15 de março de 2018

Ainda a propósito da intervenção federal no estado do Rio de Janeiro


Por Clênio Sierra de Alcântara


A ausência do Estado por um lado e por outro a corrupção desenfreada e o conluio dos  agentes públicos com os foras da lei criaram um território dominado pela criminalidade no Rio de Janeiro. Pensar que as pessoas que vivem para além da Av. Atlântica e da Av. Vieira Souto necessitam tão somente de uma efetiva política de segurança pública é desconhecer e ignorar as condições de insalubridade e de miséria em que grande parte  delas vivem


A despeito de querer, desde o início do seu governo, envergar o manto e a postura de progressista e reformista, o senhor Presidente da República Michel Temer, em que pese o que foi estabelecido pela chamada “reforma trabalhista”, é um político neanderthal que encarna alguns dos piores vícios da fauna política brasileira, vide as investigações sobre a prática de crimes que envolvem a sua impoluta pessoa e as figuras igualmente nada honestas que estão com ele e não abrem porque, assim como ele, são alvos de diligências policiais. Brasília não é uma ilha da fantasia, como muitos dizem; é a terra da promissão dos malfeitores deste país.

Quando se pensava que esse governo que aí está já nos tinha perturbado e envergonhado o bastante com seus conluios e com seus toma-lá-dá-cá para se salvar das garras da Justiça, eis que fomos surpreendidos com o anúncio sob todos os aspectos impactante de uma intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro no mês passado; intervenção essa que alguns veem como um mal necessário dado o completo descontrole da ordem pública que se verificava por ali.

Não é de hoje que o Rio de Janeiro vem apresentando sinais e dando demonstrações inegáveis de que, se em algum momento existiu um plano, uma estratégia, um projeto de segurança pública vigorando no território fluminense e/ou algo que o valha que tenha sido pensado e aplicado por lá, ele desde há muito fracassou, não deu certo, faliu, sucumbiu diante da inépcia dos tantos governantes que ocuparam o Palácio da Guanabara e do apetite voraz por dinheiro de políticos e de policiais desonestos, fazendo com que no Rio de Janeiro jamais tenha vigorado uma política de segurança pública de fato, e sim, algo do tipo da brincadeira “polícia e ladrão”, durante a qual a bandidagem cada dia mais se aparelhava protegida que era por policiais que com ela estavam mancomunados. E enquanto eles “brincavam”, a população era vitimada por balas perdidas, assaltos a toda hora e arrastões. Até aí o Rio de Janeiro quis emular Brasília, deixando os bandidos à solta para que eles continuassem a aprontar das suas.

Quem examina o panorama da segurança pública em âmbito nacional, não precisa ser nenhum doutor formado pela Sorbonne para se certificar de que no mínimo tem alguma coisa errada ao se deparar com estatísticas estarrecedoras que contabilizam anualmente milhares de assassinatos – considerando apenas os que são motivados por latrocínios, por ação de grupos de extermínio e assassinos de aluguel e por disputas entre facções criminosas, os números são bastante elevados. O governo federal resolveu intervir no Rio de Janeiro parecendo não saber que em estados como Pernambuco, Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pará o avanço da criminalidade tomou tamanha proporção que para muita gente que reside nesses lugares não existe a presença do Estado e está-se entregue à própria sorte, em terras sem lei.

Uma das maiores enganações da segurança pública deste país é aquilo que os mestres do marketing de Brasília chamam de Força Nacional. E o que é a Força Nacional, afinal, à qual o governo federal recorre principalmente para, vejam só, socorrer estados que estão enfrentando um completo distúrbio social, sobretudo quando seus policiais militares entram em greve? A Força Nacional é constituída basicamente por policiais e bombeiros militares e por policiais civis das diversas unidades da federação que ao serem convocados para uma dada missão evidentemente desfalcam os efetivos aos quais pertencem; ou seja, é a típica ação de descobrir um santo para cobrir outro; e sem esquecer que isso tem um custo financeiro elevadíssimo. Agora vá você, leitor, procurar saber qual é o estado brasileiro que não apresenta déficit de efetivo de policiais e de bombeiros militares e que pode se dar ao luxo de liberar parte do seu contingente para compor essa tal Força Nacional. Como diz o José Simão este é mesmo o país da piada pronta: vejam vocês que para compor a bendita Força Nacional o governo federal trata de enfraquecer um pouco mais os efetivos estaduais.

Os que se interessam em acompanhar a dinâmica das políticas públicas que envolvem as discussões em torno da segurança pública sabem e/ou pelo menos tem noção de que, já faz algum tempo, vem crescendo em diversos setores – academia, entidades da sociedade civil e entre representantes dos próprios militares – uma ampla abordagem dessa questão, de modo que ocorra um avanço no entendimento de que neste país algum dia encontraremos e veremos em atuação policias militares verdadeiramente conscientes do papel que lhes cabe como agentes da lei e representantes do Estado no estabelecimento da ordem. Não compactuo com a ideia de que para humanizar, como dizem, as nossas polícias, é preciso emasculá-las e só enxergar os delinquentes como coitadinhos e “vítimas do sistema”. Não, para mim bandido é bandido e ponto. Agora, por outro lado, compreendo que não podem ser considerados legítimos mantenedores da ordem indivíduos que pensam que, por trajarem uma farda de policial militar podem sair por aí como “fodões”, ignorando a letra da lei e cometendo todo tipo de arbitrariedade e acreditando que isso é justo e correto e é assim que tem de ser. Ora, se passarmos a acreditar, também, que a barbárie e a criminalidade se atacam com mais barbárie, ignorando os direitos e deveres individuais, estaremos definitivamente condenando ao fracasso o nosso processo civilizatório, porque é o império da lei – e leis podem sim ser discutidas e reelaboradas - que deve prevalecer e não a selvageria e a barbárie travestida de ordem social e de remédio para todos os nossos males que se enquadram na esfera da segurança pública.

Infelizmente, ao decretar a intervenção federal no Rio de Janeiro, o presidente Michel Temer além de desprezar, digamos assim, as discussões que eu elenquei no parágrafo anterior, errou tremendamente ao querer nos fazer crer que o caos na segurança pública que assola aquele estado – e, repita-se, não só ele – será resolvido assim de supetão e sem planejamento de longo prazo; e o que é talvez mais grave, nos apresentar o Exército como única e verdadeira tábua de salvação contra esse gravíssimo problema social que é a criminalidade desenfreada e impune.

Num ano em que serão lembrados os cinquenta anos da decretação do tenebroso Ato Institucional Nº 5, o AI-5, marco indicativo do início do período mais feroz da Ditadura Militar (1964-1985), o Presidente Michel Temer vem com essa de decretar intervenção no Rio de Janeiro, pondo justamente o Exército na linha de frente, o nobre Exército brasileiro que já deu demonstrações de que a ordem democrática neste país está consolidada e é uma conquista de toda a sociedade.

Para quem tinha a pretensão de entrar para a História como um presidente reformista e progressista, o senhor Michel Temer está findando os seus dias de ocupante do Palácio do Planalto como a própria encarnação do retrocesso.

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