Por Clênio Sierra de Alcântara
Encantou-se, virou estrela
Mulher negra guerreira
É a nossa Rainha do Coco
Que um dia foi Selma Ferreira.
Rainha do
Coco. Williams Santana, o Chicó da Burra
Dona Glorinha, Lia de Itamaracá e Aurinha do Coco nos bastidores |
Em primeiro plano Milton Costa confere a apresentação do Coco de Selma junto com o numeroso público |
Embora seja pouca a experiência que eu até agora possuo acerca do universo da cultura popular no que diz respeito sobretudo às engrenagens que ligam tais manifestações aos mecanismos governamentais que, de alguma maneira, buscam promover a sua manutenção, o que eu já vi foi o suficiente para que eu firmasse um juízo de valor nada animador. Afora isso – e insisto neste ponto porque acredito que não são as ações governamentais que garantem fundamentalmente a preservação de uma memória cultural atuante -, minha escassa experiência me fez ver também que no próprio seio familiar dos mestres dos folguedos podem estar tanto os indivíduos que se disporão a levar adiante a tradição como outros que só estão esperando que os mestres se encantem para que tratem de apagar quase que por completo os vestígios da arte que o parente defendeu durante grande parte de sua vida, como se tal arte fosse sinal de vergonha e/ou algo sem nenhum valor, uma vez que, para muitos, herança de alguma serventia é só aquela que pode ser convertida no vil metal.
Eu num clique de Telma prestigiando as mulheres da cultura popular de Pernambuco |
Nesta foto e na seguinte as meninas do Coco de Selma em ação no palco |
No último sábado eu deixei a minha Ilha de Itamaracá para acompanhar a cirandeira Lia até Garanhuns, onde ela estava com duas apresentações marcadas no festival de inverno da cidade. No Palco da Cultura Popular, montado na Av. Santo Antônio – senhores organizadores do festival, além do espaço ser pequeno para, por exemplo, se formar uma boa e animada ciranda, os senhores ainda permitiram que um bar montasse uma tenda no local. Francamente! -, a multidão que ali compareceu assistiu ao que deve ter sido, não duvido, um dos momentos de maior brilho de todo o evento. Naquela tarde, a vibrante e acolhedora terra de Simoa Gomes foi cenário de um encontro memorável, de uma grande homenagem a Selma do Coco, que nos deixou em maio passado. Dividindo o mesmo palco com cantos e breves discurso, Lia de Itamaracá, Aurinha do Coco – não sei onde Aurinha encontrou forças para se apresentar, porque, nos bastidores, eu a vi chorando até o último instante que antecedeu sua entrada no palco – e Dona Glorinha, uma senhorinha de oitenta anos de idade, se juntaram ao recém-lançado conjunto – o début do grupo ocorreu justamente naquele momento – Coco de Selma, formado por Raquel Marta, Yohana Tainã e Adriana Andrade, algumas das tantas netas da falecida coquista, para celebrar a memória da intérprete de A rolinha, empolgando o público. Dona Selma era mais do que merecedora de manifestações de apreço como essa.
Aurinha do Coco chorou muito antes de entrar no palco |
Raquel Marta e Dona Glorinha: de geração para geração: é assim que os valores da cultura popular são transmitidos |
O grupo Coco de Selma foi constituído com um duplo propósito: manter vivo o legado de Dona Selma e, por conseguinte, difundir e preservar o folguedo coco. Beto Hees, experimentado produtor, é da opinião de que as meninas só precisam de alguns ajustes para ficar no ponto. Avaliação essa compartilhada por Lia, que me disse o seguinte: “A voz de Raquel é muito parecida com a de Selma. Se essas meninas se ajeitarem, elas vão longe”. Milton Costa, que está produzindo o Coco de Selma, mostrou-se com uma empolgação só. Casado com uma neta de Dona Selma, ele tem conhecimento de causa e deve saber que a trilha percorrida pelos artistas da chamada cultura popular é sempre cheia de obstáculos por vezes desanimadores. Vida longa ao grupo Coco de Selma; e que ele preserve com valentia e talento o folguedo e a artista que pretende celebrar.
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