Por Clênio Sierra de Alcântara
Todo
amor vale o quanto brilha
E o
meu brilhava
E brilha de joia e de fantasia
O que
que há com nós dois, amor?
Me responda
depois
Me diz
por onde você me prende
Por onde
foge
E o
que pretende de mim.
Acontecimentos.
Marina Lima/Antônio Cícero
Eu
aprendi a dizer adeus. De verdade,
honesta e sinceramente e com a maior franqueza do mundo, eu sei que, ainda que
considerando a experiência de ter vivido uma situação dessas, isso não nos
livra e nem evita uma reincidência, porque, se mesmo em relação a outras coisas
bem comezinhas da vida prática tornamos a repetir erros, o que dizer de uma
instância sob a qual não temos nenhum controle, que é o coração?
Conversando ainda há pouco
com o jovem e determinado e boa cabeça José Ildo, que eu conheci na última
segunda-feira num ônibus, quando eu – e também ele – voltava do trabalho,
discorremos sobre um pormenor das relações afetivas que é o caso de nos vermos
enredados com pessoas que sorrateiramente entram em nossas vidas nos enganando
a todo o momento com a oferta maliciosa e bem servida de generosas porções de
falso amor. E elas assim agem, porque intentam e por vezes conseguem com
facilidade nos envolver a tal ponto que dela fiquemos, por assim dizer, sentimentalmente
dependentes. E, uma vez atingido esse ponto e estágio do seu infame joguinho,
elas passam a buscar subtrair de nós aquilo que materialmente desejam. Algumas criaturas
dessa natureza, é bem verdade, caem fora e nos abandonam tão logo obtenham o
que ambicionavam; já outras – e foi justamente uma deste tipo que atentou
contra a minha pessoa, desprezando e reduzindo a nada todo o carinho e o melhor
dos sentimentos que eu lhe devotava – permanecem como carrapatos e sanguessugas
presas a nós e só se afastam quando, por fim, caímos na real, arregalamos muito
bem os olhos, nos damos conta de que não passávamos para elas de uma
possibilidade de alcance de dinheiro e/ou de algo que ele poderia lhes
proporcionar, e arrancamos e as expulsamos e as tangemos para muito longe de
nós, a fim de que nem em pensamento consigamos mais reconstruir as figuras de
suas pessoas. E o que nos resta, claro, é o fardo de uma tristeza e de uma
raiva por, muito mais do que ter sido subtraído de nós algum valor em dinheiro
ou outro bem qualquer, como um par de sapatos, uma mochila, uma camiseta ou uma
viagem com tudo pago, a pessoa brincou o tempo todo com o nosso sentimento,
como se ele fosse uma coisinha qualquer, que alguém pode chegar e fazer com ela
o que quiser. E ainda há quem acredite que dinheiro compra até amor verdadeiro.
Afora esse tipo de falso
amor, existe outro que é, talvez, tão ou mais corrosivo e dilacerador quanto
ele, que é o que se estabelece apenas num coração de duas pessoas que se encontram.
Eu disse que talvez ele seja tão ou mais corrosivo e dilacerador quanto aquele,
porque nesse, os elos não estão enganando um ao outro, não existe premeditação,
planejamento ou algo que o valha, não existe maldade e nem interesse material
de qualquer espécie. Existe, isto sim, cumplicidade, companheirismo, confiança,
afinidade, afeto, admiração e, claro, amor, mas não necessariamente um amor carnal
e afetivo do tipo que une pessoas em namoros e casamentos plenos. Ocorre que,
como eu disse, às vezes esse amor carnal e afetivo é sentido apenas por um dos
dois corpos que se encontraram; e a pessoa, dada a proximidade, a cumplicidade,
o companheirismo, a confiança, o afeto e a admiração que o outro comunga com ela,
se recusa a acreditar que a natureza do amor contido na outra pessoa seja
diferente do que ela está sentindo.
Eu sei que para muita gente
não é nada fácil pôr, desde o início, as cartas sobre a mesa e dizer o que é, o
que sente, o que pensa e o que pretende com alguém pelo qual demonstrou algum
interesse. É óbvio que aqui eu estou excluindo aquele tipo de pessoa
aproveitadora sobre o qual discorri em linhas atrás. Uma coisa é agir de
maneira clara e verdadeira dizendo, por exemplo: “Olha, fulano, estamos nos
encontrando, mas eu não quero relacionamento sério com você”. Ou: “Entenda bem,
o que existe entre nós é uma amizade colorida, nada mais do que isso”. Ou ainda:
“Fulano, não fique alimentando coisas e fantasiando um namoro e tal porque eu
não estou pensando nisso com você”. E até: “Não, não confunda as coisas. Eu não
estou a fim de você”. E ponto.
Pode parecer um
comportamento grosseiro esse que eu tenho tido. Mas eu prefiro mil vezes agir
assim a enganar e/ou falsear uma situação que, eu bem sei, é dolorosa, é
frustrante, é dilacerante. Demorar a perceber que o seu sentimento mais
vigoroso não está sendo correspondido, implica a dizer que você não ficou
atento, verdadeiramente atento, para ler os sinais que até mesmo os mais
habilidosos enganadores deixam aqui e ali enquanto vão traçando suas
estratégias e planos de sedução e ludíbrio.
No domingo passado eu
vivenciei um desses momentos em que você chega a pensar que está de frente com
uma possibilidade de felicidade. Eu fui apresentado a uma pessoa que mexeu
muitíssimo comigo. Aqueles olhos muito vivos e curiosos. Aquela boca e aquele
sorriso bonitos. Aquele jeito de falar e de me tocar. Aquela simpatia. Aquele entusiasmo
com a vida. Aquela determinação. Aquela atenção que me concedeu... Tudo isso me
encheu de uma vigorosa energia. Até que. Até que em determinado momento essa
pessoa me fez saber que eu não tinha e não tenho a mínima possibilidade de
conquistá-la. E, nesse exato instante – e creio que tenha ficado evidente em
meu semblante a frustração que me tomou por inteiro quando eu a ouvi dizer isso
-, eu pus firmemente os meus pés no chão. E recolhi o meu desejo. E carreguei
tristemente o meu desencanto.
É fato, eu também sei,
porque mais de uma vez eu instruí uma e outra pessoa, eu esclareci o que é que
existia entre eu e elas, que tem gente que não aceita um “eu não quero”, um “não
pode ser” e fica insistindo, sabe? Egoísta e cegamente a pessoa se põe a querer
manter de pé uma realidade insustentável. E atrapalha a sua vida e a dela, sem
querer deixar que você siga em frente. É difícil, é dificílimo para mim eu ter
de lidar com pessoas que se recusam terminantemente a aceitar a crueza e o peso
da verdade que lhe é apresentada.
Penso que eu não tenho mais
idade para perder meu tempo contornando situações dessa natureza. Eu disse
adeus a mais uma pessoa noutro dia com um definitivo ponto final, porque em
absoluto eu me exauri de tanto dizer a ela que sua insistência e a minha
complacência já tinham nos levado longe demais.
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