13 de dezembro de 2012

Luiz Gonzaga, um artista do povo


Por Clênio Sierra de Alcântara


“Aquela sanfona branca
Aquele chapéu de couro
É quem meu povo proclama
Luiz Gonzaga é de ouro”.

                       Sanfona branca. Benito Di Paula


                                                                        Especialmente para
Sebastião Neto,
                                                                             que também aniversaria hoje



Foto: internet



No meu tempo de menino eram muito comuns, nas rádios AM, programas que só tocavam músicas de Luiz Gonzaga, assim como existiam os que só punham para tocar canções de Roberto Carlos – creio que programas desse tipo ainda existam.

Tive uma infância muito musical; e, morando no subúrbio, eu consumia, sobretudo, música que era destinada ao público adulto. Daí por que minha memória musical desse passado está repleta de composições interpretadas por Luiz e Roberto, mas também por Reginaldo Rossi, Carlos Alexandre, Luiz Ayrão, Bartô Galeno, Diana, Fernando Mendes, Odair José dentre outros.

Foi de tanto ouvir bonitezas como “A triste partida” e “Assum preto”, interpretadas por mestre Luiz Gonzaga, que passei a nutrir uma fantasia, a me agarrar a um pensamento mágico de que eu poderia reverter a ordem de certas estórias tristes, de modo que, quando eu escutava essas músicas – assim como via filmes de finais infelizes -, pensava que, de alguma maneira, a narrativa ganharia outro rumo, quando recomeçasse – e continua sendo desse jeito –, como se eu fosse o dono da estória; era como se eu tivesse um poder que pudesse transformá-la. Mas aí tudo se repetia e eu aguardava a próxima execução da música, o início do mesmo filme triste e eu torcia novamente por um outro final.

Desde cedo eu passei a ouvir Luiz Gonzaga prestando bastante atenção no que diziam suas letras. É claro que, sendo eu ainda uma criança, não compreendia tudo o que dizia a poesia de Seu Luiz e a de seus parceiros musicais; mas havia um entendimento, sim, da tristeza que ele evocava, principalmente quando ele falava das agruras da seca que, ainda hoje, faz com que muitos sertanejos busquem melhores lugares para viver, como arribação que, passando sede, “bateu asas e voou. Seu Luiz também me divertia muito com seus “dois siris jogando bola”, com sua conta de sabido que dizia “uma pra mim, uma pra tu, uma pra mim, outra mim, uma pra mim, uma pra tu, uma pra mim, outra pra mim”, com seu pagode russo “que parecia até um frevo naquele vai e não vai.”

Quando, já adulto, li o livro A invenção do Nordeste, do Durval Muniz de Albuquerque Jr., fiquei um tanto quanto espantado com a parte da narrativa que descreve como a indumentária de Seu Luiz, como sua “figura de sertanejo”, foram construídas de modo a dizer para o resto do país que ele era um típico nordestino. Eu disse espanto porque ao ler o texto do Durval, minha primeira reação foi de estar diante de um desmascaramento, como se eu tivesse sido o tempo todo enganado; depois, compreendi que, para além de uma imagem esteriotipada de um tipo brasileiro, Seu Luiz levava consigo, para os quatro cantos desta nação, os dramas e as alegrias do povo nordestino em suas canções. A “construção de uma imagem”, sobretudo partindo da indústria fonográfica, é algo que perdura até os dias atuais; mesmo que tenha partido do próprio Luiz Gonzaga a escolha de tal indumentária – que, diga-se de passagem, agrega também elementos das vestes dos cangaceiros -, como modo de situar sua origem e os valores que ele evocava, ela é legítima no sentido de criação de um personagem.

Sou da opinião de que erramos quando tomamos as figuras geniais das artes e das ciências como pessoas que estão além do humano, porque, quando assim agimos, tendemos a acreditar que elas são perfeitas, e seres humanos perfeitos, como sabemos, não existem. As pessoas têm suas ânsias, seus desejos, suas limitações, suas qualidades, seus defeitos; as pessoas cometem faltas, as pessoas têm seus monstros interiores. Seu Luiz era talentosíssimo, mas era humano, ora: “tudo em vorta” não é só beleza. Em que pese a plena consciência de Seu Luiz para com as dificuldades vivenciadas pelas gentes sertanejas, ele não deixou de ficar alinhado com os mandões da Ditadura Militar que governou este país; um governo ditatorial que, a despeito da prepotência em querer resolver todos os problemas sociais, não tornou menos dura a vida do sertanejo que, enfrentando calamidades, a exemplo da estiagem severa que está assolando a região Nordeste neste ano, vem há décadas aguardando a barragem, o poço artesiano, o açude e a cisterna – a promessa de agora é a transposição do Rio São Francisco – que não chegam. As pessoas têm todo o direito de defender as ideias e os ideiais nos quais acreditam; o que me parece não ser válido é o escamoteamento de eventuais deslizes que se comete.

Luiz Gonzaga e sua obra são muito maiores do que os eventuais tropeços que ele cometeu ao longo da vida. Nesta ocasião em que se está celebrando os cem anos do seu nascimento, uma série de eventos – livros, shows, especiais de televisão, desfile de escola de samba e um filme lindo e emocionante, do diretor Breno Silveira, Gonzaga - De pai pra filho, que eu vi na semana passada, no Cinema São Luiz, no Recife – corrobora a força e a perenidade do legado de Seu Luiz na a cultura popular brasileira. Ao homenageá-lo, o Brasil, em geral, e o Nordeste e Pernambuco, em particular, rendem um justo e merecido tributo a um artista que, mesmo quando “errou”, não deixou nunca de revelar as coisas de sua terra e de sua gente para todos os brasileiros, através de sua arte. Ouvindo-o cantar coisas tão encantadoras como "Que nem jiló", "Asa branca" e "Luar do sertão", nós nos reconhecemos nelas fundamentalmente porque a figura e a voz de Seu Luiz estão como que entranhadas nas almas das gentes que moram nas bandas de cá deste país.

Luiz Gonzaga, rei do baião. Eta cabra danado de bom!

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