Fotos: Marcos Paulo Biu e Dulce seguem defendendo com determinação e garra o legado do pai, o rei da ciranda Antônio Baracho |
Houve um tempo em que o
pátio da majestosa e bela Igreja de São Pedro dos Clérigos, localizada na fronteira, por
assim dizer, entre os vetustos bairros de Santo Antônio e São José, área
central do Recife, servia de cenário para apresentações de grupos de
cirandeiros. As décadas de 1970 e 1980 foram por excelência o período de ouro
da ciranda pernambucana. E o Pátio de São Pedro tão emblemático se tornou para
os brincantes desse folguedo – ainda que tivesse a concorrência da Praia do
Janga, por causa da cirandeira Vitalina Alberta de Souza Paz, conhecida como
Dona Duda, e da Ilha de Itamaracá, por ser a casa da rainha da ciranda Lia de Itamaracá – que figurou na capa de dois lp’s gravados
naquele período: no de Antônio Baracho, intitulado Ciranda no Pátio de São Pedro – Baracho e seus cirandeiros, lançado
em 1976 pela Cactus Produção e Distribuição de Fonogramas; e no Ciranda Brasileira – João Limoeiro e sua
ciranda, um lançamento da Itamaraty, que o pôs nas lojas de discos em 1981.
Na época em que se
apresentavam ao lado do pai, o lendário rei da ciranda Antônio Baracho,
Severina Baracho da Silva, a Biu, e Maria Dulce Barbosa, a Dulce, contavam
ainda com a companhia da irmã Maria José da Silva, a Lia. As meninas percorreram
mundos e fundos deste Pernambuco com Baracho divulgando e celebrando a
originalíssima ciranda pernambucana. Após o falecimento do patriarca, ocorrido
há exatos trinta anos, as irmãs Baracho, cirandeiras de primeira grandeza que
herdaram não apenas o gênio inventivo do pai bem como a sua resistência contra
certo desprezo da grande mídia para com os valores e fazeres da chamada cultura
popular, caíram num ostracismo de todo perverso, sabe? Perverso porque não
acorreu aos responsáveis pelas secretarias de cultura de cidades como Abreu e
Lima, Paulista e Nazaré da Mata, por onde Baracho circulou como morador – ele nasceu nesta última – e nem
à própria Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe)
buscar resgatar essas mulheres valorosas e colocá-las de novo nos palcos e sob
a luz dos refletores. Essa pessoas não atinaram – e talvez nem se lembrassem
mais que Biu e Dulce Baracho existiam carregando a herança artística paterna – que artistas do
porte e do calibre delas não são fáceis de serem encontradas por aí; e que, ao
mantê-las fora da ordem artística estabelecida pelos governos os quais
representavam, não eram apenas elas que perdiam e sim todo o universo
multicultural pernambucano.
Dizem por aí que tudo tem um
tempo certo para acontecer. E eis que, com sua reconhecida determinação e seu
admirável empenho, o produtor artístico Beto Hees, numa de suas decisões mais
acertadas, foi atrás das meninas; e não só descobriu o paradeiro das Baracho em
Abreu e Lima, como tratou de colocá-las novamente em evidência – a esta altura
Maria José da Silva já resolvera se desligar da vida artística –, ora se
apresentando ao lado de Lia de Itamaracá, que ele vinha
produzindo, ora fazendo elas o seu próprio show, ocasião em que são
apresentadas como As Filhas de Baracho.
Com o projeto Ciranda Rural,
o ativista cultura incansável e batalhador ferrenho que é Roger de Renor, que
muitos conhecem por causa do Som na Rural, de certa forma buscou reviver no
Pátio de São Pedro os anos dourados da ciranda, levando para se apresentar
naquele lugar tanto uma jovem promessa como o Mestre Anderson Miguel, de Nazaré
da Mata, como veteraníssimos, a exemplo de Biu e Dulce Baracho, que se
apresentaram no domingo passado.
Pouco depois de eu ter
chegado ao Pátio de São Pedro para prestigiar as meninas fui conduzido ao
camarim delas por Beto Hees. Entrei e cumprimentei as mestras com beijos e
abraços.
Lá fora o cenário, como
Roger fez questão de destacar antes do início do evento, estava sujo e
descuidado. Sim, paredes estão pichadas, luminárias estão quebradas e nem
sequer uma ação imediata como a varrição do espaço a Municipalidade tratou de
promover ali, ainda que tendo conhecimento da realização do show. Nossa, que desleixo.
Dizem por aí que o bicho gato
tem sete vidas. Desconfio que mais do que os bichanos, quem têm muitas vidas
mesmo são os artistas da cultura popular, que suportam com galhardia o
desprezo, a indiferença e o descaso das autoridades que dizem prezar tais
manifestações; artistas esses que fazem às vezes somente uma apresentação remunerada por ano;
que esperam meses para receber a mixaria que lhes é devida; e ainda assim
conseguem manter seus brinquedos de pé. Se o nome disso não é resistência, eu
não sei o que danado é.
Eu fazendo pose na frente das meninas |
Naquele começo de noite, daquele quente domingo primaveril, Biu e Dulce pareciam estar ligadas no 220 volts. Nossa,
que potência de vozes e que desenvoltura no andamento da apresentação. Ciranda,
coco, maracatu... De tudo um pouco coube no show das Filhas de Baracho. E a
plateia dançava empolgada. E aplaudia com entusiasmo. Biu e Dulce brilharam no
Pátio de São Pedro como que tomadas pelo espírito do seu inesquecível pai. Foi lindo.
Nossa cultura é mesmo muito rica!
ResponderExcluirVenho aqui agradecer suas palavras e agradecer as sugestões e críticas, que sempre me acrescentam. Fazem com que eu deseje aprender sempre um pouco mais sobre a arte de escrever. Obrigada!
Obrigado, querida. tempo haverá para que nos encontremos pessoalmente. Escrever também é algo que de algum modo nos liberta
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