fariam um bem danado à sociedade se passassem a oferecer conforto espiritual de fato aos seus seguidores, em vez de permanecerem vendendo – sim, o verbo é esse – promessas de obtenção de riquezas e de curas de doenças, ao mesmo tempo em que incutem na cabeça dessas pessoas suas visões distorcidas da realidade.

A imagem daquela mãe que se enganava dizendo que tinha uma criança normal nos braços, só me fez pensar no quão difícil deve ser para a maioria das mulheres se libertar daquilo que chamo de “Complexo de Eva”. A pregação da teologia cristã infundiu nelas a crença de que são responsáveis por tudo de ruim que acontece na face da Terra. A maioria das mulheres continua presa à obrigação da maternidade; à ideia de que deve ser sempre submissa aos homens, em geral, e ao seu marido, em particular; aos ditames da moda; a uma suposta lei que diz que ela tem de suportar as puladas de cerca de seu companheiro enquanto que ela deve se manter fidelíssima e sem esboçar eventuais fantasias sexuais; ao imperativo de proclamados modelos de beleza e de comportamento; e à determinação de estar sempre bonita e disposta a praticar sexo em suas múltiplas variações com seu marido e/ou namorado; etc.

A decisão do STF é um grande foco de luz nas trevas em que a maior parte dos homens quer que as mulheres sejam mantidas.

Ser mulher não deve ser nada fácil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário