Foto: Manoel Almeida
Tudo azul no meu paraíso particular. Não perturbem o meu sono. Caso queiram se ocupar com algo útil, recolham as ervas daninhas do pomar do vizinho
Quando muito jovem eu mirava
para o tempo futuro pensando na velhice e temia – hoje não temo mais – não as
limitações físicas e as doenças e nem, como dizia o meu mais do que querido
amigo Edson Nery da Fonseca, que viveu até os noventa e dois anos, os “achaques”
próprios da idade, mas sim o desamparo: o cruel, o impiedoso, o desumano
desamparo.
Enxergando o mundo a partir
das circunstâncias que estavam/estão ao meu redor, nunca acreditei que a
velhice pudesse redimir quem quer que fosse. Para mim os perversos, os
maus-caracteres, os trapaceiros e quetais não se livrarão de sua má índole só
porque se tornarão idosos. O avanço da idade fragiliza o corpo e até a mente,
mas não arranca e nem extrai de nós a essência do que somos; e, menos ainda,
apaga em nós o nosso curriculum vitae.
Quando de mim eu sinto por vezes
se aproximar um impulso de impaciência para lidar com os idosos, eu me
reaprumo, eu me vigio, eu me policio, eu me advirto, eu me admoesto, eu me
reprovo severamente porque compreendo perfeita e claramente que a postura da
impaciência para com os mais velhos que está por trás de ideias e ações
execráveis que enxergam essas pessoas como um estorvo, como indivíduos de
terceira categoria, como um encosto, como algo ruim do qual é preciso se livrar
o quanto antes.
Dizer que a sociedade em que
vivemos é regida pelo culto desmedido de uma improvável juventude eterna é um
lugar-comum sim; mas, mais do que é um lugar-comum é a afirmação de um fato que
pode ser facilmente verificável nas ruas, nas revistas, na televisão... Talvez
em nenhum outro período de sua história o ser humano tenha recorrido a tantos
recursos cosméticos - não digo os avanços da medicina porque eles serão sempre
bem-vindos; afinal, quanto mais saúde para o corpo melhor, a fim de que
possamos viver durante mais tempo com qualidade de vida – com o fito de adiar
e/ou disfarçar os sinais da velhice. Não pensem que eu sou contra tais
expedientes, mas não sei, sinceramente, se recorrerei algum dia à toxina
botulínica, ao hidrogel e congêneres. A mim, felizmente, tem bastado, até o
momento, uma rotina de exercícios físicos, uma alimentação com restrições disso
e daquilo e porções generosas de protetor solar. Não está nos meus planos ser
refém de um culto à eterna juventude. Deixar de cultivar uma vida interior? Isso
nunca. Quem quiser que enverede por esse caminho, porque eu não tenho tempo, nem
dinheiro, nem disposição e nem me sinto seduzido por tais coisas. Minha
necessidade vital, minha ânsia existencial toma o rumo de outras paragens.
Considero que seja até um
acinte, um verdadeiro chiste dizer que os idosos atingiram a “boa idade”;
contudo, eu consigo enxergar até certo glamour
na velhice, porque procuro encarar com confiança essa etapa do futuro. E chego,
às vezes, quando me encontro diante do espelho, a me imaginar como estarei fisicamente
a vivenciar esse tempo. Vejo na minha face as rugas e linhas de expressão se
acumulando e vou seguindo impávido o meu caminho mantendo a minha fome de
conhecimento, a vontade de experimentar coisas novas e o desejo de continuar me
mantendo firme no mundo. Estou acreditando no alcance de uma serenidade
possível em meio às turbulências do cotidiano. Hei de ser um velho descolado,
de bem com a vida e consigo mesmo, ostentando no pulso esquerdo uma etiqueta
indicativa: produto vintage.
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