2 de março de 2018

Carla Maria, a justiceira de araque

Por Clênio Sierra de Alcântara



Poucas coisas deste nosso tempo me fascinam tanto como o universo da internet. Ainda que eu não faça uso de tudo o que essa rede disponibiliza, só de imaginar que ela reúne uma miríade de coisas e possibilita uma quantidade absurda de interações, aprendizados, audições, contribuições, etc., já me deixa ainda mais encantado com muito do que nela existe. E o que dizer, por exemplo, da possibilidade que cada um de nós tem de poder fazer com que a sua voz, a sua ideia, o seu pensamento, a sua expressão, o seu grito, enfim, possa ser publicado ali sem precisar passar pelo crivo e pelo filtro de quem quer que seja? Não fosse pelo advento da internet, a maior democracia do mundo, muito provavelmente eu não disporia de um espaço de tão longo alcance e visibilidade para publicar o que eu escrevo como este aqui.

Os grandes críticos dessa liberdade de expressão que a rede mundial de computadores possibilitou costumam dizer que, com a chegada da internet, todo indivíduo ficou crente de que tem opinião formada sobre tudo e sai por aí escrevendo e falando e postando bobagens. Ora, não fosse assim, se a internet ficasse reduzida aos ditos doutos e sabichões e donos da verdade, esse mundo virtual iria continuar igual ao real, fechado em nichos e torres de marfim, sem dar um mínimo de espaço para o cidadão comum dizer de si e do universo que o rodeia. De modo que eu prefiro mil vezes uma realidade em que haja possibilidade de alguém que escreva bobagens se expressar a uma na qual tenhamos calada, silenciada e/ou ignorada a vontade de cada um de nós de falar, de escrever e de dizer que existe, quer certos grupinhos aprovem isso ou não.

Muito embora a internet esteja por aí há anos, é uma discussão muitíssimo recente a questão das chamadas fake news, as notícias falsas que num terreno volátil como a internet se espalha numa velocidade absurda, principalmente quando disseminadas nas chamadas redes sociais, como Facebook, Twitter e Instagram. Não há dúvida de que se trata de uma discussão seriíssima porque notícias falsas, boatos e congêneres são capazes de desencadear reações as mais diversas, sobretudo em pessoas que não têm um mínimo de discernimento para depois que ler e/ou ouvir algum informe tratar de chegar em outras fontes a fim de se certificar se aquilo que foi dito e divulgado tem mesmo razão de ser e é verdadeiro. Quem dissemina notícias falsas e boatos tem plena consciência de que pode estar semeando discórdia, destruindo reputações, provocando tumultos e revoltas e jogando o nome de pessoas na lama. Então, vista por esse ângulo, a crítica dirigida àqueles que utilizam a internet de maneira irresponsável – e por que não dizer criminosa – faz todo o sentido, porque ela se volta para indivíduos que vagueiam pela rede mundial de computadores praticando seus ilícitos crentes de que ali seja uma terra sem lei onde cada um fala, publica e escreve o que bem entende sem sopesar as consequências de seus atos e acreditando que nunca serão pegos e levados à Justiça para que paguem devidamente pelos crimes que cometeram.

É um fato incontestável que a internet, em si, e as redes sociais, em particular, fizeram com que repensássemos o velho conceito de privacidade. Afinal, o que é privacidade num meio em que o habitual e corriqueiro é encontrarmos pessoas querendo mesmo é se exibir, se revelar, se mostrar postando qualquer mínima coisa sobre si, o que vai desde um prato de comida predileto, passa pela cor da calcinha que se vai usar na festa de formatura da faculdade e chega à descrição pormenorizada da última aventura sexual que teve? Ora, o que importa para gente que age dessa forma são os likes, são as curtidas, são os compartilhamentos nos famigerados grupos do WhatsApp, são, enfim, a publicidade e aquilo que elas entendem que seja reconhecimento ou algo que o valha. E sendo assim, tomem nudes, tomem fotos provocantes, tomem tudo o que elas imaginam que irá despertar interesse entre aqueles que estão no seu ciclo virtual, os seus seguidores. É um despudor realmente espantoso.

Não, de modo algum eu estou querendo com isso dizer que, nesse cenário, a privacidade, a vida privada de cada um foi para o beleléu. Acontece que a mim me parece que, no geral, as pessoas estão perdendo completamente o bom senso quanto a isso e cada vez mais expondo a si e aos seus nas redes sociais como se tal atitude fosse o principal fundamento e a razão de ser para que os indivíduos interajam entre si e desenvolvam relações de amizade, camaradagem, companheirismo e o que mais o seja. E o que é terrível, parecendo ignorar que os chamados hackers estão por aí à espreita para roubar informações e imagens e fazer mau uso delas.

Quem tem coragem de entrar numa rede social deve saber que, como em qualquer outro lugar do mundo real, também ali existem pessoas de má índole, falsários, ladrões, chantageadores e aproveitadores de todo tipo. Tanto é assim que inúmeros perfis que aparecem nesse ambiente são de pessoas que, na verdade, não são propriamente quem e como se apresentam; são perfis falsos criados e instalados naquele terreno com propósitos nada nobres: é homem que se passa por mulher – e vice-versa – para descobrir traições; são pedófilos em busca de alguma presa; são provocadores e detratores de toda espécie, os chamados haters; são pessoas que querem espalhar mentiras e caluniar e humilhar outras, etc.

Nesta semana, na ilha onde eu moro, a Ilha de Itamaracá, no litoral norte de Pernambuco, foi revelada a identidade real de uma criatura que vinha, desde setembro do ano passado, por meio de um perfil falso do Facebook, no qual se apresentava como Carla Maria, postando fotos e pequenos textos nos quais saía desancando homens e mulheres moradores do lugar. Com seu empenho de mulher justa e zeladora da moral e dos bons costumes, a senhora Carla Maria não media palavras e nem avaliava as consequências de sua escrita ferina para dizer, por exemplo, que fulano, casado, estava traindo a esposa com um rapaz, ou seja, era um homossexual enrustido; e que fulana, beltrano e sicrana mantinham um relacionamento a três. E escrevia afirmando que tinha como provar o que divulgava. Por aí se tira que a vileza e a baixeza da tal Carla Maria não tinha limites. “Quem é essa mulher?”, era a pergunta que ficou durante meses perturbando a cabeça de todas as pessoas que de alguma forma se sentiram humilhadas, ofendidas e prejudicadas pelo que estava sendo publicado no Facebook, porque, ainda que aquilo tudo fosse ou não verdade, não era direito e nem legítimo o que a dita Carla Maria estava fazendo; muito pelo contrário, o que ela estava a praticar não era só calúnia, difamação e invasão de privacidade, era uma ação de amesquinhamento de todas as pessoas que ela citava ali; pessoas que corriam risco de perder seus parceiros conjugais e de ter seus empregos e seus negócios prejudicados por essa ação estúpida e infame.

Na última segunda-feira, dia 26 de fevereiro, agentes da Polícia Civil de Pernambuco chegaram à maldita detratora, ou pelo menos, à suspeita. E, para espanto geral, Carla Maria era, na verdade, um rapagão de apenas 22 anos de idade, de músculos estufados à custa, segundo dizem, de anabolizantes, chamado Rodrigo Inaldo Tavares da Silva que, há cerca de cinco meses, malhava na mesma academia que eu há vários anos frequento.

                                      Foto: Polícia Civil de Pernambuco                                               O jovem Rodrigo Inaldo Tavares da Silva que, de acordo com a Polícia Civil, é o indivíduo que se escondia num perfil fake do Facebook e injuriava e difamava pessoas: é preciso que se punam práticas delituosas como essa para que elas também não se repitam


Apesar de o caso da Carla Maria aparentemente ter sido desvendado, pessoas que foram vítimas dela me disseram não acreditar que o rapaz seja sozinho - se é que realmente é ele a pessoa que publicava os posts - o responsável pelo que vinha sendo feito no Facebook. Elas acreditam que a ele está sendo imputada a autoria do delito, mas que tem alguém por trás dele, tese essa em que eu também acredito, principalmente pelo fato de ele não ser da ilha. Agora, se foi ele mesmo que fez isso e o fez sem o auxílio de ninguém, como será que ele tomou conhecimento de todas as pessoas que envolveu na sua trama tenebrosa em tão pouco tempo de estada em Itamaracá, já que ele passou a morar lá faz uns quatro meses apenas? E por que ele tramou isso? Será que ele é perturbado mental? Ou será que agia por pura maldade mesmo? Bem, a essas questões caberá à Polícia Civil responder durante o curso do inquérito.

Bem, vamos ver se sob a pressão das investigações – até onde eu sei tem gente se organizando para processá-lo –, se ele for mesmo o culpado pelo que vinha sendo publicado, esse Rodrigo Inaldo Tavares da Silva, que, no mundo virtual, de acordo com a Polícia Civil, vinha se passando pela justiceira de araque Carla Maria, vai  afirmar que agia sozinho quando destilava seu veneno no Facebook. Eu sinceramente acredito que virão mais revelações e sujeiras por aí.

Um comentário:

  1. Já foi provado na justiça que não foi ele , então ele pode entrar com um processo em cima de vcs .

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