7 de julho de 2017

Frida Kahlo: la paloma blanca del cielo azul de México

Por Clênio Sierra de Alcântara


Foto: Nickolas Muray          Para além do sofrimento físico e da vida agitada, Frida Kahlo construiu uma das obras mais emblemáticas da história da arte que, vejam só, viraram símbolos do tal empoderamento feminino neste século XXI



O instante do deslumbramento foi tão intenso que por isso eu o recordo com tamanha clareza e assombro. Eu me encontrava no apartamento de Edilene, uma recém-conhecida, quando, após o almoço, comecei a folhear uma edição da revista Nova Cosmopolitan e me deparei com uma reportagem que retratava um pouco da vida e da obra daquela até então para mim obscura artista mexicana chamada Frida Kahlo. E foi assim que, naquela tarde de 1996, eu comecei a mergulhar com grande interesse, curiosidade e fascínio nas tantas páginas biográficas que posteriormente ocupariam um cantinho quase altar na minha biblioteca dedicado àquela mulher.

Não conheço, na história da arte, uma pintora que tenha alcançado um patamar tão elevado de reconhecimento e de disseminação de sua obra como o que foi conquistado por Frida Kahlo, uma artista que construiu uma carreira fazendo do seu sofrimento físico o principal motivo de sua pintura. Entre nós, talvez, apenas Tarsila do Amaral tenha alcançado status de ícone pop e não somente com o seu icônico Abaporu bem como com suas telas multicoloridas da fase antropofágica que já estamparam até latas de leite em pó e copos de requeijão.

Mas não foi apenas com suas obras pictóricas que Frieda – sim, Frieda, porque seu pai, de quem se diz que ela herdou o olhar fotográfico, era alemão e adorava fotografar – começou a despertar o interesse de um público amplo para a sua história de vida que ela, por vezes, até tentava tornar mais emblemática, como disseminando que teria nascido não em 1907 e sim em 1910, que foi o ano em que ocorreu a Revolução Mexicana, que ela tanto admirava; Frida fez dela própria um personagem atrativo, metida em trajes típicos que lhe realçam por assim dizer os traços para alguns desprovidos de beleza, como as grossas sobrancelhas.
O conturbado relacionamento que ela manteve com Diego Rivera – um dos expoentes do Muralismo Mexicano, ao lado de José Clemente e David Alfaro Siqueiros – bem como seu envolvimento com Leon Trotski e Nickolas Muray e os affairs com mulheres fizeram com que Frida de uma forma ou de outra se mantivesse na ordem do dia do seu tempo.

Decerto que o filme Frida, de 2002, produzido por Hollywood e estrelado pela também mexicana Salma Hayek, contribuiu significativamente para espalhar o seu nome pelo mundo e despertar ao menos curiosidade em torno de seu legado. Por outro lado, é inegável que, àquela altura, o prestígio que ela alcançara na seara das artes já era enorme a ponto de ela ser considerada a pintora latino-americana mais valorizada no mercado da arte.

Num tempo em que o feminismo ou um segmento dele passou a fazer uso do termo empoderamento para designar o processo de afirmação das mulheres na sociedade, muitas delas passaram a utilizar a imagem de Frida como símbolo dessa tomada de atitude; imagem essa que foi transformada numa miríade de coisas comercializáveis como bonecas, camisetas, bolsas e até ímãs de geladeira que, ao mesmo tempo em que disseminam Frida Kahlo como símbolo de mulher poderosa, alimenta o feroz capitalismo que ela tanto repudiava.

No dia 6 de julho o México, em particular, e o mundo artístico, em geral, celebraram os cento e dez anos de nascimento de Frida Kahlo, a pintora mexicana que, em que pese a dor e o sofrimento que a maior parte de sua obra exprime, dignifica e engrandece uma legião gigantesca de mulheres que a enxergam não somente como exemplo de superação mas também como uma expressão potente e bem-acabada do ser feminino.

Frieda – que vem de Frieden -, não esqueçamos, significa paz. Frida Kahlo é la paloma blanca del cielo azul de México.

                                                                 

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