Por Clênio Sierra de Alcântara
Eu
te vejo sumir por aí
Te
avisei que a cidade era um vão
Dá
tua mão
Olha
pra mim
Não
faz assim
Não
vai lá não.
As vitrines.
Chico Buarque
Foto: do autor Os cenários de cartão-postal não conseguem esconder a precariedade da vida nas favelas e nem tampouco mascarar uma realidade marcada fundamentalmente por altos índices de criminalidade |
Talvez nunca antes em toda a
sua história recente o Rio de Janeiro – estado e município – tenha enfrentado
uma conjuntura tão desfavorável como a atual, na qual as finanças públicas do
executivo estadual estão em frangalhos e a capital é administrada por um pastor
evangélico que prega seus sermões de civilidade e salvação do mundo dando as
costas ao povo que o elegeu.
Incapaz de conduzir com
dignidade, clarividência e honestidade o leme da Presidência da República, o
senhor Michel Temer, que até agora não conseguiu nem ao menos encontrar gente
decente para nomear como ministro para a pasta do Trabalho, sacou da manga do
seu paletó de prestidigitador a iniciativa de promover intervenção no estado do
Rio de Janeiro com o fito de, segundo foi dito, pôr ordem num lugar onde a
bandidagem manda e desmanda desde há muito, promovendo tráfico de drogas e de
armas, roubo de cargas, arrastões e tiroteios que a crônica policial registra
diariamente.
De acordo com os
pronunciamentos oficiais, caberá a um oficial de alta patente do Exército,
General Walter Braga Netto, comandar o setor de Segurança Pública fluminense,
discutindo e planejando estratégias de combate ao crime, mas sem tirar a
autonomia das polícias militar e civil. Espera-se com isso conseguir ao menos
diminuir os altos índices de violência que assola aquele estado e que deixa a
população no meio do fogo cruzado, como comprovam os inúmeros casos de vítimas
fatais de balas perdidas.
Vista como uma espécie de
solução final para o cenário de guerra civil que tomou o Rio de Janeiro, a
intervenção federal é ela mesma um atestado de incompetência para o governador
Luiz Fernando Pezão e seus secretários, que administram um estado que foi à
bancarrota, não paga em dia os salários de seus funcionários e ainda tem deputados
e conselheiros do Tribunal de Contas envolvidos até o pescoço em ladroagens as
mais variadas. É, em suma, um quadro de horror e de calamidade pública.
Anos atrás, quando foi
planejado o que se chamou de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s), eu vaticinei
que aquilo não iria significar a redenção do Rio de Janeiro. E não precisava ser
nenhum especialista em segurança pública – e eu não sou – para apostar nisso. Bastava
fazer uma leitura da realidade: como poderia dar certo uma ação que,
essencialmente, se resumia em garantir a presença da polícia em pontos
específicos de favelas sem atacar o fornecimento de armas e de drogas para os
traficantes? E ainda mais, sem barrar o crescimento das milícias? O fato é que,
transcorridos quase dez anos – a primeira UPP foi instalada em novembro de 2008
-, as UPP’s devem ser em parte desativadas porque se revelaram
contraproducentes.
A incompetência e a
ingerência que há anos marcam a Segurança Pública do Rio de Janeiro – e que,
portanto, não é uma chaga apenas do governo de Luiz Fernando Pezão – não é
revelada somente pelos arrastões, assassinatos em série de policiais e pelas
balas perdidas, mas também pela incapacidade que até agora o poder público
demonstrou de não conseguir atacar de frente a ação dos criminosos. Como o
Estado brasileiro se arvora de ser capaz de solucionar o caos da criminalidade -
e frise-se que o mal não está instalado única e exclusivamente em terras fluminenses:
no ano passado, por exemplo, Pernambuco e Ceará contabilizaram, cada um, mais
de cinco mil assassinatos; números esses que, ao lado de estatísticas de outros estados, confirmam a precariedade do
sistema de segurança pública como um todo – se não conseguem nem ao menos ter
controle sobre o ambiente de uma penitenciária, onde facções tocam o terror
e desafiam o tempo todo as regras – se é
que elas existem - da unidade prisional, de onde os chefões dão até ordem de
execução de rivais? Quem, considerando tudo o que já se viu e que se vê passar
no Rio de Janeiro, acredita que a intervenção federal que por ora vigora nessa
unidade da federação surtirá um efeito benéfico e duradouro?
Com seu estilo cambaleante e
vacilante de governar, o senhor presidente da República Michel Temer, depois de
gastar milhões de reais em propaganda e fazer-nos crer que seria mantida uma
agenda de reformas estruturais e institucionais visando a modernização do país,
com a promoção de redução da burocracia e o aumento de incentivos aos setores
produtivos de modo a fazer a economia deslanchar e reabrir os milhões de vagas de
emprego formal que foram fechadas nos últimos anos, veio, a troco não sei de
quê, com essa de tentar salvar o Rio de Janeiro de suas mazelas, como se aquilo
lá fosse todo o Brasil. Não tem de manter só isso aí, não, viu, senhor presidente?!
Há quem diga - e o ministro
da Justiça Torquato Jardim já fez isso usando outros termos – que no Rio de
Janeiro a criminalidade é altamente periculosa e permanente porque anda de mãos
dadas com aqueles que deveriam tratar de exterminá-la; ou seja, parte das
autoridades públicas é também criminosa e dá apoio e suporte à bandidagem para
que tudo continue exatamente como está.
O tempo todo vendido aos
quatro cantos do mundo como um dos destinos turísticos mais encantadores do
Brasil, o Rio de Janeiro, não é de hoje, exibe em suas vitrines não apenas o
Carnaval, as garotas de Ipanema, o Cristo Redentor, o casario de Paraty, as
praias de Búzios, o charmoso roteiro das cidades serranas e outras coisas de
encher os olhos. Mas quem convive diariamente com tais cenários passa por ali e
se depara também com o quadro horroroso das favelas que, como se não bastasse a
precariedade estrutural que oferece aos cidadãos de bem que nelas habitam,
estão infestadas de criminosos que ceifam vidas humanas amiúde e espalham a
desordem pelos quatro cantos do estado sem que o poder público consiga
efetivamente detê-los. Não serão protestinhos de meia tigela de enredos de escolas de samba que irão exorcizar e dizimar os muitos demônios que correm à solta pelos vãos do Rio de Janeiro praticando as mais cruéis barbaridades, e sim, expurgando a estrutura governamental dos muitos malfeitores nela instalados e promovendo uma política de ação firme e continuada que ponha bandidos atrás das grades.
Infelizmente o Rio de
Janeiro foi se transformando ao longo das últimas décadas na segunda capital
brasileira da bandidagem; segunda porque a primeira, claro, continua sendo
Brasília.
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