13 de setembro de 2012

A cidade e o cinema: os 60 anos do Cinema São Luiz


Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: Ernani Neves


Embora eu tenha nascido e sido criado numa cidade que está inserida na Região Metropolitana do Recife, a referência da capital era algo que se apresentava como se estivéssemos bem distantes dela; de modo que, ontem, muitíssimo mais do que hoje, ao nos referirmos a ela costumávamos dizer que íamos à “cidade” sem nem precisarmos anunciar o seu nome. A palavra “cidade” era, por assim dizer, sinônimo de Recife, de capital.

No meu tempo de menino - dentro do universo limitado pela condição social em que eu vivia - ir à “cidade” era um grande acontecimento. Pois era lá que existiam as grandes lojas com suas escadas rolantes e suas guloseimas; era lá onde se vendiam as roupas e as coisas mais bonitas; era lá onde víamos os prédios mais altos. Era como se o Recife fosse o centro do mundo. A própria viagem de ônibus até lá era para mim uma aventura. E a minha ida a tal mundo era tão rara que eu só vim a conhecer um shopping center em meados de minha adolescência.

A referência mais antiga que eu guardo de um cinema é a da primeira vez que entrei num, sozinho – eu fui uma criança muito autônoma e corajosa -,  o Cine Lux, que existia na Av. Duque de Caxias, em Abreu e Lima; e que fechou as portas nos anos 80, dando lugar a um supermercado. Quanto aos grandes cinemas do Recife eu só cheguei a frequentar o Veneza – uma vez na infância e outra na adolescência – e o Trianon – uma vez na adolescência, quando fui sozinho assistir ao filme Conan, o destruidor. O Cinema São Luiz eu só passei a frequentar quando já era adulto. Foi durante uma fase de minha vida em que eu pensava que poderia conhecer tudo, absorver tudo do Recife e maturar uma porção de coisas que eu carregava dentro de mim: desejos, angústias, dúvidas...





É a existência de equipamentos urbanos como museus, bibliotecas públicas, cinemas, centros culturais, parques e praças com playgrounds que oxigenam a vida social nas cidades, que fazem com que seus habitantes interajam efetivamente com o ambiente em que vivem e nutram por ele um sentimento de pertencimento: a cidade é do homem assim como o homem é da cidade. Mas a existência de tais equipamentos por si só não basta. É necessário que a eles se ligue toda uma infraestrutura que possibilite mobilidade e acessibilidade, conforto e segurança; e que eles sejam permanentemente bem conservados – eles e seus entornos -; do contrário, a população deles se afasta e eles passam a ser alvos ainda mais diretos da ação de vândalos.



Localizado na Rua da Aurora, quase na esquina com a Av. Conde da Boa Vista, no bairro da Boa Vista, na área central do Recife, o Cinema São Luiz é o último remanescente de um tempo em que o centro da capital pernambucana abrigava inúmeros espaços de exibição de filmes. Embora eu não tenha podido frequentar todos eles, cheguei a vê-los em funcionamento: Moderno, Trianon, Art Palácio, Veneza, Ritz, Astor. O Recife possuía mais de uma dezena de cinemas, quando contabilizados outros menores que existiam no centro e os dos subúrbios. Mas a partir de um certo momento – creio que no começo da década de 90 – esses espaços de diversão, cultura e lazer começaram a fechar suas portas, dando lugar aos mais variados estabelecimentos comerciais, e sobretudo a igrejas neopentecostais. Alguns ainda tentaram se reerguer exibindo filmes pornôs, porém, nem isso foi suficiente para atrair um número razoável de espectadores. Enfrentando a concorrência das salas de exibição que foram sendo abertas nos vários shoppings centers que surgiram na cidade, com seus equipamentos modernos e ainda contando com o aparato de segurança existente nesses centros de compras, os cinemas do espaço central do Recife agonizaram, como que acompanhando o processo de degradação urbana que tomou essa área da capital. O próprio São Luiz passou anos fechado, a despeito de ter sido – de ser – uma casa tradicionalíssima e muito querida por um público que às vezes formava filas gigantescas para assistir às produções que nele eram exibidas. Por iniciativa do Governo do estado, o Cinema São Luiz foi comprado, revitalizado – os trabalhos visando o melhoramento das instalações continuam – e reaberto para a alegria de muitos que, como eu, ainda preferem apreciar o mundo das ruas buliçosas do Recife aos ambientes insípidos e sem referências dos shoppings e de suas salas multiplexes. Estive na cerimônia de sua reabertura, ocorrida em dezembro de 2009, durante a qual foi exibido o filme Baile perfumado.







Na noite da última quinta-feira, precisamente no dia em que o Cinema São Luiz completou 60 anos de existência, a casa recebeu uma animada multidão que foi até ali comemorar a longa vida do aniversariante. O burburinho no hall de entrada era enorme. Pipoca foi distribuída em embalagem que celebrava a data. A Companhia Editora de Pernambuco anunciava a edição da revista Continente que trazia na capa o ilustre cinema. Canhões de luz davam um colorido especial ao cenário.



Revirando seu baú de lembranças Cristina Maria, uma simpaticíssima cinéfila que eu conheci ali, naquela hora de festa, me falou do bom tempo em que para lá ia com o pai e os irmãos assistir aos filmes em sessões por vezes muito concorridas. “Houve um tempo em que, durante a Semana Santa, eram exibidos apenas filmes bíblicos”, ela recordou. A mesma alegria estampada no rosto da Cristina podia ser vista nas faces de todos aqueles que para lá afluíram naquela noite. De alguma maneira, era como se estivéssemos reconquistando um espaço que perdêramos.







Com quase uma hora de atraso a cerimônia comemorativa teve início. Enquanto a Banda Sinfônica do Recife, sob a regência do pequeno gigante que é o maestro Nenéu Liberalquino, executava temas de filmes como Missão impossível, Os Incríveis, Guerra nas estrelas e Indiana Jones – houve quem reclamasse dizendo à boca pequena que os músicos esqueceram de tocar composições de nomes como o de Nino Horta -, na tela eram exibidas imagens que foram captadas pela Atlândida Cinematográfica daquele 6 de setembro de 1952, ocasião na qual homens, crianças e mulheres superelegantes tomavam o hall do Cinema São Luiz a fim de prestigiar sua inauguração.



Ao término do concerto algumas personalidades e autoridades subiram ao palco para fazer em geral breves pronunciamentos. A esta altura as poltronas estavam quase todas ocupadas; e os painéis de Lula Cardoso Ayres brilhavam como nunca. Estavam por lá, além do Governador Eduardo Campos, mestre Abelardo da Hora, Fátima Quintas, Leda Alves, Rildo Saraiva, Beto Normal e muitos outros.




Falando em nome de todos aqueles que trabalham com o audiovisual em Pernambuco, o cineasta e crítico de cinema Kleber Mendonça Filho destacou quão gratificante era para todos nós estarmos num lugar como aquele: “Preservar este espaço é algo realmente incomum”, ele disse. Kleber fez um resumo do bom momento que as produções cinematográficas pernambucanas vêm atravessando, reconhecendo que o apoio do Governo do estado tem sido fundamental para isso. E em tom de desabafo declarou: “Que a nova Prefeitura que vem aí entenda que o centro do Recife é importante, é belo. Que a nova Prefeitura compreenda que o centro do Recife deve estar à altura do Cinema São Luiz”. Disse isso e foi merecidamente aplaudidíssimo. Parecia comício.




O anunciado prólogo que o escritor Fernando Monteiro faria antes da exibição do clássico O canto do mar, do Alberto Cavalcanti, não ocorreu, muito embora ele estivesse presente.




Certa feita o meu amigo João Maria, um cinéfilo de carteirinha e montador premiado, me disse o seguinte: “Existe diferença entre uma sala de exibição e uma sala de cinema; e o São Luiz é uma sala de cinema”.

Assisti à exibição d’O canto do mar comendo pipoca e amendoim. Ao seu término as horas já eram tantas que eu não pude ficar para provar dos bolos preparados para o aniversariante. Sequência de cena: o Capibaribe correndo manso na noite fria. Outra sequência: eu indo embora como se fosse um espectro desnorteado pelo sereno da madrugada.

Um comentário:

  1. Olá Clênio,sou eu,a Cristina!!!Adorei a matéria,até salvei as fotos no meu computador.Muito bom,e agradeço aos elogios à minha pessoa...(risos).Foi uma grande satisfação ter conhecido vocês.O cinema estava lindo e ainda que ele não se perdeu no tempo e no esquecimento como aconteceu aos outros,infelizmente.Sucesso ao seu Blog,eu já adicionei aos favoritos!Abraços!

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