13 de outubro de 2012

Elogio à poeta ausente



Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Ernani Neves


Na noite do dia 26 de setembro passado, os jardins do Solar Barão Rodrigues Mendes, sede da Academia Pernambucana de Letras (APL), no Recife, serviram de cenário para o lançamento coletivo de obras das Edições Bagaço: A rosa em chama, de Alvacir Raposo; Trilogia de poemas, de Dirceu Rabelo; O palco da minha vida, de Reinaldo Oliveira; Pseudomínia e literatura, de Lucila Nogueira; Tempo de faculdade e outros tempos, de Fernando Coelho; Terras adormecidas e Fronteiras de chumbo, de Admaldo Matos; Crônicas virtuais, de Geraldo Pereira; Escritos, de Lucilo Varejão Neto; Gilberto Freyre plural e singular, de Fátima Quintas; Coleção Debate nº 1, de Raimundo Carrero organizado por Fátima Quintas; e Prefácio para as obras completas de Charles Baudelaire, de Milton Lins.








Embalada por um som ambiente envolvente a maioria dos convidados e dos autores que ali estavam de imediato nem se deu conta – bem é verdade que em princípio o som do microfone estava realmente ruim – quando a escritora Fátima Quintas, presidente da APL, principiou uma saudação a todos os presentes. Logo em seguida, quem se apossou do microfone foi o poeta Marcus Accioly. Visivelmente frustrado ele anunciou que a homenageada da noite, a também poeta Deborah Brennand, não iria comparecer à festa porque tivera uma indisposição.








Caberia ao autor de Érato – aliás, diga-se deste livro que é ele um impressionante e instigante conjunto de poemas eróticos – o discurso em louvor da poeta. Apesar de lamentar a ausência da companheira de pena, Accioly não nos deixou inquietos e curiosos por saber o que havia naqueles papéis que manuseava; depois de elogiar Nenem Brennand, dizendo que ela estava a cada dia parecendo mais com a mãe, ele, ainda que ligeiramente, expôs alguns dos pontos que constituíam o panegírico. Ele enfocou o caráter pastoril da poesia da senhora Brennand; também disse que ela produzia muito, como atestam os vários livros que publicou; e destacou-a como uma voz importante dentro do panorama poético pernambucano.










Fui até à APL naquela noite por duas razões: a primeira era para prestigiar o lançamento da obra de Fátima Quintas sobre o meu grande mestre Gilberto Freyre; a segunda era para rever e ouvir a Deborah Brennnand – eu até ensaiara dizer um dos seus poemas ao microfone. Para a minha satisfação, ocorreu também naquela noite a antecipação de um encontro que eu havia planejado ter com o Marcus Accioly, não ali - de verdade eu só soube da sua presença no evento, quando ele se portou junto ao microfone -, mas na sede do Conselho Estadual de Cultural (CEC), por recomendação do artesão goianense Zé do Carmo, de quem é amigo. Accioly foi superantencioso para comigo; e disse que eu fosse mesmo ter com ele lá no CEC.


A primeira vez que eu estive com a Deborah Brennand foi há cinco anos, num seminário em homenagem à Clarice Lispector ocorrido no salão nobre do Teatro de Santa Isabel. Quando a vi chegando não perdi a oportunidade de abordá-la; apresentei-me; falei que lera alguns poemas dela soltos aqui e ali, não nos livros em si; e, de pronto, disse-lhe assim: “A senhora não poderia me ofertar algum de seus livros?”. E ela, generosa que só vendo, falou: “Olhe, eu posso sim, mas ta lá no carro. Depois do evento você pega”. Conversamos um pouco. Enfática ela me disse ao pé do ouvido: “Eu só vim hoje por causa do Benedito Nunes; nem amanhã e nem depois eu virei”.Ao término das conferências eu fui à toalete e acabei me desencontrando dela.

 No outro dia a sua amiga e escritora Lenice Gomes me falou que não ficara com o livro; mas no dia seguinte ela me entregou um exemplar da Poesia reunida, que eu leria com sofreguidão tempos depois, em princípio com estranheza, por considerar que aquele tipo de poesia não me dizia muita coisa; cheguei mesmo a avaliar que Deborah fazia versos como quem borda um tecido sem conceber de antemão um desenho; ou, para usar de outra imagem, como quem colhe a fruta de uma árvore assim de repente e não por ter decidido ir até o pomar buscá-la. A mim me pareceu, num primeiro momento, que a sua poesia era produto de alucinações, de um escapismo descabido da realidade. Demorou um pouco para que eu encontrasse naquelas páginas e naqueles versos algo de uma potente força criadora; e me sentisse se não como habitante pelo menos como visitante sazonal daquele universo. Em sua labuta poética Deborah Brennand deixa afluir um filete aquoso de indagações e incompreensões que se transforma em rio caudaloso e perene, porque perenes são as nossas dúvidas perante o acontecimento da vida: não escrevemos somente sobre algo que compreendemos parcial e/ou inteiramente; escrevemos também com a ânsia de encontrar, se não respostas completas, ao menos um esclarecimentozinho que seja a respeito disto ou daquilo. Vejo a poesia de Deborah muito voltada para essa coisa do estar aqui ao mesmo tempo que pensando com sofreguidão no que está por vir. Os versos de sua lavra estão a todo tempo ansiando por agarrarem o incompreensível, o incognoscível da existência, os seus mistérios.

Num dos textos que integram o opúsculo Deborah Brennand, publicado pelas Edições Bagaço, que foi distribuído entre os convidados naquela noite, Alvacir Raposo escreveu que a poesia de Deborah “brota espontânea, fruto do espanto que fere a sensibilidade do poeta, definindo-se como algo intuitivo”. Eu diria que muito mais do que do espanto, a poesia dessa senhora é fruto de uma alma que não quer ser cativa deste mundo.  

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