21 de dezembro de 2018

O demônio andou aprontando das suas no Planalto Central


Por Clênio Sierra de Alcântara
 
Vade retro, satanás!
 

I

Acredito que o ser humano – ou pelo menos a maioria dos seres humanos, o que não é o meu caso – tem uma propensão a acreditar no sobrenatural por uma série de razões e/ou condições de existência, como o medo do pós-morte, doenças, conflitos pessoais, etc.E em par com isso e/ou se aproveitando disso, indivíduos surgem em tudo o que é canto como intermediários de entidades sobrenaturais quase sempre buscando de alguma maneira angariar uma vantagem sobre os contingentes que conseguem arrebanhar, vantagem essa que normalmente diz respeito a valores pecuniários: eles deixam bem claro que a graça não vem de graça, porque, sabemos todos, nada é de graça.

II

Não tenho cabedal para tanto, não mantenho leituras que me instruam a respeito das entranhas e dos espíritos das leis e de tudo isso a que chamam de ordenamento jurídico. Contudo, acompanhando pelas redes de televisão e lendo reportagens aqui e ali, penso que meu parco entendimento dos mecanismos da Justiça que é praticada neste Brasil varonil, são suficientes para que eu, a exemplo de milhares e com certeza milhões de expectadores e leitores, compreenda que alguma coisa anda errada naquele Supremo Tribunal Federal (STF), dando-me a impressão de que vossas excelências, os ministros da Corte Suprema, em vez de fazer valer um entendimento coletivo que foi estabelecido por seus pares, agem individualemnte contra eles, dando a entender que ou estão desafiando por birra os demais e/ou simplesmente brincando com a Justiça ou de fazer Justiça a seu bel-prazer.

III

Graça também rima com desgraça. Não sei se todas as mulheres, a começar pela coreógrafa holandesa Zahira Mous, que decidiu expor publicamente os abusos dos quais foi vítima, conseguiram alcançar as graças que ansiavam conquistar visitando a Casa Dom Inácio de Loyola, localizada na cidade de Abadiânia, o interior de Goiás, onde há mais de 40 anos vinha dando plantão o líder espiritual João Teixeira de Faria conhecido, vejam só, como João de Deus. Mas presumo que em alguma medida as até agora mais de trezentas mulheres que estão acusando o senhor João de Deus – o que inclue até uma filha dele, que declarou que começou a ser abusada pelo pai quando ainda era uma criança – de abuso e assédio sexual ficaram, cada uma delas, com um naco de desgraça e de sofrimento.

IV

Foi em 2016 que a maioria dos ministros do STF votou e autorizou prisões após a condenação em segunda instância, um verdadeiro marco na história do judiciário brasileiro, até então conhecido como uma seara em que réus poderosos e endinheirados se valiam de toda sorte de chicanas e protelações, adiando para todo o sempre as sentenças condenatórias. Desse modo, personagens bastante conhecidos, como o senhor Paulo Maluf, conseguiram escapar durante décadas das garras da injusta Justiça brasileira, aproveitando o bem-bom proporcionado pela dinheirama proveniente das ações ilícitas que amiúde praticaram.

Esse avanço institucional vem desde então sendo atacado pelos réus, claro, por seus defensores e por todos aqueles saudosos do Brasil essencialmente arcaico e corrupto no qual tudo de ruim eles poderiam fazer sem que fossem parar atrás das grades e nem ser obrigados a devolver aos cofres públicos os milhões que de alguma maneira surrupiaram. Que gente desse calibre busque de todas as formas escapar das condenações que merece se compreende, mas ver que membros do próprio STF se pronuncia e dá canetadas com argumentos de pretenso benefício coletivo, ou seja, que se estende a todas as camadas da sociedade e não necessariamente aos ricos de toda espécie, a mim me parece ser algo que beira não somente a irresponsabilidade pura e simples, como também a defesa daquilo que de mais nefasto e daninho pode grassar no seio de uma democracia, que são a impunidade e a injustiça.

V

Pelo que até agora foi levantado pelas diligências da Polícia Civil goiana, o senhor João de Deus é um verdadeiro prodígio dos negócios escusos  - e não só sexuais -: milhares e milhares de reais foram encontrados em esconderijos em suas propriedades, assim como armas de fogo e pedras preciosas; e medicamentos de fabricação própria também foram apreendidos.

Algumas das depoentes chegaram mesmo a dizer do tom de ameaça e de intimidação que ele lhes dirigiu depois de ter cometido os abusos sexuais contra elas, o que incluía até a vingança que poderia advir de espíritos malignos.

VI

No último dia 19 o senhor ministro Marco Aurélio Mello, um dos mais longevos da Corte, determinou a soltura de todos os presos que estavam/estão detidos em razão de condenações após a segunda instância da Justiça, acatando um pedido apresentado pelo PCdoB. Como assim? Ora, cada figurinha que compõe o STF se julga todo-poderosa o suficiente para querer impor a sua vontade e entendimento pessoal dos instrumentos legais, contrariando a decisão da maioria dos seus pares. E o senhor Marco Aurélio Mello fez isso no último dia de trabalho do tribunal. Digam-me: foi ou não foi um gritante absurdo? Foi ou não foi um acinte contra as pessoas de bem deste país?

Felizmente a ação do nobre ministro foi atacada de pronto pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pedindo a derrubada da decisão, o que veio a ser efetivado pelo presidente do STF, o ministro Dias Toffoli.

VII

Vi pessoas, homens e mulheres, diante das câmeras de TV, saindo em defesa do senhor João de Deus, o impoluto que meses atrás estampou a capa da revista Veja, e que, claro, vem alegando inocência.

É sempre assim. Nada que se diga em contrário poderá livrar as mulheres de serem as causadoras de todos os males que lhes afligem, porque até biblicamente a sentença é essa. Como esquecer que foi Eva que causou a “nossa” expulsão do paraíso?

VIII

Brasília ferve como dizem que ferve as profundezas do inferno. E de lá quase nunca sai coisa boa. Não é de hoje que se propaga a ideia de que o inferno está precisamente localizado nos subterrâneos do Planalto Central. Vade retro, satanás! 
 

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