17 de junho de 2017

Cidades e museus

Por Clênio Sierra de Alcântara



Desenho: Gladston Barroso         Espaços mais do que vivos, os museus deveriam existir em toda e qualquer cidade não apenas como atrações turísticas mas também como registro da história dos lugares


Desde que se consolidaram em mim e em meu cotidiano os fundamentos e os compromissos que constituíram e que nortearam – e que norteiam – os itinerários intelectuais em que me mantenho caminhando, eu passei a enxergar a plena necessidade de militar em defesa da preservação da memória; em defesa de uma preservação que não signifique simplesmente restaurar e conservar isso e aquilo, mas que também tome o objeto da preservação como subsídio de estudos e investigações, como ponto de partida para discussões e, principalmente, como algo que sirva para fazer saber a um público realmente amplo, não necessariamente iniciado nessas questões.

Não compreendo um patrimônio que seja tão somente objeto de apreciações de ditos especialistas. Penso que o caráter preservacionista deva sempre ampliar seu raio de ação tentando mais e mais trazer para junto do patrimônio as pessoas em geral, desde o estudante até a dona de casa, desde o pedreiro até o distribuidor de panfletos da esquina da rua, porque uma memória que é conservada para ser simplesmente mantida guardada é memória que até pode ser perpetuada, mas não é memória que vá ser vivenciada e experienciada pelo público em geral através do tempo. Longe dos olhos de um contingente realmente amplo essa memória conservada, catalogada, higienizada e etiquetada não conferirá por inteiro um sentido de representatividade daquela sociedade da qual ela é apartada, uma vez que é como se essa memória não existisse para essa dada coletividade.

A falta de vivência e de conhecimento do que seja um museu, muitas vezes faz com que pessoas que nunca estiveram num equipamento cultural como esse carreguem no seu entendimento uma ideia geral do que ele seja a partir do que viu porventura numa fotografia ou numa imagem de televisão e mesmo do que já ouviu a respeito através de outros indivíduos; normalmente, para esse público não experimentado, o museu é um lugar onde se colocam coisas velhas que não são fabricadas mais e que perderam sua utilidade. Muito embora o conceito de museu tenha se modificado, ou melhor, tenha se ampliado enormemente nas últimas décadas, a questão museal ainda é, pode-se dizer, uma questão engessada na mente do cidadão comum, o que, no final das contas, é bastante compreensível, dada a falta de familiaridade do público em geral para com a existência dos museus.

Mesmo em um mundo cada vez mais dominado pelas tecnologias informatizadas e pela chamada inteligência artificial, como o é este no qual habitamos, creio eu que o estabelecimento de museus e de bibliotecas, bem como o estímulo para que eles sejam procurados e frequentados, deve permanecer como investimento visando ao progresso social. O meu entendimento é de que todas as cidades, todas mesmo, deveriam possuir ao menos um museu e uma biblioteca como principais entidades culturais. Os museus municipais deveriam existir não somente para contar a história de cada cidade, mas também para estimular entre os seus habitantes o gosto pelas coisas da vida interior e pelo reconhecimento do valor da preservação das memórias individuais e coletivas. E esse reconhecimento perpassando a compreensão de que o acervo do museu não é necessariamente estático e imutável; que ele pode ser constantemente acrescido e enriquecido promovendo aquisições que possibilitem que sejam montadas exposições diversas ao longo do ano, de modo que o local tenha sempre um jeito diferente de narrar  uma dada história, seja essa narrativa a respeito de um personagem, de uma atividade, de um acontecimento... Enfim, são inúmeros os enfoques que recortes de um determinado acervo ensejam.

Em minhas andanças por este país afora faço o possível para conhecer os museus das cidades às quais eu chego. E lamento demais quando sou informado que tal e tal cidade não dispõe de um espaço museológico; e igualmente me entristeço ao me deparar com estabelecimentos descuidados, pouco frequentados ou que não comportam pessoas bem capacitadas para receber os visitantes. Para mim é no mínimo frustrante chegar a uma cidade e ficar sabendo que ali não existe sequer algo que lembre um museu, como um memorial, por exemplo; bem como me deixa desapontado o fato de eu entrar num museu onde os visitantes são deixados à própria sorte, para que eles próprios decifrem, digamos assim, tudo o que está exposto ali.

Penso que entre as ações que cabem ao Ministério da Cultura de um país deveria figurar o estímulo para que as cidades buscassem fundar museus e constituir acervos que de uma forma ou de outra contassem histórias desses lugares; e que esse ministério promovesse políticas que assegurassem a manutenção de tais equipamentos e incentivassem a população a frequentá-los. Museus são espaços de convivência e de difusão de conhecimentos e não depósitos de trastes velhos e imprestáveis.



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