3 de outubro de 2013

Patrimônio & Especulação imobiliária


Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: Ernani Neves


De um modo geral o patrimônio histórico no Brasil vive constantemente sob a ameaça de desaparecer do mapa devido a uma série de razões; eis as principais: 1ª) as políticas de proteção esbarram na escassez tanto de recursos financeiros como de pessoal capacitado para fiscalizar o acervo – lembre-se que, em âmbito federal, o órgão responsável pela sua salvaguarda, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), não possui nem oitenta anos de existência -; 2ª) não existe comprometimento por parte da imensa maioria da população para com a proteção do patrimônio, efeito certamente da ausência de educação patrimonial na grade curricular das escolas, o que resulta em indiferença e até em depredação de edifícios e monumentos e furto de peças de valor histórico; 3ª) relação promíscua de funcionários públicos desonestos com empresas privadas interessadas na desocupação de terrenos muito cobiçados; 4ª) falta de empenho de órgãos estaduais e municipais de proteção do patrimônio, uma vez que nem tudo é de competência e/ou de interesse do Iphan proteger e preservar.







O embate ferrenho entre o patrimônio histórico e a sempre voraz especulação imobiliária está prestes a pôr abaixo o Edifício Caiçara, localizado na Av. Boa Viagem, no bairro homônimo, na Zona Sul do Recife. A mesma Av. Boa Viagem que um dia abrigou uma vistosa edificação conhecida como Casa Navio, que eu só vi através de fotografias. Sim, são perfeitamente discutíveis os critérios que o Conselho Estadual de Cultura utiliza para dar o seu aval sobre o que deve ou não ser tombado. E sabemos que, neste caso em particular, o tal Conselho se posicionou contra o tombamento. Não duvido da competência e muito menos da honestidade dos seus membros; mas a mim me causa estranheza o fato de que, meses atrás, esse ilustre Conselho aprovou o tombamento de uma chaminé que pertencia a uma fábrica de tecidos no centro da cidade do Paulista, que será mantida num complexo que abrigará um shopping center e unidades residenciais. Por que uma chaminé é importante e um prédio residencial não? Por tamanho empenho preservacionista os membros do Conselho foram homenageados pela Câmara de Vereadores paulistense. E onde é que a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) entra nisso?






Mesmo com o posicionamento do Conselho Estadual de Cultura – e sabe-se que a decisão final quanto ao tombamento ou não do Edifício Caiçara cabe ao governador -, havia uma determinação da Prefeitura do Recife revogando a liberação de demolição do prédio que ela mesma havia autorizado. Mas, como é próprio dos poderosos grupos financeiros, que se pretendem acima das leis e capazes de sempre influenciar decisões judiciais em benefício deles, a Construtora Rio Ave iniciou o bota-abaixo do Edifício Caiçara na última sexta-feira.








Na manhã do domingo passado eu compareci ao Edifício Caiçara ou ao que sobrou dele. Como que o velando havia um pequeno grupo composto por curiosos e indivíduos inconformados com mais esse episódio de descaso para com a preservação do patrimônio que se verifica no Recife. A montanha de entulhos poderia ser vista como uma metáfora da incapacidade do Estado de defender para valer o que lhe cabe proteger. A imagem desoladora de um prédio mutilado espremido entre robustos edifícios esmagou a minha pretensão de racionalizar com maior apuro o que os meus olhos viam. Percorri os cômodos que restaram da edificação imaginando as histórias ali vivenciadas; e atravessei os escombros sentindo o ruflar das asas do Angelus Novus de Paul Klee.

















Os defensores da permanência e conservação do patrimônio histórico e artístico são constantemente tachados de passadistas e inimigos do Progresso por grande parte da população deste país. Em tempos de obsolescência programada, a busca do novo é o propulsor dos devaneios da sociedade. O caso envolvendo o Edifício Caiçara – fincado justo no endereço onde se encontra o metro quadrado mais caro da capital pernambucana – expôs novamente a dura realidade que é proteger patrimônio histórico edificado num cenário em que grandes empresas imobiliárias disputam de maneira acirrada cada palmo de chão – principalmente do das chamadas áreas nobres das cidades – a fim de erguer seus prédios suntuosos e caríssimos.

















Todos os povos, todas as sociedades têm o direito de preservar sua história e sua memória, porque é a manutenção das referências que sinalizam os novos caminhos que podemos traçar. Progresso não é só destruir e construir outra coisa no lugar – até porque o novo pode ser nocivo e retrógrado -; Progresso, muitas vezes, é, também, a capacidade de poder preservar, como defendia Aloísio Magalhães.



3 comentários:

  1. Olá, Clênio! Vi esse post sobre o Caiçara e pensei se você poderia me ajudar. Trabalho na Fundação Joaquim Nabuco e preciso de fotos da fachada do Edifício Caiçara antes da demolição, bem como de imagens do interior desse edifício. Elas serão usadas num documentário sobre urbanismo. Você tem fotos assim ou conhece alguém que tenha? Agradeço a atenção.

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    1. Luiz, infelizmente não tenho. Será que você não encontraria na biblioteca da URB? Ou com o cineasta Kleber Mendonça, que pretendia filmar lá? Quanto à fachada, você já verificou o serviço do Google Street View?

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  2. Olá, Clênio! Vi esse post sobre o Caiçara e pensei se você poderia me ajudar. Trabalho na Fundação Joaquim Nabuco e preciso de fotos da fachada do Edifício Caiçara antes da demolição, bem como de imagens do interior desse edifício. Elas serão usadas num documentário sobre urbanismo. Você tem fotos assim ou conhece alguém que tenha? Agradeço a atenção.

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