Por Clênio Sierra de Alcântara
Se você
não suporta mais tanta realidade
Se tudo
tanto faz, nada tem finalidade
Então
pra que viver comigo?
Admito que perdi.
Paulinho Moska
Insatisfação. Deveríamos,
desde a mais tenra idade, ser ensinados e/ou estimulados a esboçar, demonstrar
e dizer das nossas insatisfações em relação a qualquer coisa que nos
inquietasse. Mas não é isso o que normalmente acontece. Infelizmente, no geral,
somos desde crianças como que orientados a fingir, a calar, a engolir o choro,
a disfarçar, a esconder e fazer de conta que tal e tal coisa, pessoa e/ou
situação não nos traz a mínima satisfação, quando, pelo contrário, nos
inquieta, nos aflige, nos perturba, nos tira o sono, nos enfraquece, nos
constrange, nos apequena, nos humilha e até nos amedronta. Habitualmente chegam
mesmo a dizer que não é de bom tom e nem demonstração de que se teve boa
educação expressar ali, no instante em que o fato ocorreu, o incômodo que ele
nos causou. Espera-se que nós engulamos os sapos, que suportemos calados a dor,
que digamos o não queríamos dizer e ajamos como autômatos programados para
sempre dizer sim e/ou está tudo bem, ainda que não esteja.
Há quem pense que precisa
dar explicações a respeito de sua inadequação a isso e aquilo, de sua
insatisfação frente a uma coisa e outra, quando o que basta realmente é o
simples ato da recusa, é um simples e enfático não a depender do caso. Querem um
exemplo: desde muito jovem ouvi dizer que não era elegante se desfazer de
presentes. Ora, e eu vou guardar e/ou celebrar algo do qual não gostei? Sabe o
que faço quando me presenteiam com algo que me causa repulsa? Ou o repasso para
alguém que eu sei que ficará no mínimo contente em ganhar aquilo ou jogo na
lata do lixo depois de fazê-lo em mil pedaços. O que eu não faço é conviver com
algo que me incomoda tremendamente a cada vez que eu lanço os olhos sobre ele. Eu
não iria, mas vou dar outro exemplo: não
costumo dizer que estou de dieta ou coisas do gênero para recusar determinadas
comidas, principalmente quando até me enojam e/ou o cheiro me dá um embrulho no
estômago; eu digo logo e sem rodeios, que eu não como aquilo e ponto-final. Esse
negócio de “agir com educação” para não ferir sensibilidades, definitivamente
não serve para mim. Não tenho mais idade para isso. Meus estoques de vergonha,
paciência e fingimento se esvaíram faz tempo e eu decidi não repô-los.
Deixemos de lado essas considerações iniciais,
porque, na verdade, eu quero dizer aqui de uma insatisfação bem específica, que
é a de estar num relacionamento afetivo que já não nos dá mais prazer e que
resultou num atrapalho de vida, para ser mais preciso, porque tem certos
relacionamentos que paulatinamente vão subtraindo e roubando de nós toda e
qualquer mínima satisfação e até a alegria de viver, porque resultam em fardos
pesados demais para carregarmos; e quando se chega a tal ponto é sensato,
prudente e saudável, antes que o mal nos consuma por inteiro, nos livrarmos
deles.
Uma amiga de longa data me
procurou dia desses para me contar das agruras de anos vividos ao lado de um
marido que não já não a completa e que a fez passar por um pesadelo terrível
que, inclusive, a levou a fazer terapia e que, acredito, desencadeou o estado
de insatisfação que impera ainda hoje sobre ela. Quando ela começou a narrar as
insatisfações, eu recordei que lá atrás, no momento em que se deu o tal
pesadelo, eu lhe disse que aquilo por si só, dada a gravidade do acontecimento,
era um motivo mais do que suficiente para que ela pusesse os pontos nos is e
avaliasse quão temerário seria continuar metida com um homem que foi capaz de
fazer o que ele fizera. Não adiantou. E não adiantou porque as pessoas, em
geral, e as mulheres, em particular –
sobretudo as que tolamente acreditam que podem dobrar os homens -, não seguem conselhos;
e o que querem, na verdade, é só desabafar, e o desabafo, como cada um de nós
sabe e muitas vezes se recusa a aceitar, por si mesmo não soluciona tudo. E ela
continuou descrevendo a sua trajetória de dissabores.
No relato dessa minha amiga
entraram os elementos comumente encontrados nas narrativas de tantas outras
mulheres que buscam justificar os motivos e as razões de se manterem presas a
relacionamentos que só as corroem mais um pouco a cada dia: o homem lhe dá
suporte para criar o filho único; ela não sabe qual será a ocasião certa para
pôr fim à relação. Ouvindo isso, o que eu poderia dizer?
Falei que não tenho
experiência de morar junto com alguém e nem sequer tentei, porque num
relacionamento que tive, que durou dez anos, não havia interesse para tanto. Mas o
tempo vivido nessa relação me deu bagagem suficiente para eu ter uma posição
muito clara sobre essa questão da insatisfação. Foram inúmeras as idas e vindas e
o desgaste inevitável foi corroendo tudo. Até que eu cheguei a um ponto em que
não suportei mais, porque muito nitidamente eu via que aquela ligação afetiva
não tinha mais razão de ser e estar acontecendo. Não que me faltasse carinho e
nem apreço com relação à pessoa; o que faltava essencialmente entre nós – e isso
para mim é basilar – era uma sintonia quanto à visão de mundo e ao modo de enfrentarmos
as dificuldades do dia a dia inerentes ao que somos, ao que pensamos e ao que
desafiamos. E como eu era, desde o início, a parte considerada egoísta,
individualista, impositiva, insensível e por aí vai, resolvi dar um basta
definitivo à situação. E, em que pese a tristeza que me acompanhou por dias a
fio depois da separação, eu fui sentindo que gradativamente a tristeza foi
dando lugar a uma confortável e bastante prazerosa paz interior, paz e alívio
por ter conseguido finalizar aquele capítulo da minha vida, porque foi como se
eu tivesse me libertado de um calabouço muito escuro e frio. Nossa, que alívio!
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