27 de setembro de 2012

As memórias de Zé do Carmo

Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Ernani Neves


José do Carmo Souza, o Zé do Carmo, filho de Joana Izabel de Assunção e de Manuel de Souza dos Santos, nasceu em 19 de novembro – “Dia da Bandeira”, ele faz questão de destacar - de 1933, em Goiana, principal e mais vistosa cidade da Zona da Mata Norte de Pernambuco. Mestre do seu ofício e fazedor de uma arte à qual imprime uma força de expressão singularíssima, Zé do Carmo resolveu escrever suas memórias.

 Um dedo de prosa com esse senhor de olhos muito vivos e de memória sempre em ebulição é como que um mergulho no tempo, que ele vai recriando com uma vivacidade e uma intensidade realmente espantosas. “Tudo o que eu tenho foi resultado do meu trabalho, do meu esforço, da minha arte, do meu talento”, ele me disse demarcando a fronteira de sua honra e de seu brio, numa das tardes em que o visitei. Zé do Carmo é homem de muita fibra, que nunca se deixou levar pelo canto das sereias que, em mais de uma ocasião, lhe procuraram prometendo mundos e fundos. “Um amigo meu certa vez me disse: ‘Zé, abre o olho, porque eles vão querer é mandar em tu e na tua arte’”, ele recorda, salientando que em momento algum de sua vida  abriu mão de sua independência: “Eu sofri muito, sabe, é por isso que minha cara é assim fechada; eu quase não rio”.

Mas não é apenas de si que Zé do Carmo nos fala. Durante o conversê ele enaltece por demais a sua cidade natal, que muito admira; relembra nomes de escritores e cordelistas; celebra o talento de sua mãe; evoca o tempo em que tinha muitos alunos nas aulas de trabalho com o barro; rememora os amigos que divulgam seu nome e sua arte: “Eu sempre pensei assim: mais importante para mim são as pessoas que espalham o meu nome pelos livros, pelos lugares, e não os políticos, porque, você sabe, político às vezes só sabe enganar a gente”.







Certo dia Zé do Carmo me concedeu o grande privilégio de percorrer ao seu lado o território de sua oficina, um espaço simples, e eu diria até humilde e não compatível com a importância artística de seu proprietário, que ele mantém contíguo à sua residência e ao seu ateliê. E enquanto eu ouvia sua narrativa, fiquei explorando aquele mundo particular, contemplando, maravilhado, cada coisa que eu via ali. “Uma vez um sujeito veio até aqui querendo comprar não sei quantas peças pagando uma mixaria. Eu disse: ‘Não, meu amigo, isso tem valor. Eu não faço arte de fábrica não’”. Zé do Carmo é nó cego.













Às vésperas de completar 79 anos, Zé do Carmo, um dos ícones da cultura pernambucana, vem alimentando o projeto de ver sua oficina e seu ateliê transformados em um grande museu: “Tô juntando meu dinheirinho. Eu vou realizar esse meu sonho”, ele me disse.





Em seu livro de memórias Zé do Carmo promete contar tudo: os dias difíceis da infância; o tempo em que comprou terrenos e começou a construir suas casas; as investidas de alguns políticos que quiseram se aproveitar de seu cartaz; os amigos e admiradores que colecionou ao longo de sua carreira; o reconhecimento de sua obra que está espalhada pelo mundo; e tantas outras coisas. Quem viver lerá.

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