Por Clênio Sierra de
Alcântara
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Desenho: Gladston Barroso Espaços mais do que vivos, os museus deveriam existir em toda e qualquer cidade não apenas como atrações turísticas mas também como registro da história dos lugares |
Desde que se consolidaram em
mim e em meu cotidiano os fundamentos e os compromissos que constituíram e que
nortearam – e que norteiam – os itinerários intelectuais em que me mantenho caminhando, eu
passei a enxergar a plena necessidade de militar em defesa da preservação da
memória; em defesa de uma preservação que não signifique simplesmente restaurar e
conservar isso e aquilo, mas que também tome o objeto da preservação como
subsídio de estudos e investigações, como ponto de partida para discussões e,
principalmente, como algo que sirva para fazer saber a um público realmente amplo, não necessariamente iniciado nessas questões.
Não compreendo um patrimônio
que seja tão somente objeto de apreciações de ditos especialistas. Penso que o
caráter preservacionista deva sempre ampliar seu raio de ação tentando mais e mais
trazer para junto do patrimônio as pessoas em geral, desde o estudante até a
dona de casa, desde o pedreiro até o distribuidor de panfletos da esquina da
rua, porque uma memória que é conservada para ser simplesmente mantida guardada
é memória que até pode ser perpetuada, mas não é memória que vá ser vivenciada e
experienciada pelo público em geral através do tempo. Longe dos olhos de um contingente
realmente amplo essa memória conservada, catalogada, higienizada e etiquetada
não conferirá por inteiro um sentido de representatividade daquela sociedade da
qual ela é apartada, uma vez que é como se essa memória não existisse para essa
dada coletividade.
A falta de vivência e de
conhecimento do que seja um museu, muitas vezes faz com que pessoas que nunca
estiveram num equipamento cultural como esse carreguem no seu entendimento uma
ideia geral do que ele seja a partir do que viu porventura numa fotografia ou
numa imagem de televisão e mesmo do que já ouviu a respeito através de outros
indivíduos; normalmente, para esse público não experimentado, o museu é um
lugar onde se colocam coisas velhas que não são fabricadas mais e que perderam
sua utilidade. Muito embora o conceito de museu tenha se modificado, ou melhor,
tenha se ampliado enormemente nas últimas décadas, a questão museal ainda é,
pode-se dizer, uma questão engessada na mente do cidadão comum, o que, no final
das contas, é bastante compreensível, dada a falta de familiaridade do público
em geral para com a existência dos museus.
Mesmo em um mundo cada vez
mais dominado pelas tecnologias informatizadas e pela chamada inteligência
artificial, como o é este no qual habitamos, creio eu que o estabelecimento de
museus e de bibliotecas, bem como o estímulo para que eles sejam procurados e
frequentados, deve permanecer como investimento visando ao progresso social. O meu
entendimento é de que todas as cidades, todas mesmo, deveriam possuir ao menos
um museu e uma biblioteca como principais entidades culturais. Os museus
municipais deveriam existir não somente para contar a história de cada cidade,
mas também para estimular entre os seus habitantes o gosto pelas coisas da vida
interior e pelo reconhecimento do valor da preservação das memórias individuais
e coletivas. E esse reconhecimento perpassando a compreensão de que o acervo do
museu não é necessariamente estático e imutável; que ele pode ser
constantemente acrescido e enriquecido promovendo aquisições que possibilitem que sejam montadas exposições diversas ao longo do ano, de modo que o local tenha
sempre um jeito diferente de narrar uma
dada história, seja essa narrativa a respeito de um personagem, de uma
atividade, de um acontecimento... Enfim, são inúmeros os enfoques que recortes
de um determinado acervo ensejam.
Em minhas andanças por este
país afora faço o possível para conhecer os museus das cidades às quais eu
chego. E lamento demais quando sou informado que tal e tal cidade não dispõe de
um espaço museológico; e igualmente me entristeço ao me deparar com
estabelecimentos descuidados, pouco frequentados ou que não comportam pessoas
bem capacitadas para receber os visitantes. Para mim é no mínimo frustrante
chegar a uma cidade e ficar sabendo que ali não existe sequer algo que lembre um
museu, como um memorial, por exemplo; bem como me deixa desapontado o fato de
eu entrar num museu onde os visitantes são deixados à própria sorte, para que eles
próprios decifrem, digamos assim, tudo o que está exposto ali.
Penso que entre as ações que
cabem ao Ministério da Cultura de um país deveria figurar o estímulo para que
as cidades buscassem fundar museus e constituir acervos que de uma forma ou de
outra contassem histórias desses lugares; e que esse ministério promovesse
políticas que assegurassem a manutenção de tais equipamentos e incentivassem a
população a frequentá-los. Museus são espaços de convivência e de difusão de
conhecimentos e não depósitos de trastes velhos e imprestáveis.
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