Por Clênio Sierra de Alcântara
O homem do castelo: a fantasia pode até ser menor do que a realidade, mas é a partir dela que construímos tudo o que está a nossa volta |
Na ocasião em que eu fiz a
minha primeira visita à cidade de Garanhuns, em dezembro de 2010, incluí no
roteiro uma passagem pelo castelo de João Capão. E confesso que, lá chegando,
fiquei um tanto quanto desapontado com o que vi. A mim me pareceu que aquela
construção ainda em andamento carecia de algum asseio e organização para que
realmente pudesse servir como atração turística. Não conheci João Capão; quem
me recebeu na ocasião foi uma de suas filhas, Selma Ferreira; e, enquanto
conversávamos, fui me dando conta de que, apesar de figurar como um dos pontos
de visitação recomendados pela Municipalidade, o castelo-residência nunca
recebera qualquer incentivo financeiro e/ou material de quem quer que fosse
para ser concluído e incrementado.
João Ferreira da Silva, o
João Capão – a versão que eu conheço sobre o seu apelido é a seguinte: certa
feita, durante uma partida de futebol, ele ficou tremendamente irritado com o
fato de o juiz ter confirmado um gol que no seu entender deveria ser anulado e,
como não o foi, ele pegou uma faca e cortou a bola, passando, desde então, a
ser chamado pelos conhecidos como “o cara que capou a bola”, “o capão de bola”,
segundo o relato de sua filha Soneide -, viu quando criança – diz-se que ele
tinha dez anos de idade no instante do deslumbramento - um castelo num filme e
saiu do cinema tal qual um Walt Disney, alimentando a fantasia de que um dia
ergueria um grande castelo e moraria nele, sendo um rei sem súditos, mas feliz
por ter realizado o seu sonho. Os anos foram passando e João continuou mantendo
firme o seu propósito.
Homem de muitas habilidades,
como um certo Sérgio Florentino meu conhecido, antes de fixar morada em
Garanhuns, João Capão tentou a sorte no Recife, tendo residido no Alto José do
Pinho, no bairro de Casa Amarela. Como encanador e eletricista ele conseguiu
constituir um razoável patrimônio formado por um conjunto de imóveis que ele
alugava. Decidido a tirar o projeto do castelo da imaginação e torná-lo real,
João Capão adquiriu um terreno na terra das Sete Colinas e deu início à sua
construção; e, como lhe faltassem recursos para levar a obra adiante, ele chegou
mesmo a vender as casas de aluguel que tinha para continuar investindo na
edificação; contudo, em dado momento não havia mais o que pudesse ser convertido
em dinheiro para a compra de material de construção e a obra foi paralisada,
permanecendo até hoje inconclusa.
Vítima de um enfarte, João
Capão passou vários dias internado num hospital da capital pernambucana
tentando se restabelecer e não vendo a hora de poder voltar para os seus
domínios. Maria de Lourdes, sua esposa, ficou
hospedada em Casa Amarela, na residência de uma prima dele, Maria da Conceição,
que é mãe do meu amigo Ricardo Amorim; e num dos períodos mais difíceis de todo
o tratamento, ela pensou em vender o castelo a fim de conduzir o marido para
uma unidade hospitalar privada, mas foi dissuadida disso, uma vez que ele se
encontrava numa instituição de referência, o Pronto-socorro Cardiológico de
Pernambuco Prof. Luiz Tavares (Procape).
Num dos vários trechos
marcantes do seu belo livro As cidades
invisíveis, Italo Calvino nos diz o seguinte: “Quem viaja sem saber o que
esperar da cidade que encontrará ao final do caminho, pergunta-se como será o
palácio real, a caserna, o moinho, o teatro, o bazar [...] Assim – dizem alguns
– confirma-se a hipótese de que cada pessoa tem em mente uma cidade feita
exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida
pelas cidades particulares”.
Fruto do empenho de um homem
que quis fazer de um encantamento do seu tempo de menino uma realidade, o
castelo de João Capão, que não é nenhuma joia da arquitetura, por outro lado,
imprime à paisagem serrana de Garanhuns um quê de algo mágico e inusitado que
continuará prendendo a atenção de muitos dos visitantes que forem conhecer essa
cidade do Agreste pernambucano.
Rei dos seus sonhos e senhor
de suas vontades, João Capão faleceu no dia 12 de maio passado, no Recife, aos
81 anos de idade, deixando inacabada uma obra à qual ele dera início há trinta
e quatro anos e uma grande saudade no coração de todos aqueles que, como ele,
acreditam que a fantasia e o desejo são as forças motrizes da vida.
(Artigo publicado também in Informa Garanhuns [Garanhuns], setembro de 2016, nº 2, Opinião, p. 2).
(Artigo publicado também in Informa Garanhuns [Garanhuns], setembro de 2016, nº 2, Opinião, p. 2).
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