24 de fevereiro de 2018

Rio de Janeiro: intervenção federal como pretensa solução final


Por Clênio Sierra de Alcântara


Eu te vejo sumir por aí
Te avisei que a cidade era um vão
Dá tua mão
Olha pra mim
Não faz assim
Não vai lá não.
                                  As vitrines. Chico Buarque


Foto: do autor   Os cenários de cartão-postal não conseguem esconder a precariedade da vida nas favelas e nem tampouco mascarar uma realidade marcada fundamentalmente por altos índices de criminalidade



Talvez nunca antes em toda a sua história recente o Rio de Janeiro – estado e município – tenha enfrentado uma conjuntura tão desfavorável como a atual, na qual as finanças públicas do executivo estadual estão em frangalhos e a capital é administrada por um pastor evangélico que prega seus sermões de civilidade e salvação do mundo dando as costas ao povo que o elegeu.

Incapaz de conduzir com dignidade, clarividência e honestidade o leme da Presidência da República, o senhor Michel Temer, que até agora não conseguiu nem ao menos encontrar gente decente para nomear como ministro para a pasta do Trabalho, sacou da manga do seu paletó de prestidigitador a iniciativa de promover intervenção no estado do Rio de Janeiro com o fito de, segundo foi dito, pôr ordem num lugar onde a bandidagem manda e desmanda desde há muito, promovendo tráfico de drogas e de armas, roubo de cargas, arrastões e tiroteios que a crônica policial registra diariamente.

De acordo com os pronunciamentos oficiais, caberá a um oficial de alta patente do Exército, General Walter Braga Netto, comandar o setor de Segurança Pública fluminense, discutindo e planejando estratégias de combate ao crime, mas sem tirar a autonomia das polícias militar e civil. Espera-se com isso conseguir ao menos diminuir os altos índices de violência que assola aquele estado e que deixa a população no meio do fogo cruzado, como comprovam os inúmeros casos de vítimas fatais de balas perdidas.

Vista como uma espécie de solução final para o cenário de guerra civil que tomou o Rio de Janeiro, a intervenção federal é ela mesma um atestado de incompetência para o governador Luiz Fernando Pezão e seus secretários, que administram um estado que foi à bancarrota, não paga em dia os salários de seus funcionários e ainda tem deputados e conselheiros do Tribunal de Contas envolvidos até o pescoço em ladroagens as mais variadas. É, em suma, um quadro de horror e de calamidade pública.

Anos atrás, quando foi planejado o que se chamou de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s), eu vaticinei que aquilo não iria significar a redenção do Rio de Janeiro. E não precisava ser nenhum especialista em segurança pública – e eu não sou – para apostar nisso. Bastava fazer uma leitura da realidade: como poderia dar certo uma ação que, essencialmente, se resumia em garantir a presença da polícia em pontos específicos de favelas sem atacar o fornecimento de armas e de drogas para os traficantes? E ainda mais, sem barrar o crescimento das milícias? O fato é que, transcorridos quase dez anos – a primeira UPP foi instalada em novembro de 2008 -, as UPP’s devem ser em parte desativadas porque se revelaram contraproducentes.

A incompetência e a ingerência que há anos marcam a Segurança Pública do Rio de Janeiro – e que, portanto, não é uma chaga apenas do governo de Luiz Fernando Pezão – não é revelada somente pelos arrastões, assassinatos em série de policiais e pelas balas perdidas, mas também pela incapacidade que até agora o poder público demonstrou de não conseguir atacar de frente a ação dos criminosos. Como o Estado brasileiro se arvora de ser capaz de solucionar o caos da criminalidade - e frise-se que o mal não está instalado única e exclusivamente em terras fluminenses: no ano passado, por exemplo, Pernambuco e Ceará contabilizaram, cada um, mais de cinco mil assassinatos; números esses que, ao lado de estatísticas de outros estados, confirmam a precariedade do sistema de segurança pública como um todo – se não conseguem nem ao menos ter controle sobre o ambiente de uma penitenciária, onde facções tocam o terror e  desafiam o tempo todo as regras – se é que elas existem - da unidade prisional, de onde os chefões dão até ordem de execução de rivais? Quem, considerando tudo o que já se viu e que se vê passar no Rio de Janeiro, acredita que a intervenção federal que por ora vigora nessa unidade da federação surtirá um efeito benéfico e duradouro?

Com seu estilo cambaleante e vacilante de governar, o senhor presidente da República Michel Temer, depois de gastar milhões de reais em propaganda e fazer-nos crer que seria mantida uma agenda de reformas estruturais e institucionais visando a modernização do país, com a promoção de redução da burocracia e o aumento de incentivos aos setores produtivos de modo a fazer a economia deslanchar e reabrir os milhões de vagas de emprego formal que foram fechadas nos últimos anos, veio, a troco não sei de quê, com essa de tentar salvar o Rio de Janeiro de suas mazelas, como se aquilo lá fosse todo o Brasil. Não tem de manter só isso aí, não, viu, senhor presidente?!

Há quem diga - e o ministro da Justiça Torquato Jardim já fez isso usando outros termos – que no Rio de Janeiro a criminalidade é altamente periculosa e permanente porque anda de mãos dadas com aqueles que deveriam tratar de exterminá-la; ou seja, parte das autoridades públicas é também criminosa e dá apoio e suporte à bandidagem para que tudo continue exatamente como está.

O tempo todo vendido aos quatro cantos do mundo como um dos destinos turísticos mais encantadores do Brasil, o Rio de Janeiro, não é de hoje, exibe em suas vitrines não apenas o Carnaval, as garotas de Ipanema, o Cristo Redentor, o casario de Paraty, as praias de Búzios, o charmoso roteiro das cidades serranas e outras coisas de encher os olhos. Mas quem convive diariamente com tais cenários passa por ali e se depara também com o quadro horroroso das favelas que, como se não bastasse a precariedade estrutural que oferece aos cidadãos de bem que nelas habitam, estão infestadas de criminosos que ceifam vidas humanas amiúde e espalham a desordem pelos quatro cantos do estado sem que o poder público consiga efetivamente detê-los. Não serão protestinhos de meia tigela de enredos de escolas de samba que irão exorcizar e dizimar os muitos demônios que correm à solta pelos vãos do Rio de Janeiro praticando as mais cruéis barbaridades, e sim, expurgando a estrutura governamental dos muitos malfeitores nela instalados e promovendo uma política de ação firme e continuada que ponha bandidos atrás das grades.

Infelizmente o Rio de Janeiro foi se transformando ao longo das últimas décadas na segunda capital brasileira da bandidagem; segunda porque a primeira, claro, continua sendo Brasília.

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