Por Clênio Sierra de
Alcântara
Detalhe da parede riscada da Igreja de São Francisco de Paula |
Alguns acontecimentos e seus
respectivos e exemplares desdobramentos nem sempre ganham repercussão, o que é
bastante lamentável. E foi esse o caso do que se verificou em Roma, capital da
Itália, no último dia 16 de julho. Naquele dia, um adolescente brasileiro de 17
anos, que estava visitando o anfiteatro Coliseu, um dos monumentos mais
conhecidos do mundo, foi interceptado por policiais no instante em que marcava
a letra de seu nome – um G – numa parede daquele patrimônio histórico
utilizando uma pedra. E, como a Itália não é a baderna e nem o covil de bestas
humanas que é o Brasil no trato com a coisa pública, em geral, e com a proteção
e o cuidado para com o patrimônio histórico, artístico e cultural, em
particular, o jovem foi devidamente denunciado pelo crime de vandalismo e irá
responder o processo em liberdade.
Quando, lá no início, eu
disse que lamentava que certos acontecimentos não são amplamente repercutidos,
eu mirei especificamente a sociedade brasileira, uma sociedade tão dada a
desprezar e a maldizer e a vandalizar e a destruir o patrimônio histórico que
apenas as pessoas que compõem órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan) e seus congêneres estaduais e municipais nem em
sonho conseguem proteger sozinhas. Quando eu repiso a afirmação de que Educação
patrimonial deveria ser um assunto abordado em todos os níveis de ensino
deste país, eu digo e reafirmo que só será educando a sociedade para com as
coisas do patrimônio – reconhecimento, valorização, identificação,
pertencimento, preservação, manutenção, restauração – que conseguiremos ver
drasticamente diminuídos os atos de vandalismo e de desrespeito para com,
principalmente, o patrimônio edificado de nossas cidades mais antigas.
Sim, é verdade que, no
Brasil, o patrimônio edificado sofre, não é de hoje, com movimentos feitos
muitas vezes às escondidas, por grandes construtoras que fazem de tudo e dão
até um quarto ao diabo para conseguirem pôr abaixo edificações localizadas em
zonas de proteção histórica, e, no lugar delas, como eu sempre digo, erguer
prédios de alto padrão que, segundo dizem os magnatas das construtoras, é que
são os símbolos de progresso e de modernidade das cidades, enquanto o
patrimônio histórico não passa, para essa gente, de manutenção do atraso e do
eterno subdesenvolvimento.
É um fato irrefutável que,
no geral, os brasileiros não temos um apego verdadeiro para com o patrimônio
histórico que nos rodeia. E isso fica evidenciado em cada cidade antiga que se
visita por este país afora. Pichações; objetos e detalhes de construções
arrancados, quebrados e riscados; prédios públicos e privados abandonados e
caindo aos pedaços. E, em meio a esse quadro de degradação, alguém por acaso vê
com frequência por aí movimentos da sociedade civil organizada, como o Ocupe
Estelita, do Recife, se pronunciando em defesa da causa da proteção desses
patrimônios? Ultimamente, diante do cenário de abandono, descaso e de
esquecimento do patrimônio edificado que se verifica em cidades como o Recife,
São Luís, Salvador e João Pessoa, tem partido do Ministério Público a tomada de
voz contra esse estado de coisas; é ele que vem exigindo que o Estado e os
proprietários particulares promovam ações visando a integridade dos imóveis que
lhes pertencem.
Em outubro do ano passado,
em excursão à cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, a bela Ouro Preto que,
desde o seu tombamento, figura como o maior exemplo das iniciativas de
políticas de proteção e salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, eu me vi
tomado por um misto de espanto, decepção e tristeza ao visitar a Igreja de São
Francisco de Paula, que fica a poucos metros do terminal rodoviário onde eu
desembarcara, e verificar que as paredes do monumento eclesiástico estavam em
grande parte tomadas por inscrições de nomes de pessoas que passaram por ali e
que, tal qual animais que, por serem irracionais, defecam e urinam em todo e
qualquer lugar, deixaram o rastro criminoso de sua passagem naquela igreja. Um senhor
que se encontrava sentado do lado direito do templo e que é morador da cidade, comentou o seguinte ao ver que eu
fotografava as inscrições: “Infelizmente esse é um tipo de crime do qual nem
Ouro Preto escapa. Deveriam instalar câmeras aqui para flagrar esse tipo de
gente e prendê-las”. Concordei plenamente com ele, porque aquilo lá – que não acontece somente lá – é um crime que deveria ser rigorosamente combatido e punido.
Ainda em Minas Gerais, agora
na cidade de Congonhas, precisamente no dia 13 de outubro de 2017, num começo
de tarde, enquanto eu visitava o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos,
um Patrimônio Cultural Mundial, assim como o centro histórico de Ouro Preto,
flagrei o instante em que um estúpido rapaz que chegara ali com uma moça, de
moto, e não estava nem aí para o monumento, enquanto ela ao menos passeava pelo
adro, fazia ele uso de uma chave para gravar os nomes dele e, creio, da mulher que o acompanhava, na frágil pedra-sabão com a qual a parte de cima dos muros – e também as esculturas dos profetas feitas pelo de todo admirável
Aleijadinho – foi erguida. O pior de tudo foi que, apesar de ter o rapaz
cessado o seu ato de vândalo no exato momento em que eu lhe lancei um olhar de
reprovação, a minha fúria não me deu ímpeto de chamar a palerma da guarda
municipal que lá se encontrava - em vez de ficar circulando por ali para tentar coibir e impedir que ações
como essa acontecessem, ela não largava a droga do telefone celular - e nem de dar
voz de prisão a ele. Nem isso veio à minha cabeça. E são pessoas da estirpe
daquele rapazinho que encheram os detalhes dos muros e as bases das esculturas com letras e
palavras. E olhem que placas foram postas ali dizendo da “proibição” desse tipo
de ação. O que deveria estar dito nelas é que isso é um ato criminoso e
qual é a penalidade à qual o infrator está sujeito. Desculpa, mestre
Aleijadinho, pela minha falta de reação. Eu falhei feio naquele momento.
Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, Minas Gerais Lamentavelmente as bases das esculturas e a parte de cima dos muros estão repletos de riscos |
Nesta e na foto seguinte, detalhe de duas das bases das esculturas dos profetas |
Nesta foto vê-se o que o estúpido e mal educado rapaz, que eu flagrei riscando, conseguiu escrever |
Não se pense, contudo, que
falta de educação – e não apenas de Educação patrimonial – e de desrespeito
para com a conservação dos patrimônios históricos é, por assim dizer, um
privilégio dos brasileiros. O jornal italiano La Reppublica apurou que, desde fevereiro do ano passado, outros
quatro estrangeiros – da Austrália, da Alemanha, da França e do Equador – foram
pegos tentando deixar marcas nas paredes do Coliseu, uma construção que foi
concluída no ano 80 d. C.
Durante toda a história da
humanidade os monumentos – como sabemos os conceitos de patrimônio e as
políticas visando à sua proteção e salvaguarda são relativamente recentes em
todo o mundo; o Iphan, por exemplo, tem só 81 anos de existência – sofreram ataques
de todos os lados, incluindo os que eram e são perpetrados pelos próprios
governos constituídos. Defender a proteção e a salvaguarda do patrimônio
histórico é defender verdadeiramente a proteção e a salvaguarda dos elos que
precisamos manter com o passado, porque são esses elos que dizem o que fomos, nos
proporcionaram ser o que somos e que nos fazem pensar no que seremos.
Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: (Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011)
ResponderExcluirPena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011)
§ 1o Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.408, de 2011). Todavia,perante a imperatividade imposta do estado, mesmo assim é contínua, o vandalismo com patrimônio público,além da falta de fiscalização do poder público e nenhuma falta de punição. Compartilho também da indignação e da experiência, do privilegio de ter conhecidos esses lugares fantástico que respira história e cultura, mas ao mesmo tempo me entristece profundamente o descaso dos próprios turista que riscam, degredam este grande patrimônio, único e exclusivamente deixar ali marcado a sua infeliz passagem. Espero também que guardas municipais que estão ali sendo pagos justamente para assegurar o bom estado deste monumentos se conscientize e largem por favor seus celulares e façam seus serviços, com tem que ser feito.