18 de abril de 2017

Odebrechtianas

Por Clênio Sierra de Alcântara





O fio da meada da corrupção que tomou de assalto o Brasil parece mesmo não ter fim. Aguardemos os desdobramentos da Operação Lava-jato para ver no que isso vai dar



À medida que foram sendo divulgados os depoimentos prestados por Emilio e Marcelo Odebrecht e por executivos e ex-executivos da Construtora Odebrecht, dentro dos acordos de delação premiada concernentes às investigações da Operação Lava-jato, o brasileiro atento às tramas espúrias que, não é de hoje, corroem como desenfreada metástase as entranhas das finanças públicas, certificou-se – se é que a esta altura dos acontecimentos ele tinha ainda alguma dúvida – de que o Brasil é mesmo um país movido à propina que, na ampla sinonímia dos delinquentes, também atende pelo nome de “ajuda”, “apoio”, “colaboração”, “contribuição”, “pedágio”, “patrocínio” e por aí vai.

Como delatores têm de provar tudo o que oferecem em seus testemunhos a fim de que suas penas sejam diminuídas, é aguardar para ver no que isso vai dar. Mas pelo andar da carruagem das delações parece que eles têm mesmo como comprovar as inúmeras práticas ilícitas da quais participaram, de modo a esclarecer o gigantesco protagonismo da Odebrecht em esquemas de corrupção em âmbitos os mais diversos. Pelo que até agora se viu ficou mais do que claro que os executivos e até os proprietários da construtora estendiam as mãos generosamente cheias de dinheiro a todo e qualquer político proeminente com o fito de garantir que a empresa sempre figurasse bem nas licitações de grandes obras anunciadas pelos governos federal, estaduais e municipais. Sim, pagava-se, ops, oferecia-se ajuda e/ou atendia-se a pedidos para que a construtora tivesse a tranquilidade de saber que realizaria tal e tal obra. Mas não só isso: pagava-se, ops, atendia-se a pedidos de socorro financeiro também com o intuito de que fulano, beltrano e sicrano não atrapalhassem os interesses da corporação; bem como para que leis e medidas provisórias, que beneficiariam a empresa, fossem aprovadas. E ainda mais: a lógica de mercado odebrechtiana, como que querendo antecipar e garantir demandas futuras, tratava de financiar, ops, apoiar políticos de carreira promissora: fulano tem grande chance de vencer o pleito de uma possível candidatura ao governo do Paraná, onde a construtora mantém amplos interesses? Então o negócio é apostar nele desde já: “Tome, fulano, três milhões de reais para a sua campanha”. Como se vê, não eram poucas as contrapartidas visadas pelo “Departamento de Operações Estruturadas” da Odebrecht.

As falas dos personagens delatores por vezes se processam de modo – como é que eu poderia dizer? – descarado e impositivo, próprio de quem tem certeza de que é, afinal, a pessoa que dá as cartas e faz as coisas acontecerem. Alguns deles falam como se tudo de ruim, de insidioso, de maléfico, de imoral, de desrespeitoso e de ilegal que eles patrocinaram fosse algo tão corriqueiro e banal quanto o amanhecer e o anoitecer.

Enquanto vão se desenrolando os longos e aparentemente intermináveis fios da meada da corrupção que tramaram uma ampla e rentável rede de proteção para a Odebrecht, acompanhamos o embate entre os “donos do poder” empresários e políticos – e os “donos da verdade” – membros do Judiciário. Por mais apoiadores que sejamos de uma firme, contundente e justa punição para todos os envolvidos nos esquemas de corrupção que vieram à tona com as investigações da Operação Lava-jato, não podemos concordar que os ditames da lei sejam pisoteados e ignorados a fim de que os tantos anunciados e apontados infratores paguem, de fato, pelos crimes que tenham cometido. A sede de justiça e o empenho para a aplicação das penas não podem atropelar os ritos legais. A culpabilidade tem de ser provada. Afinal de contas, se é verdade que “pau que bate em Chico, bate também em Francisco”, não é promovendo justiçamento que se estabelecem absolutamente as bases de uma Justiça realmente justa.

Os implicados nas investigações, os acusados de recebimento de dinheiro ilegal vêm, evidentemente, como reza a cartilha da sobrevivência, negando tudo. Alguém já falou até em “mentiras absolutas”; enquanto outros mantêm a cantilena de que estão, pura e simplesmente, sendo vítimas de perseguição. Não há novidade nenhuma nesses discursos, até porque ninguém vai esperar que eles assumam as ações criminosas que porventura tenham praticado tramando contra o verdadeiro desenvolvimento do país. Da parte deles sobram vitupérios e não se ouve sequer uma autocrítica diante do que até agora é tido como fatos.


Repetidamente se tem dito que, com os desdobramentos investigativos da Operação Lava-jato, o Brasil está tendo a chance-mor de, finalmente, ser passado a limpo. Se até o presente momento não se estabeleceu no seio desta nação o império do progresso – nem material, nem moral, nem ético – aventado pelo lema positivista aposto em sua bandeira, que ao menos a ordem dos ditames das leis se estabeleça.

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