28 de setembro de 2013

Atrás dos fios




Por Clênio Sierra de Alcântara

      

Fotos: Ernani Neves



Até o caminhante mais desatento flagra com grande regularidade num ponto e noutro das cidades brasileiras, postes e mais postes de iluminação pública marcados por emaranhados confusos de fios – não só de eletricidade; também de linhas telefônicas e de transmissão de internet e TV por cabo, nem sempre legalizados, diga-se de passagem.



Todos os flagrantes que aparecem aqui foram feitos no bairro de São José, zona central do Recife









Atrás dos fios detalhe da estrutura do tradicional Mercado de São José


O aspecto grosseiro da fiação muitas vezes faz com que não percebamos com inteireza detalhes das fachadas das edificações na frente das quais geralmente são posicionados os postes. Além de ser esteticamente feia, a superabundância de fios representa um risco potencial de incêndios que podem atingir os prédios e comprometer por completo suas estruturas – e não me refiro aqui, evidentemente, apenas às edificações históricas. Afora isso, em alguns logradouros a fiação desordenada chega a impedir o livre trânsito de certos tipos de veículos.






Ao fundo aparece a Igreja de Santa Rita de Cássia






Nota-se, no Brasil, uma resistência inexorável aos projetos que visam o embutimento da fiação nos logradouros públicos. Não são apenas os fios que maculam a paisagem urbana. Em muitos casos, os próprios postes ocupam espaços em calçadas estreitas, dificultando o vai e vem de pedestres de pedestres. De modo que, ao embutir a fiação, se resolveria também o problema de ocupação indevida do espaço que é destinado ao caminhante.


A calçada, que já é estreita, foi tomada por postes



A presença permanente dessa barraca na rua é um acinte à tentativa de pôr ordem no espaço urbano, que é de todos






Costumo dizer que nós, os brasileiros, não temos para com o espaço público nem respeito nem admiração, porque impera em nós aquela maldita distinção – vista, entre outros, por Gilberto Freyre e Roberto DaMatta – entre a casa e a rua: a casa como o espaço a preservar; a rua como o espaço do tudo pode, da danação. Talvez isso explique o fato de jogarmos tanto lixo nas ruas; talvez isso explique o fato de soltarmos à toa os animais sem nos importarmos com as sujeiras que eles fazem nem com os eventuais prejuízos que eles possam causar a outrem; talvez isso explique, enfim, o fato de ocuparmos as calçadas com veículos e atividades comerciais sem dar a mínima para o que as leis estabelecem.



Aspecto do Mercado de São José





Basílica de Nossa Senhora da Penha










À esquerda, lateral da Basílica de Nossa Senhora da Penha



Por trás do emaranhado de fios de um poste pode estar uma porção de coisas: ligações clandestinas – por necessidade ou por pura e desavergonhada falcatrua -; omissão dos órgãos fiscalizadores; incompetência técnica; e ausência de uma norma regularizadora que se preocupe com a estética geral do cenário urbano. Uma cidade que é bem preservada e administrada é cuidada nos seus mínimos detalhes.

Um comentário:

  1. Ao escritor e ao fotógrafo:
    O blog de vocês é bom demais! Provocou altas reflexões em mim, sempre com um registro fotográfico pertinente e belo.

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