27 de abril de 2017

Abrem-se novamente as portas do Teatro Santa Roza

Por Clênio Sierra de Alcântara



Fotos: do autor       Patrimônio restaurado e bem cuidado de volta à cena cultural paraibana, o Teatro Santa Roza é um prédio-ícone do sítio histórico de João Pessoa


Mais uma vez os homens públicos da valorosa Paraíba deram exemplo aos do restante do país, no que concerne aos seus esforços para garantir a preservação de exemplares do patrimônio histórico edificado existente na área de ocupação mais antiga da capital João Pessoa. Poucos meses depois de os paraibanos receberem de volta o Hotel Globo completamente restaurado, no último dia 22 de dezembro eles viram as portas do Teatro Santa Roza ser reabertas, depois de anos, período esse em que a casa de espetáculos passou por uma ampla ação restauradora que abarcou a recuperação de sua cobertura; o polimento do piso, que é de taco de madeira; a recuperação e substituição de janelas e portas; restauração da fonte lateral; revisão na rede elétrica e nos lustres do salão; reaparelhamento dos instrumentos de prevenção e de combate a incêndios; revisão também da rede hidrossanitária; troca de todo o sistema de climatização e instalação de um novo grupo gerador; compra e montagem da caixa cênica; novo projeto de iluminação da fachada e do entorno do teatro; troca das cortinas; pintura completa do prédio; entre outras ações que deixaram o teatro novamente em condições de bem receber o público que acompanha a cena cultural daquela cidade.








Walfredo Rodríguez dedicou algumas páginas do seu revelador Roteiro sentimental de uma cidade (São Paulo: Editora Brasiliense,1962) a várias passagens da história do Teatro Santa Roza – em sua narrativa Roza aparece grafado com s e não com z. De acordo com Walfredo que, aliás, também é autor de um relato sobre a historia do teatro na Paraíba que eu ainda não li, em 2 de agosto de 1873, uma sociedade constituída por amadores da arte dramática, tendo à frente José de Lima Penante, fez solenidade para colocação da pedra fundamental do edifício de um teatro que tomou o nome de Santa Cruz. A construção foi até iniciada pela Sociedade Dramática Santa Cruz, mas não chegou a ser concluída. Comentou o nosso informante e bom cronista Walfredo:


Quem poderá dizer – passados tantos anos- das intenções daqueles que, aproveitando-se do ensejo e lançando mão de parte da verba destinada  socorros públicos, enviada pelo Imperador em 1888, adquiriram com o abatimento de 50% as ações da citada sociedade, as quais davam direito à posse daquele caixão de casa, cujas paredes na altura da coberta jaziam sem rebocos desafiando as intempéries por quinze anos e meses? (p. 238).








José de Lima Penante que, em 1861, estabelecera com alguns amigos o teatrinho Ginásio Paraibano no antigo Largo das Mercês – esse cenário urbano desapareceria da paisagem da capital paraibana no século XX, em decorrência de obras de remodelação da cidade; a Igreja de Nossa Senhora das Mercês foi demolida em 1935 – por onde passaram vários conjuntos dramáticos e que, ainda naquele ano inaugural, apresentou “Os dois renegados”, um drama em cinco atos e sete quadros cujo autor era Mendes Leal. Posteriormente Penante, que tinha “forte vocação para a arte dramática e habilidades na pintura cenográfica”, adquiriu a casa de número 64, naquele mesmo largo, e nela instalou o seu Teatro Santa Cruz que foi assim denominado porque “ali bem perto, como a pedir clemência aos céus, estava o Cruzeiro das Mercês”. Aquele terreno no qual foi assentada a pedra fundamental e principiada a construção do novo teatro, Penante adquiriu por aforamento, do patrimônio do Convento de São Bento, ao organizar uma sociedade por ações. (As informações contidas neste parágrafo aparecem no excerto da História do teatro da Paraíba, 1831-1908, do próprio Walfredo Rodríguez, que foi publicado no livro Uma cidade de quatro séculos: evolução e roteiro, obra organizada por Wellington Aguiar e José Octávio que veio a lume em 1985 por iniciativa do Governo do Estado da Paraíba. Sob o título “Manifestações teatrais”, o excerto ocupa as páginas 100 e 101; e as citações que fiz estão na página 100).











Tendo o inacabado edifício passado para o patrimônio da Província, as obras foram reiniciadas sob a direção do engenheiro militar Capitão João Claudino de Oliveira tendo sido ele auxiliado pelo mestre de obras Vicente Gomes Jardim.

Situado no antigo Campo do Conselheiro Diogo (atual Praça Pedro Américo), o teatro foi construído em estilo neoclássico; e faz parte de um conjunto de prédios suntuosos inseridos numa ampla área constituída pela já citada Praça Pedro Américo e pela Praça Aristides Lobo, na qual se encontram o imponente prédio dos Correios, o Grupo Escolar Dr. Thomas Mindello e o edifício que abriga o Comando Geral da Polícia Militar. Infelizmente, a instalação de estabelecimentos comerciais no entorno das praças muito contribuiu para a desconfiguração e degradação de outras construções que remontavam ao século XIX.










Sem precisar a data – a reportagem “Governo do Estado entrega hoje reforma do teatro Santa Roza”, publicada pelo jornal oficial A União, de João Pessoa, no dia 22 de dezembro de 2016, informa que a inauguração ocorreu em 3 de novembro de 1889 (Políticas, p. 3) – Walfredo Rodríguez informa que o Teatro Santa Roza – “nome esse dado pela corrente dominante de então” em homenagem ao governador provincial Francisco da Gama Rosa (p. 238) – foi inaugurado em agosto de 1889, numa noite em que foi encenado o drama “O jesuíta ou Os ladrões de honra”, de Henrique Peixoto, “por um conjunto de amadores paraibanos, juntamente com elementos da Companhia Dramática Augusto Péres” (p. 101 do excerto). É ainda do incansável Walfredo esta confissão: “Por necessidade dos negócios do meu saudoso pai Emiliano Rodríguez Pereyra, arrendatário do botequim do teatro, tornei-me então, criança ainda, frequentador daquela casa de que guardo gratas recordações” (p. 239).













Ao longo de sua trajetória o Teatro Santa Roza passou por diversas intervenções – como as havidas durante os governos de Álvaro Machado (1904-1905) e de Camilo de Holanda (1916-1920) – tanto de ordem restauradora como, por exemplo, de modificação e/ou adaptação do seu sistema de iluminação que, claro, foi sendo alterado à medida em que ocorriam progressos nessa área – a casa teve iluminação à base de querosene, álcool e carbureto, antes da energia elétrica. Para que em 7 de agosto de 1904 estreasse ali o Cinematógrafo Lumiére, da Empresa E. Hervet, foi necessário fazer alterações em tal sistema.














Na tarde do dia 22 de dezembro eu estive no Teatro Santa Roza – não pude retornar à noite para assistir à encenação da peça “Como nasce um cabra da peste”, de Altimar de Alencar Pimentel, com montagem do grupo Agitada Gang, porque o acesso ao espetáculo foi franqueado apenas aos convidados do governador Ricardo Coutinho – e acompanhei os ajustes finais e os preparativos para a sua reinauguração, que ocorreria logo mais. A satisfação de me encontrar num monumento que é tombado tanto em esfera estadual como federal inteiramente restaurado foi imensa. O Teatro Santa Roza, que em 13 de maio de 1909 presenciou o mais que admirado poeta Augusto dos Anjos palestrar sobre a escravidão, é um patrimônio histórico, artístico e cultural que engrandece não só a Paraíba mas também todo o país.

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