26 de julho de 2013

Dedicado a você, Dominguinhos

 Por Clênio Sierra de Alcântara



                
Vem

Se eu tiver você no meu prazer,

Se eu pudesse ficar com você,

Todo momento, em qualquer lugar.

Ah, se no desejo você fosse o amor,

Durante o frio fosse o calor

Da minha lua você fosse o mar”.


Dedicado a você. Nando Cordel/Dominguinhos



Imagem da internet
                          
Durante muito tempo difundiu-se a falsa ideia de que pernambucano não suporta ver conterrâneo subir e, por isso, de tudo faz para fazê-lo cair. Divulgava-se tal absurdo recorrendo à imagem de um cesto repleto de caranguejos no qual, aquele que tentava sair do recipiente, era puxado para baixo pelos demais.

Quando digo que isso não é verdade faço ver que, tivesse essa ideia validade, os pernambucanos não se jactavam a todo tempo de possuírem um rei do baião (Luiz Gonzaga), o maior teatro ao ar livre do mundo (o de Fazenda Nova), um rei do brega (Reginaldo Rossi), o mais celebrado educador do Brasil (Paulo Freire), o maior bloco de Carnaval do planeta (o Galo da Madrugada), o melhor e maior São João que já se viu (o de Caruaru), o mais aclamado sociólogo do país (Gilberto Freyre), dois dos mais incensados poetas brasileiros (Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto), o dramaturgo mais genial que este país concebeu (Nelson Rodrigues). Torcessem os pernambucanos contra os seus pares, eles não se gabavam de proclamar que foi em Pernambuco que ocorreram alguns dos maiores movimentos nativistas contra a dominação portuguesa; e que foi em terras pernambucanas que se deu o primeiro grito de República no continente americano.

Pernambucano é sujeito teimoso, vaidoso, valente. Pernambucano é, por natureza, reivindicador; e não gosta de levar desaforo para casa. Culturalmente Pernambuco não abaixa a cabeça para nenhum outro estado brasileiro. Somos um povo guerreiro, inventivo, desafiador. Dizem que pernambucano tem tamanha mania de grandeza que vive a propalar que foi da união dos rios Beberibe e Capibaribe que nasceu o Oceano Atlântico. Como não ser gabola tendo um passado a abrigar tantas glórias e um presente tão auspicioso? Como não ser vaidoso sendo da mesma terra onde nasceram Joaquim Cardozo, Ascenso Ferreira, Francisco Brennand, Joaquim Nabuco, Abelardo Barbosa, Luiz Inácio Lula da Silva, Cícero Dias, Hermilo Borba Filho, Mauro Mota, Josué de Castro?

Quando se quer dizer que alguém é enrolão, metido a valentão ou que diz coisas que não faz, recorre-se muitas vezes ao ditado popular que esclarece que “cão que ladra, não morde”. Não é o caso dos pernambucanos, minha gente. Nós não latimos, nós rugimos, porque nós somos os leões do Norte.

Escrevi tudo isso como forma de celebrar um pernambucano dos mais talentosos que faleceu no último dia 23, depois de passar vários meses lutando contra um câncer que se alojara em seu pulmão.

José Domingos de Morais, o Dominguinhos, nasceu no dia 12 de fevereiro de 1941, na cidade de Garanhuns, na aprazível, na mais do que agradável Garanhuns. Em meio à multidão de esforçados imitadores, Dominguinhos era um herdeiro legítimo de Luiz Gonzaga, porque Mestre Lula assim o designou. E Dominguinhos de tudo fez para honrar o legado do padrinho tão adorado pelo povo nordestino.

Músico refinado que não sabia ler partitura, cantor que reconhecia suas limitações vocais e compositor dos mais prolíficos entre os sanfoneiros, Dominguinhos era dono de um sorriso cativante, extremamente generoso para com os parceiros com os quais firmava composições e, sobretudo, era muitíssimo grato para com seus mestres.

Em mais de uma ocasião eu ouvi sua fala mansa dando entrevistas a Geraldo Freire, na Rádio Jornal, do Recife. Dominguinhos às vezes chorava com facilidade quando recordava certas passagens de sua vida. E falava com a maior naturalidade de sua arte, de seus amores, de seus dissabores, porque reunia em sua pessoa aquela força que é tão admirável nos artistas verdadeiros: o destemor de viver.

Recordo que, numa das entrevistas concedidas a Geraldo Freire, Dominguinhos disse claramente que gostaria de ser sepultado em sua cidade natal. Lamentavelmente seus familiares não acataram esse seu desejo. Infelizmente família é família, não é uma democracia, como bem disse Miguel Falabella em A partilha.

Nesta hora soturna, em que o fim de uma vida causa tanta consternação, fixo na memória e no coração a imagem de um Dominguinhos empunhando sua sanfona e celebrando a vida com o maior dos entusiasmos e a mais vibrante alegria: “Vem, meu coração se enfeitou de céu/ Se embebedou na luz do teu olhar/ Queria tanto ter você aqui...”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário