Por Clênio Sierra de
Alcântara
Fotos: Arquivo do Autor Tom Jaime num evento com alunos da Escola Estadual Presidente Humberto Castello Branco, do bairro de Tejipió, no Recife, em 2016 |
Uma das pessoas mais
generosas e gentis que eu conheci, o senhor Antônio Francisco dos Santos,
conhecido no cenário musical pernambucano como Tom Jaime – e mesmo fora dele,
porque o apelido era pegado a ele desde a adolescência, como me contou, porque
andava muito com um amigo chamado Jaime: “A gente estava junto e o pessoal
dizia: ‘Lá vem Antônio e Jaime’. Aí ficou o apelido Tom Jaime até hoje” -, era
um saxofonista de primeira qualidade. E simples, sabe? E bonacheirão como um
carinhoso e acolhedor avô.
Conheci Tom Jaime quando, há
cinco anos, me aproximei da cirandeira Lia de Itamaracá e, junto com o grupo
dela, na posição de um curioso que queria mergulhar no universo da cultura
popular, em geral, e no da ciranda, em particular, com o fito de escrever uma
biografia dela, comecei a viajar na companhia de todos eles. E foi numa dessas
viagens – estávamos a caminho de Garanhuns, no dia 28 de julho de 2016 – que Tom
Jaime me contou parte de sua vida.
Nascido na cidade de
Itabaiana, na Paraíba, em 27 de setembro de 1944 – Dia dos Santos Cosme e
Damião -, na famosa Itabaiana onde se realiza uma das feiras livres mais tradicionais
do Nordeste e terra que também deu ao mundo o igualmente talentoso Severino
Dias de Oliveira, que todos nós conhecemos como Sivuca, Antônio Francisco dos
Santos, o Tom Jaime, se mudou para o Recife com cinco anos de idade. Ainda adolescente
– precisamente aos quinze anos – começou a trabalhar na fábrica de cerâmica da
família Brennand – “De carteira assinada, viu, Sierra?!”, ele ressaltou -,
localizada no bairro da Várzea, na capital pernambucana, onde ele fixara
morada. Ele ficaria ligado à fábrica durante trinta e cinco anos.
Foi ainda aos quinze anos
que ele tomou parte em aulas de música que começaram a ser ministradas na
Escola São João da Várzea. As aulas ocorriam nas quintas-feiras à noite – ele saía
do trabalho às 16:00 h. Foi dessa época o convívio com o tal do Jaime, que
estudava trompete. Aluno aplicado, o então jovem itabaianense estudou clarinete
durante três anos: “Aí, Sierra, o rapaz do saxofone foi pro Exército, em Natal,
e eu peguei o saxofone. Comecei no saxofone de 63 pra cá”. Já senhor do seu
instrumento, aos vinte e dois anos Tom Jaime passou a integrar a Orquestra Universal
– também da família Brennand; foi para constituí-la que as aulas de música
tiveram início naquela escola -, saindo para tocar à noite. A Universal durou
até 1978.
Tendo se casado em 1971, Tom
Jaime se mudou para o bairro Cosme e Damião, na cidade de Camaragibe, que faz
fronteira com o Recife.
Conseguindo conciliar o
trabalho na fábrica com as atividades musicais, Tom Jaime me disse que tocou
durante muito tempo na Orquestra Alvorada. Contou-me também que vivenciou o
período em que a Rua do Imperador, no bairro de Santo Antônio, área central do
Recife, na década de 70, era um lugar de encontro de músicos. E ele estava por
lá quando um saxofonista conhecido seu o apresentou, um dia antes do Carnaval,
ao então presidente do Bloco da Saudade, cuja existência principiou naquele
decênio – esse bloco lírico, que existe até hoje como um dos mais tradicionais
do Recife, começou a ganhar as ruas em 1974, ano em que eu nasci –, dizendo: “Fique
com ele porque eu não tenho tempo”. Dito isso, depois dessa rápida passagem de
bastão, digo, de saxofone, Tom Jaime recebeu as partituras de quatro músicas
para começar a tocá-las já no dia seguinte. E, uma vez tendo ingressado na
agremiação, do Bloco da Saudade ele não mais sairia – ele foi, inclusive, homenageado
no Carnaval deste ano como o mais antigo componente de sua orquestra.
Chegando à concentração da Marcha das Mulheres, no dia 8 de março deste ano, em São Sebastião de Lagoa de Roça, Paraíba. Da esquerda para a direita: Marcos Paulo, Telma, Lia de Itamaracá e Tom Jaime |
Quando Tom Jaime se
aposentou do trabalho na fábrica, ele pôde se dedicar de corpo, alma e talento
à musica. Em 1996 integrou um grande grupo de artistas e músicos – e políticos
e pessoas públicas, como a senhora Madalena Arraes, esposa de Miguel Arraes,
então governador de Pernambuco -, que foi à cidade de Lille, no norte da
França, apresentar frevo, samba, maracatu e ciranda ao público europeu.
Tendo parado para ir almoçar
no Pátio de São Pedro, depois de ter feito mais um bico como músico, tocando na
loja Cattan da Rua Duque de Caxias – caro leitor um pequeno adendo, por favor:
minha mãe trabalhou nessa loja de roupas, que fica a poucos metros da Rua do Imperador,
e é uma das lembranças mais remotas que eu tenho do tempo em que comecei a “conhecer”
a capital -, Tom Jaime foi abordado por Severino Alves, um às do trombone
conhecido como Biu Negão, que quis saber se ele tinha interesse em tomar parte
no conjunto que acompanhava a cirandeira Lia de Itamaracá. Estava-se no ano
2000. E, tendo aceito o convite, Tom Jaime por vezes tinha de fazer
malabarismos com as horas – sobretudo durante o Carnaval – para conseguir se apresentar
tanto com Lia como com o Bloco da Saudade. Era uma correria danada. Certa feita
eu o vi embarcando na garupa de uma moto que o levaria até o Recife, logo após
o término de uma apresentação da cirandeira, ocorrida à tarde na beira-mar de
Olinda. Acompanhando Lia, ele viajou muito por este Brasil a fora e até voltou
a Europa.
Durante aquela nossa
conversa – e conversaríamos bastante ao longo desses anos – eu perguntei a Tom
Jaime se a cultura popular era valorizada aqui em Pernambuco. Enfático ele me
disse que não. E pontificou: “Veja, por exemplo, o caso do frevo. O frevo só se
toca no Carnaval, por isso não tem frevo novo. O único que toca frevo o ano todo
é [Maestro] Spok. Mas, onde é que ele toca? Nos Estados Unidos, na Europa...”.
Desde o final de 2016, Tom
Jaime vinha dando sinais de que não estava bem; quadro esse que foi se agravando
e ele se viu atravessando mais um ciclo de depressão. “É tão ruim isso, Sierra.
Eu tomo remédio, mas não é fácil me livrar disso”, ele me confidenciou num dos
nossos encontros. Com o empurrão e o apelo dos outros seus companheiros de
palco, ele novamente renovou forças e voltou a tocar seu saxofone, acompanhando
Lia e o Bloco da Saudade. Mas a sua aparente recuperação ocultava uma grave
doença: ele foi, infelizmente, diagnosticado com um câncer agressivo e já em estado
de metástase; e ficou dias internado no Hospital Barão de Lucena, no Recife, onde
faleceu na quarta-feira passada.
A última aparição pública do
talentoso saxofonista Tom Jaime ocorreu durante a apresentação da cirandeira
Lia, ocorrida no dia 29 de junho, Dia de São Pedro, na Ilha de Itamaracá. Quem o
via tocar, quem o conhecia de muito perto, percebia que a música se constituía
mesmo como parte da essência de sua vida. Sua bondade natural, sua paciência,
sua clareza de pensamento e o seu apego ao essencial da existência foram
qualidades que eu percebi nele logo nos nossos primeiros encontros e que
fizeram com que eu lhe devotasse um enorme carinho e admiração.
Tom Jaime e o seu saxofone
eram um verdadeiro convite à celebração plena da vida.
PARABÉNS,Sierra é isso aí so nos resta as boas lembranças.E uma eterna saudade do meu PAPA.Apelido que eu coloque.E assim o chamava.
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