Por Clênio Sierra de Alcântara
Não é difícil encontrar na
selva de pedra de algumas das grandes cidades brasileiras exemplos de descaso
para com a preservação do seu patrimônio edificado. Aqui e ali nos deparamos
com construções abandonadas e por vezes já em ruínas marcando o espaço urbano
como se fossem pústulas em corpos aparentemente sadios.
Muito embora eu tenha me
referido às “grandes cidades”, infelizmente aquilo que eu chamo de “lógica do
desprezo” não é, digamos, um privilégio dos grandes centros citadinos; ela se
estabelece de forma generalizada em praticamente todas as urbes deste país. E
eu não digo isso por achismo, não, mas com conhecimento de causa, porque venho
há anos acompanhando casos seja in loco, seja através do noticiário. Eis dois
exemplos recentes: há poucos dias – precisamente no dia 28 de julho – um prédio
do século XIX, cuja fachada era revestida com azulejos portugueses ruiu em
Vicência, cidade da Zona da Mata norte pernambucana; em Belém do Brejo do Cruz,
no interior da Paraíba, um imponente casarão de grande referência na história
do lugar está carecendo de urgentes reparos e o que se diz é que não existem
recursos para tanto.
Poderíamos apontar como
causa principal do descaso para com a salvaguarda de significativas edificações
antigas o imperioso domínio da indiferença. Sim, é claro que a indiferença
contribui com um percentual considerável para a ampliação dos quadros de ruína
e degradação desse patrimônio; mas não podemos esquecer que não são poucas as
áreas das cidades que possuem acervos arquitetônicos de caráter histórico que
são visadas não apenas pelas grandes construtoras de edifícios residenciais de alto padrão, mas
também por empresários que pretendem pôr abaixo o prédio antigo e erguer no
lugar algum estabelecimento comercial. Afora isso, ainda existem aqueles
proprietários que querem simplesmente modificar por completo o seu imóvel sem
se importar com o valor histórico, artístico e cultural que ele porventura
possua.
A história da destruição do
patrimônio edificado no Brasil está repleta de flagrantes de total desrespeito
para com a memória do país: o fulano fica sabendo que algum órgão governamental
está pretendendo tombar um imóvel de sua propriedade e ele, na surdina, se
antecipa à tal ação preservacionista e
põe abaixo a edificação. Episódios dessa natureza dizem muito do grau de
desprezo para com a conservação do passado nacional que está entranhado em parte
da nossa sociedade; e revelam, também, a ausência de compreensão de que o
status de “histórico” pode agregar um valor inestimável a determinadas
construções.
Não se pode deixar de ter em
conta que as ações de preservação do patrimônio perpetradas por entidades
governamentais – sejam elas instituições de âmbito municipal, estadual ou
federal – nem sempre se revelam de todo eficazes. Por falta de recursos – eis uma
cantilena constantemente repetida – que lhes assegure a promoção de medidas de
restauro e conservação dos bens que estão sob suas guardas, as instituições
acumulam inúmeros casos de necessidade de intervenções que deveriam ser
imediatas e elas não têm como proceder para evitar o pior. De modo que, a bem
da verdade, a questão da preservação do patrimônio histórico, artístico e
cultural, no Brasil, vai muito além da percepção de que falta ao cidadão comum
um entendimento quanto a importância e/ou necessidade de proteger a memória do
país em que ele vive.
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