6 de agosto de 2016

A fantasia e a realeza de João Capão

Por Clênio Sierra de Alcântara


O homem do castelo: a fantasia pode até ser menor do que a realidade, mas é a partir dela que construímos tudo o que está a nossa volta





Na ocasião em que eu fiz a minha primeira visita à cidade de Garanhuns, em dezembro de 2010, incluí no roteiro uma passagem pelo castelo de João Capão. E confesso que, lá chegando, fiquei um tanto quanto desapontado com o que vi. A mim me pareceu que aquela construção ainda em andamento carecia de algum asseio e organização para que realmente pudesse servir como atração turística. Não conheci João Capão; quem me recebeu na ocasião foi uma de suas filhas, Selma Ferreira; e, enquanto conversávamos, fui me dando conta de que, apesar de figurar como um dos pontos de visitação recomendados pela Municipalidade, o castelo-residência nunca recebera qualquer incentivo financeiro e/ou material de quem quer que fosse para ser concluído e incrementado.

João Ferreira da Silva, o João Capão – a versão que eu conheço sobre o seu apelido é a seguinte: certa feita, durante uma partida de futebol, ele ficou tremendamente irritado com o fato de o juiz ter confirmado um gol que no seu entender deveria ser anulado e, como não o foi, ele pegou uma faca e cortou a bola, passando, desde então, a ser chamado pelos conhecidos como “o cara que capou a bola”, “o capão de bola”, segundo o relato de sua filha Soneide -, viu quando criança – diz-se que ele tinha dez anos de idade no instante do deslumbramento - um castelo num filme e saiu do cinema tal qual um Walt Disney, alimentando a fantasia de que um dia ergueria um grande castelo e moraria nele, sendo um rei sem súditos, mas feliz por ter realizado o seu sonho. Os anos foram passando e João continuou mantendo firme o seu propósito.

Homem de muitas habilidades, como um certo Sérgio Florentino meu conhecido, antes de fixar morada em Garanhuns, João Capão tentou a sorte no Recife, tendo residido no Alto José do Pinho, no bairro de Casa Amarela. Como encanador e eletricista ele conseguiu constituir um razoável patrimônio formado por um conjunto de imóveis que ele alugava. Decidido a tirar o projeto do castelo da imaginação e torná-lo real, João Capão adquiriu um terreno na terra das Sete Colinas e deu início à sua construção; e, como lhe faltassem recursos para levar a obra adiante, ele chegou mesmo a vender as casas de aluguel que tinha para continuar investindo na edificação; contudo, em dado momento não havia mais o que pudesse ser convertido em dinheiro para a compra de material de construção e a obra foi paralisada, permanecendo até hoje inconclusa.

Vítima de um enfarte, João Capão passou vários dias internado num hospital da capital pernambucana tentando se restabelecer e não vendo a hora de poder voltar para os seus domínios. Maria de Lourdes, sua esposa, ficou hospedada em Casa Amarela, na residência de uma prima dele, Maria da Conceição, que é mãe do meu amigo Ricardo Amorim; e num dos períodos mais difíceis de todo o tratamento, ela pensou em vender o castelo a fim de conduzir o marido para uma unidade hospitalar privada, mas foi dissuadida disso, uma vez que ele se encontrava numa instituição de referência, o Pronto-socorro Cardiológico de Pernambuco Prof. Luiz Tavares (Procape).

Num dos vários trechos marcantes do seu belo livro As cidades invisíveis, Italo Calvino nos diz o seguinte: “Quem viaja sem saber o que esperar da cidade que encontrará ao final do caminho, pergunta-se como será o palácio real, a caserna, o moinho, o teatro, o bazar [...] Assim – dizem alguns – confirma-se a hipótese de que cada pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares”.

Fruto do empenho de um homem que quis fazer de um encantamento do seu tempo de menino uma realidade, o castelo de João Capão, que não é nenhuma joia da arquitetura, por outro lado, imprime à paisagem serrana de Garanhuns um quê de algo mágico e inusitado que continuará prendendo a atenção de muitos dos visitantes que forem conhecer essa cidade do Agreste pernambucano.

Rei dos seus sonhos e senhor de suas vontades, João Capão faleceu no dia 12 de maio passado, no Recife, aos 81 anos de idade, deixando inacabada uma obra à qual ele dera início há trinta e quatro anos e uma grande saudade no coração de todos aqueles que, como ele, acreditam que a fantasia e o desejo são as forças motrizes da vida.


(Artigo publicado também in Informa Garanhuns [Garanhuns], setembro de 2016,  nº 2, Opinião, p. 2).

Nenhum comentário:

Postar um comentário