24 de agosto de 2012

O nome do orago é São Lourenço



Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: Ernani Neves

 
Fosse apenas para percorrer sua avenida central e avistar o mar me posicionando ao lado da Igreja de São Lourenço de Tejucupapo – ela está sendo restaurada pelos técnicos da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco -, já teria valido o passeio até o povoado de São Lourenço, em Goiana.








Sabe aquela sensação de pertencimento a um lugar ao qual se chega pela primeira vez? Pois eu a senti, quando fui adentrando em São Lourenço e avistei o Bar do Joca, que em muito me fez lembrar, com sua fachada e com suas prateleiras, a barraca de Seu Elias, em Abreu e Lima, onde eu, muito menino, comprava bolinhos feitos em latas de sardinha e refrigerante Crush.




É a simpatia, ou melhor, a empatia que faz com que nos identifiquemos com certas gentes que vamos encontrando nas veredas infindas – infindas no sentido de que os caminhos não são iguais, mesmo quando o percorremos de novo – do mundo. Ouvindo uma senhora, a quem pedi uma informação, falar com tanto entusiasmo da festa do padroeiro – “É algo muito bonito. Vale muito a pena ver”, ela disse – fiquei cá dentro de mim vibrando com o sentimento de confiança e de continuidade da tradicional festa religiosa, percebendo na fala daquela desconhecida que, se depender dela, todo ano as ruas do lugar serão ocupadas pelo cortejo de celebração ao dito orago. E encontrar pessoas devotadas a tais acontecimentos, que dizem muito do comprometimento da comunidade para com eles – com a festa religiosa e com a profana -, em meio a um tempo de apelos tecnológicos tão intensos, como este que vivemos, é realmente animador.

 

É claro que escrevo isso porque sou alguém que estuda História, como certamente muitos dirão. Sim, eles estão corretos, eu, de fato, tenho apego a tais celebrações culturais e aos folguedos, por causa de minha formação acadêmica que, não duvido, aguçou o meu senso de curiosidade para com tais atividades. E sempre que eu me deparo com essas coisas, reavivo no meu percurso, como pesquisador e como sujeito consciente de que também é um agente que registra testemunhos seus e de outrem, as ações ligadas à cultura popular empreendidas por um dos meus mestres na academia, o professor Severino Vicente da Silva, o Biu Vicente.










Na Praça João Bandeira de Souza, mirando o Bar do Joca, eu mergulhei num túnel do tempo que vocês não fazem ideia. Meus olhos também percorreram outros ângulos daquela localidade singela; e registraram nas retinas a agência postal, o desenho das fachadas das casas residenciais, uma ruína mantendo-se firme de pé, o divertimento das pessoas... A vida pulsa em qualquer lugar.


O passeio até São Lourenço ainda me reservou o encontro com um vendedor de doce japonês – não perdoo a minha gafe de não ter perguntado o nome do camarada -, uma figura que foi popularíssima em outros tempos, na minha cidade de origem, e que eu há muito não via.  Provei guloso, do doce, que estava delicioso. E fiz questão de fazer um registro fotográfico do vendedor e de seu tabuleiro.



Escrevi esta narrativa no mesmo dia em que li o artigo “Turismo no Brasil”, de mestre Gilberto Freyre, publicado pelo Diario de Pernambuco na década de 1940. E será com as palavras dele que encerrarei este nosso encontro de hoje: “[...] não é só a paisagem que faz o turismo: também a humanização dos meios de comunicação do homem com as belezas naturais é importante. Sem essa humanização o turismo permanecerá na sua fase heroica de bandeirismo sem glória”.

21 de agosto de 2012

Operação padrão


Por Clênio Sierra de Alcântara


Alguém já disse que o Brasil é o país do absurdo. Também já se disse que é o país do futebol, do jeitinho, da malandragem, da jabuticaba, da saúva e até o país do futuro, imaginem. Continuo a pensar que este é o país do passado.  Do atraso. Do retrocesso. E não pensem que se trata de ranço pessimista de minha parte. A questão é que as coisas retrógradas, as coisas ruins do passado deste país permanecem tão vivamente vigorosas no presente que em mim embaçam a espetaculosa projeção de futuro que ultimamente alguns têm buscado difundir com relação a ele de maneira por vezes tão falaciosa, para não dizer desonesta.

Não compartilho desse pensamentozinho ingênuo, dessa irracionalidade coletiva que quer a todos fazer crer que o Brasil entrou finalmente nos eixos e que “agora a coisa vai”. “Ah, mas agora os brasileiros estão comprando carros como nunca”. Sim, mas para rodarem em estradas esburacadas, para abarrotarem as ruas de cidades desordenadas? “Ah, mas agora os brasileiros estão tendo acesso fácil ao crédito”. Sim, mas para contraírem dívidas que não conseguem saldar, para financiarem compras que não conseguem quitar? “Ah, mas agora os brasileirinhos estão quase todos nas escolas”. Sim, mas em escolas sucateadas onde pouco aprendem e das quais muitos saem analfabetos funcionais?

Há alguns meses o país Brasil foi tomado por um tsunami de greves de funcionários federais, que puseram suas pautas de reivindicações na mesa do Palácio do Planalto e foram olimpicamente ignorados. É curioso, para dizer o mínimo, como um partido, o PT, que nasceu nos movimentos grevistas consegue ser tão intransigente para com sua matéria formadora. Concordo que algumas categorias querem demais, mas, é correto ignorar completamente suas demandas?

Este texto está parecendo um samba do crioulo doido, não está? Vamos ver se doravante ele se endireita.

Como se tomassem a todos nós como seres desprovidos de raciocínio, algumas categorias do tsunami grevista resolveram protestar com um contra-senso, o que me fez encontrar – perdoem a minha pretensão – a raiz do atraso deste país. Fiquei a imaginar um líder sindical empunhando um microfone e dizendo, em alto e bom som, para os seus companheiros de lutas: “Não cruzemos os braços. Vamos fazer o que nunca fazemos, que é trabalhar seguindo todas as normas, todos os protocolos de segurança, todas as diretrizes exigidas”. Imaginei esse mesmo líder carismático sendo aplaudido com o maior dos entusiasmos. E ei-los prontos para a  luta. E eis que foi instituída a denominada “operação padrão”.

Só mesmo num país onde as normas não são seguidas em sua inteireza, onde os mais recomendados procedimentos para o alcance de efetiva produtividade são deixados de lado, pode-se protestar seguindo o que deveria ser sempre seguido. Ora, quando um sujeito diz que, a partir de hoje, ele vai examinar, ele vai inspecionar, ele vai investigar, ele vai exigir, ele vai conferir, ele vai aferir “seguindo as normas”, eu só posso pensar que, em dias comuns, quando assim é que deveria ser, ele não examina bem, ele não inspeciona corretamente, ele não investiga seriamente, ele não exige de fato, ele não confere de verdade, ele não afere coisa alguma.

A “operação padrão” é um espelho às avessas. A dimensão da falta de compreensão da realidade que tem a maioria dos brasileiros é perturbadora.  Ah, e quanto a nós que pensamos pensar sobre todas essas coisas? Ora, nós que nos brinquemos, como diria Macunaíma, o herói sem nenhum caráter.

17 de agosto de 2012

No litoral goianense


Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Ernani Neves

Durante dois dias eu percorri a zona costeira da cidade de Goiana, litoral norte de Pernambuco. Mais do que simplesmente conhecer as praias, eu pretendia entrar em contato com a área urbanizada dos lugares que esperava visitar. De um modo geral o que eu vi não me agradou nem um pouco.










O passeio teve início por Atapuz – o leitor deve ter notado que quase sempre eu insiro fotos de templos católicos nos relatos de viagens; não se trata de mera simpatia por eles, como alguns podem pensar; como geralmente eles pertencem ao grupo das construções mais antigas dos lugares onde foram erguidos, eu os procuro a fim de ver como outros edifícios e logradouros se estabeleceram a partir deles; quase sempre tais prédios também são os mais velhos, são os que demarcaram a ocupação territorial a partir da construção eclesiástica -, uma comunidade que só há pouco foi contemplada por uma estrada de acesso asfaltada. De Atapuz se avista a extremidade norte da Ilha de Itamaracá. Para os amantes da pesca, Atapuz enche os olhos com os tantos barcos que se vê por ali; e com a quantidade de peixes – eu vi muita manjuba – trazida à terra pelos homens do mar. Só deixei esse lugar depois de tomar caldinho de sururu; e de comer uma peixada de camorim no bar do Robson.









De volta à estrada minha parada seguinte foi em Carne de Vaca, última praia pernambucana antes da Paraíba. Percorrendo o lugar fiquei encantado com as diversas casas e estabelecimentos comerciais cujas paredes e muros são revestidos por conchas, o que lhes confere um aspecto bem interessante.






Buscamos alojamento em Ponta de Pedras, outra praia da região; e nos hospedamos na Pousada São João.











No dia seguinte tomamos o rumo da Barra de Catuama. O lugar é muito bonito, mas, infelizmente, também apresenta sérias deficiências, a começar pela ocupação desordenada da encosta – cada um querendo ser o dono do pedaço; e danem-se as leis e os turistas – e o acúmulo de detritos em suas margens ocupadas por rústicos bares. A única passagem que encontramos para descermos a pé até a beira da barra estava bastante degradada devido às chuvas.





Saindo dali percorremos um trecho da praia de Catuama propriamente dita. Novamente aqui nos deparamos com residências tomando de forma desorganizada os espaços, como se mais ninguém pudesse usufruir deles.





Percorremos, por fim, a praia onde ficamos hospedados, que é, diga-se muito honestamente, o único desses lugares visitados que apresenta um mínimo de infraestrutura, embora ela não seja ideal. O fato é que o distrito que dá nome à praia apresenta equipamentos como praças, mercados, lanchonetes, etc.; mas não espere o visitante grande coisa. Mesmo a praia em si não é muito convidativa; boa parte de sua extensão foi ocupada por construções grotescas que impossibilitam o trânsito de banhistas pela “faixa de areia”, quando a maré está alta.







Aimúde se diz que o Brasil ainda não foi descoberto pelos próprios brasileiros no que concerne ao turismo. De minha parte – ah, como eu gostaria de dispor de mais recursos financeiros para poder viajar pelo país afora – eu permaneço querendo percorrer o território nacional sem me fixar nos “destinos mais badalados”. Que o país peca e muito no quesito infraestrutura, tanto no turismo urbano como no rural, está fora de discussão; e é uma lástima quando, de maneira desonesta, os órgãos públicos e as agências de viagem fazem as chamadas propagandas enganosas. Já me decepcionei várias vezes com famigerados “cartões-postais”.




Ao ser convidado para ir conhecer o litoral de Goiana eu relutei em aceitar tal convite. Isso porque não eram boas as referências que eu tinha a respeito desse destino turístico. De qualquer forma o que me motivou, de fato, a pegar a estrada foi o espírito de aventura, foi a fantasia de que eu encontraria algo atrativo nos lugares que visitasse. Devo-lhes dizer que os encontros com as igrejas foram todos encantadores; não por elas em si, enquanto edifícios de tijolo e cimento; mas pelo que elas me fazem imaginar como estudioso dos processos de formação de cidades.













De maneira geral, as praias goianas são carentes de infraestrutura urbanística e de equipamentos como hotéis e pousadas, bares e restaurantes, postos policiais e de saúde, mercados, enfim, elas são necessitadas daquilo que todo turista, que todo visitante precisa para se sentir bem alojado, para se sentir bem servido e com um mínimo de segurança policial.





 Dentro desse universo de coisas ainda deve ser bastante lamentado - não apenas pelos pelos turistas, mas também e principalmente pelos moradores - o fato de a balsa que faz a travessia do canal do Rio Goiana, que separa as praias de Carne de Vaca e Acaú - esta na Paraíba -, está há meses sem funcionar, obrigando a população a recorrer ao longo percurso da BR 101 para chegar a tais lugares. Dada a precariedade de vários trechos percorridos – esgoto a céu aberto, estradas esburacadas, ocupações irregulares, sujeira nas ruas, etc. – eu diria que muito precisa ser feito para tornar tais lugares em destinos turísticos realmente atraentes.