15 de dezembro de 2018

Biu e Dulce Baracho brilharam no Pátio de São Pedro

Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Marcos Paulo
Biu e Dulce seguem defendendo com determinação e garra o legado do pai, o rei da ciranda Antônio Baracho

Houve um tempo em que o pátio da majestosa e bela Igreja de São Pedro dos Clérigos, localizada na fronteira, por assim dizer, entre os vetustos bairros de Santo Antônio e São José, área central do Recife, servia de cenário para apresentações de grupos de cirandeiros. As décadas de 1970 e 1980 foram por excelência o período de ouro da ciranda pernambucana. E o Pátio de São Pedro tão emblemático se tornou para os brincantes desse folguedo – ainda que tivesse a concorrência da Praia do Janga, por causa da cirandeira Vitalina Alberta de Souza Paz, conhecida como Dona Duda, e da Ilha de Itamaracá, por ser a casa da rainha da ciranda Lia de Itamaracá – que figurou na capa de dois lp’s gravados naquele período: no de Antônio Baracho, intitulado Ciranda no Pátio de São Pedro – Baracho e seus cirandeiros, lançado em 1976 pela Cactus Produção e Distribuição de Fonogramas; e no Ciranda Brasileira – João Limoeiro e sua ciranda, um lançamento da Itamaraty, que o pôs nas lojas de discos em 1981.

Na época em que se apresentavam ao lado do pai, o lendário rei da ciranda Antônio Baracho, Severina Baracho da Silva, a Biu, e Maria Dulce Barbosa, a Dulce, contavam ainda com a companhia da irmã Maria José da Silva, a Lia. As meninas percorreram mundos e fundos deste Pernambuco com Baracho divulgando e celebrando a originalíssima ciranda pernambucana. Após o falecimento do patriarca, ocorrido há exatos trinta anos, as irmãs Baracho, cirandeiras de primeira grandeza que herdaram não apenas o gênio inventivo do pai bem como a sua resistência contra certo desprezo da grande mídia para com os valores e fazeres da chamada cultura popular, caíram num ostracismo de todo perverso, sabe? Perverso porque não acorreu aos responsáveis pelas secretarias de cultura de cidades como Abreu e Lima, Paulista e Nazaré da Mata, por onde Baracho circulou  como morador – ele nasceu nesta última – e nem à própria Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) buscar resgatar essas mulheres valorosas e colocá-las de novo nos palcos e sob a luz dos refletores. Essa pessoas não atinaram – e talvez nem se lembrassem mais que Biu e Dulce Baracho existiam carregando a herança artística paterna – que artistas do porte e do calibre delas não são fáceis de serem encontradas por aí; e que, ao mantê-las fora da ordem artística estabelecida pelos governos os quais representavam, não eram apenas elas que perdiam e sim todo o universo multicultural pernambucano.



Dizem por aí que tudo tem um tempo certo para acontecer. E eis que, com sua reconhecida determinação e seu admirável empenho, o produtor artístico Beto Hees, numa de suas decisões mais acertadas, foi atrás das meninas; e não só descobriu o paradeiro das Baracho em Abreu e Lima, como tratou de colocá-las novamente em evidência – a esta altura Maria José da Silva já resolvera se desligar da vida artística –, ora se apresentando ao lado de Lia de Itamaracá, que ele vinha produzindo, ora fazendo elas o seu próprio show, ocasião em que são apresentadas como As Filhas de Baracho.


Se tem ciranda, vamos cirandar!



Com o projeto Ciranda Rural, o ativista cultura incansável e batalhador ferrenho que é Roger de Renor, que muitos conhecem por causa do Som na Rural, de certa forma buscou reviver no Pátio de São Pedro os anos dourados da ciranda, levando para se apresentar naquele lugar tanto uma jovem promessa como o Mestre Anderson Miguel, de Nazaré da Mata, como veteraníssimos, a exemplo de Biu e Dulce Baracho, que se apresentaram no domingo passado.

Pouco depois de eu ter chegado ao Pátio de São Pedro para prestigiar as meninas fui conduzido ao camarim delas por Beto Hees. Entrei e cumprimentei as mestras com beijos e abraços.

Lá fora o cenário, como Roger fez questão de destacar antes do início do evento, estava sujo e descuidado. Sim, paredes estão pichadas, luminárias estão quebradas e nem sequer uma ação imediata como a varrição do espaço a Municipalidade tratou de promover ali, ainda que tendo conhecimento da realização do show. Nossa, que desleixo.

Dizem por aí que o bicho gato tem sete vidas. Desconfio que mais do que os bichanos, quem têm muitas vidas mesmo são os artistas da cultura popular, que suportam com galhardia o desprezo, a indiferença e o descaso das autoridades que dizem prezar tais manifestações; artistas esses que fazem às vezes somente uma apresentação remunerada por ano; que esperam meses para receber a mixaria que lhes é devida; e ainda assim conseguem manter seus brinquedos de pé. Se o nome disso não é resistência, eu não sei o que danado é.

Eu fazendo pose na frente das meninas

Naquele começo de noite, daquele quente domingo primaveril, Biu e Dulce pareciam estar ligadas no 220 volts. Nossa, que potência de vozes e que desenvoltura no andamento da apresentação. Ciranda, coco, maracatu... De tudo um pouco coube no show das Filhas de Baracho. E a plateia dançava empolgada. E aplaudia com entusiasmo. Biu e Dulce brilharam no Pátio de São Pedro como que tomadas pelo espírito do seu inesquecível pai. Foi lindo.

2 comentários:

  1. Nossa cultura é mesmo muito rica!

    Venho aqui agradecer suas palavras e agradecer as sugestões e críticas, que sempre me acrescentam. Fazem com que eu deseje aprender sempre um pouco mais sobre a arte de escrever. Obrigada!

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  2. Obrigado, querida. tempo haverá para que nos encontremos pessoalmente. Escrever também é algo que de algum modo nos liberta

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