12 de setembro de 2015

Patrimônio & Descaso (V)


Por Clênio Sierra de Alcântara


Não é difícil encontrar na selva de pedra de algumas das grandes cidades brasileiras exemplos de descaso para com a preservação do seu patrimônio edificado. Aqui e ali nos deparamos com construções abandonadas e por vezes já em ruínas marcando o espaço urbano como se fossem pústulas em corpos aparentemente sadios.

Muito embora eu tenha me referido às “grandes cidades”, infelizmente aquilo que eu chamo de “lógica do desprezo” não é, digamos, um privilégio dos grandes centros citadinos; ela se estabelece de forma generalizada em praticamente todas as urbes deste país. E eu não digo isso por achismo, não, mas com conhecimento de causa, porque venho há anos acompanhando casos seja in loco, seja através do noticiário. Eis dois exemplos recentes: há poucos dias – precisamente no dia 28 de julho – um prédio do século XIX, cuja fachada era revestida com azulejos portugueses ruiu em Vicência, cidade da Zona da Mata norte pernambucana; em Belém do Brejo do Cruz, no interior da Paraíba, um imponente casarão de grande referência na história do lugar está carecendo de urgentes reparos e o que se diz é que não existem recursos para tanto.

Poderíamos apontar como causa principal do descaso para com a salvaguarda de significativas edificações antigas o imperioso domínio da indiferença. Sim, é claro que a indiferença contribui com um percentual considerável para a ampliação dos quadros de ruína e degradação desse patrimônio; mas não podemos esquecer que não são poucas as áreas das cidades que possuem acervos arquitetônicos de caráter histórico que são visadas não apenas pelas grandes construtoras de edifícios residenciais de alto padrão, mas também por empresários que pretendem pôr abaixo o prédio antigo e erguer no lugar algum estabelecimento comercial. Afora isso, ainda existem aqueles proprietários que querem simplesmente modificar por completo o seu imóvel sem se importar com o valor histórico, artístico e cultural que ele porventura possua.

A história da destruição do patrimônio edificado no Brasil está repleta de flagrantes de total desrespeito para com a memória do país: o fulano fica sabendo que algum órgão governamental está pretendendo tombar um imóvel de sua propriedade e ele, na surdina, se antecipa  à tal ação preservacionista e põe abaixo a edificação. Episódios dessa natureza dizem muito do grau de desprezo para com a conservação do passado nacional que está entranhado em parte da nossa sociedade; e revelam, também, a ausência de compreensão de que o status de “histórico” pode agregar um valor inestimável a determinadas construções.

Não se pode deixar de ter em conta que as ações de preservação do patrimônio perpetradas por entidades governamentais – sejam elas instituições de âmbito municipal, estadual ou federal – nem sempre se revelam de todo eficazes. Por falta de recursos – eis uma cantilena constantemente repetida – que lhes assegure a promoção de medidas de restauro e conservação dos bens que estão sob suas guardas, as instituições acumulam inúmeros casos de necessidade de intervenções que deveriam ser imediatas e elas não têm como proceder para evitar o pior. De modo que, a bem da verdade, a questão da preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural, no Brasil, vai muito além da percepção de que falta ao cidadão comum um entendimento quanto a importância e/ou necessidade de proteger a memória do país em que ele vive.





Foto: Ernani Neves     Cidade Baixa, Salvador, BA, outubro de 2013.
Cidade mais antiga do Brasil e primeira capital do país, Salvador apresenta inúmeros exemplos de descaso para com a salvaguarda do patrimônio histórico. Este, da foto, fica bem ao lado da imponente Basílica Nossa Senhora da Conceição da Praia, uma das áreas de maior visitação da cidade.



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