18 de agosto de 2018

Cometendo bloqueiocídio de zapdependentes


Por Clênio Sierra de Alcântara 

Já dizia a minha adorada avó que tudo demais faz mal. Muita gente tem feito do celular uma espécie de prolongamento do corpo. E não apenas isso: muitas pessoas fazem das redes sociais o espaço principal de suas existências, querem que todos ao seu redor embarquem na mesma onda e não aceitam ser ignoradas


Não consigo aceitar de todo e nem me submeto a certos tipos de comportamento que julgo inapropriados para mim. “Ah, Sierra, mas a etiqueta manda fazer assim e assado”. Então, que se contrarie e se reveja a etiqueta. Onde já se viu a pessoa se manter refém de algo que lei nenhuma estabeleceu e que uns e outros por convenção e/ou comportamento de manada, se põe a seguir?! Comigo não, violão. É porque não dá mesmo.

Relutei o quanto pude para não adentrar nos domínios dessa entidade multicéfala chamada WhatsApp. Ocorre que, desde que eu resolvi ter um telefone celular, escolhi como fornecedora de serviços a operadora Oi, que, no dizer muito certeiro e apropriado do meu amigo Adelbar Lima, “é a pior empresa de telefonia do mundo”. De modo que, na ilha onde eu moro, o serviço oferecido por essa empresa, de uns tempos para cá, só fez piorar; e piorou de tal maneira que, por vezes, meu celular, mesmo que posto no terraço de minha casa, passava – e passa – dias inteiros sem conseguir captar sinal. Sabe o que eu fiz para não me ver completamente isolado do mundo? Em vez de pesquisar e me tornar cliente de uma operadora de telefonia verdadeiramente eficiente, eu contratei os serviços de uma empresa de internet e instalei wi-fi na minha humilde residência. E para usufruir e fazer uso do telefone para efetuar ligações, comprei um smartphone e, em janeiro passado, iniciei uma jornada no universo do famigerado WhatsApp, que também atende pelo vulgo zap.

Não posso negar que o meu problema de falta de comunicação via telefone se resolveu: eu saí do quase total isolamento. Por outro lado, não demorou para que eu me desse conta de que adentrara em um terreno muito, muito movediço e repleto de pessoas dadas a fazerem e/ou quererem fazer de mim um estúpido, um idiotão do tipo Débi e Lóide, sabem? E o pior não foi a minha quase que inteira inadequação ao danado do zap. O pior mesmo foi ter de aturar – e às vezes me deixar levar pelas sandices – o comportamento bobalhão – constatei que algumas pessoas, em realidade, sérias, ficaram bastante soltinhas e porraloucas no ambiente virtual – de certos indivíduos pelos quais eu nutro alguma estima e carinho.

Pouco adiantou o esforço – ainda que mínimo – que eu fiz para tentar me adequar ao dito ambiente. É uma grande verdade: não adianta tentar se enganar e nem se fingir de morto; as pessoas são o que são e pronto, estejam elas no mundo real e/ou virtual. Bisonho, eu fui tateando com dificuldade naquele lugar, descobrindo ferramentas e seus usos. E logo vieram as cobranças por atenção, as aporrinhações e as encheções de saco acompanhadas por uma miríade de “bom dia!” e “boa noite!”. A coisa principiou assim. E, em seguida, começaram a chegar os vídeos pornográficos, as correntes, as piadas sem graça, as notícias falsas e por aí vai. Depois, meu caro leitor, eu passei a ser alvo de cobranças por não ter comentado o que recebi, por não ter respondido o “bom dia!” e o “boa noite!” e seguem-se os demais.

É claro que o meu ser bronco, a minha impaciência e a minha língua – e escrita – ferina eram e continuam sendo inadequados para lidar e interagir com esse tipo de gente. Mas o que fazer? Como reagir e sobreviver naquele ambiente? Por que essas pessoas agem assim, pensando que a vida é uma futilidade só e que todo e qualquer indivíduo que utiliza o zap tem que estar sempre a fim de bate-papo e de conversa mole, sem ter o que é realmente importante para fazer e como se cada uma delas fosse o nosso único contato naquele espaço? Esses eram – e continuam sendo – alguns dos questionamentos que eu me fazia enquanto transcorria o meu tempo de adaptação àquele território.

Sabem vocês o que uma das criaturas que lá se encontrava me disse pouco depois de eu ter adentrado ali? “Bem-vindo ao inferno das redes sociais!”. Ela escreveu isso depois de eu reclamar – vejam vocês que eu ainda tentei ser gentil e contornar a situação – do fato de todos os dias ela me enviar mensagens perguntando “como vai?” e isso e aquilo. Pelo desaforo eu não pensei duas vezes: acionei o dispositivo e bloqueei o insolente. E desde esse dia em que eu cometi o meu primeiro bloqueiocídio no WhatsApp, não consegui mais parar. Gostei da coisa, entendem? Eu não sei, eu não consigo explicar a sensação de prazer que me toma quando eu saco do meu celular, miro a vítima e ajo para que ela desapareça para sempre da minha tela. É realmente uma sensação in-des-cri-tí-vel. Só quem já cometeu bloqueiocídio pode compreender com exatidão o que eu estou dizendo.

Eis a narrativa que antecedeu a mais recente eliminação, ocorrida na última terça-feira:

João Pedro: - Rapaz, não faça mais isso.
Eu não sabia do que se tratava.
Eu: - Isso o quê?!
João Pedro: - Dias atrás eu perguntei como você estava e você não me respondeu.
Eu: - Foi? Eu não me lembro de ter visto isso, não.
João Pedro: - Viu sim, porque as barras ficaram azuis, indicando que você leu o que eu escrevi.
Li isso estando já de ovo virado, como se diz por aqui. E disparei:
Eu: - Escuta, cara, tu pensas que eu tenho obrigação de responder a tudo o que eu recebo no zap, é?
João Pedro: - Eu perguntei como você estava. Você foi mal-educado.
Eu: - Tá bom. Eu sou mesmo mal-educado.

João Pedro ainda chegou a escrever que eu o estava agredindo; e que “não sabe o que está acontecendo com as pessoas”. Presumo que pelo menos nesse quesito eu sei “o que está acontecendo com as pessoas”: gente que antes do advento do WhatsApp raramente telefonava para alguém porque não queria gastar e/ou não tinha créditos para tanto, de uma hora para outra, dado o baixo custo do WhatsApp e/ou pegando arrego no wi-fi alheio, passou a se arvorar de ser a pessoa mais simpática e atenciosa do mundo; e a querer ser a sua best friend. Eu aguento um negócio desses? É claro que não. E por isso foi que eu prontamente fui lá e play, apertei o comando e bloqueei o João Pedro, assim como já fizera com mais outros três chatonildos. Foi menos um que não irá mais me atazanar e cobrar de mim bons modos, candura e paciência. Foi mais um que terá de buscar outra pessoa bem diferente de mim a fim de manter a sua zapdependência. Para alguém que, como eu, diz não tetê-à-tête com uma comovente naturalidade, fazer uso de um dispositivo de bloqueio de contatos é um procedimento igualmente indolor e que, pelo menos em mim, não deixa nenhuma cicatriz.

Devo-lhes dizer que eu era feliz no meu tempo de “burro fone” e sabia. O diabo foi que eu resolvi querer escapar da deficiente e precária operadora Oi comprando um smartphone e me lasquei. Perdi o meu sossego. E se eu não me ligar, ele vai acabar é roubando ainda mais o meu precioso tempo. Desconfio que essa gente zapdependente esteja me cercando e conspirando para que eu involua e me emburreça.

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