Por Clênio Sierra de Alcântara
Vade retro, satanás! |
I
Acredito que o ser humano –
ou pelo menos a maioria dos seres humanos, o que não é o meu caso – tem uma
propensão a acreditar no sobrenatural por uma série de razões e/ou condições de
existência, como o medo do pós-morte, doenças, conflitos pessoais, etc.E em par
com isso e/ou se aproveitando disso, indivíduos surgem em tudo o que é canto
como intermediários de entidades sobrenaturais quase sempre buscando de alguma
maneira angariar uma vantagem sobre os contingentes que conseguem arrebanhar,
vantagem essa que normalmente diz respeito a valores pecuniários: eles deixam
bem claro que a graça não vem de graça, porque, sabemos todos, nada é de graça.
II
Não tenho cabedal para
tanto, não mantenho leituras que me instruam a respeito das entranhas e dos
espíritos das leis e de tudo isso a que chamam de ordenamento jurídico. Contudo,
acompanhando pelas redes de televisão e lendo reportagens aqui e ali, penso que
meu parco entendimento dos mecanismos da Justiça que é praticada neste Brasil
varonil, são suficientes para que eu, a exemplo de milhares e com certeza
milhões de expectadores e leitores, compreenda que alguma coisa anda errada
naquele Supremo Tribunal Federal (STF), dando-me a impressão de que vossas
excelências, os ministros da Corte Suprema, em vez de fazer valer um
entendimento coletivo que foi estabelecido por seus pares, agem individualemnte
contra eles, dando a entender que ou estão desafiando por birra os demais e/ou
simplesmente brincando com a Justiça ou de fazer Justiça a seu bel-prazer.
III
Graça também rima com
desgraça. Não sei se todas as mulheres, a começar pela coreógrafa holandesa
Zahira Mous, que decidiu expor publicamente os abusos dos quais foi vítima,
conseguiram alcançar as graças que ansiavam conquistar visitando a Casa Dom
Inácio de Loyola, localizada na cidade de Abadiânia, o interior de Goiás, onde
há mais de 40 anos vinha dando plantão o líder espiritual João Teixeira de
Faria conhecido, vejam só, como João de Deus. Mas presumo que em alguma medida
as até agora mais de trezentas mulheres que estão acusando o senhor João de
Deus – o que inclue até uma filha dele, que declarou que começou a ser abusada
pelo pai quando ainda era uma criança – de abuso e assédio sexual ficaram, cada
uma delas, com um naco de desgraça e de sofrimento.
IV
Foi em 2016 que a maioria
dos ministros do STF votou e autorizou prisões após a condenação em segunda
instância, um verdadeiro marco na história do judiciário brasileiro, até então
conhecido como uma seara em que réus poderosos e endinheirados se valiam de
toda sorte de chicanas e protelações, adiando para todo o sempre as sentenças
condenatórias. Desse modo, personagens bastante conhecidos, como o senhor Paulo
Maluf, conseguiram escapar durante décadas das garras da injusta Justiça
brasileira, aproveitando o bem-bom proporcionado pela dinheirama proveniente
das ações ilícitas que amiúde praticaram.
Esse avanço institucional
vem desde então sendo atacado pelos réus, claro, por seus defensores e por
todos aqueles saudosos do Brasil essencialmente arcaico e corrupto no qual
tudo de ruim eles poderiam fazer sem que fossem parar atrás das grades e nem
ser obrigados a devolver aos cofres públicos os milhões que de alguma maneira
surrupiaram. Que gente desse calibre busque de todas as formas escapar das
condenações que merece se compreende, mas ver que membros do próprio STF se
pronuncia e dá canetadas com argumentos de pretenso benefício coletivo, ou
seja, que se estende a todas as camadas da sociedade e não necessariamente aos
ricos de toda espécie, a mim me parece ser algo que beira não somente a
irresponsabilidade pura e simples, como também a defesa daquilo que de mais
nefasto e daninho pode grassar no seio de uma democracia, que são a impunidade
e a injustiça.
V
Pelo que até agora foi
levantado pelas diligências da Polícia Civil goiana, o senhor João de Deus é um
verdadeiro prodígio dos negócios escusos
- e não só sexuais -: milhares e milhares de reais foram encontrados em
esconderijos em suas propriedades, assim como armas de fogo e pedras preciosas;
e medicamentos de fabricação própria também foram apreendidos.
Algumas das depoentes
chegaram mesmo a dizer do tom de ameaça e de intimidação que ele lhes dirigiu
depois de ter cometido os abusos sexuais contra elas, o que incluía até a
vingança que poderia advir de espíritos malignos.
VI
No último dia 19 o senhor
ministro Marco Aurélio Mello, um dos mais longevos da Corte, determinou a
soltura de todos os presos que estavam/estão detidos em razão de condenações
após a segunda instância da Justiça, acatando um pedido apresentado pelo PCdoB.
Como assim? Ora, cada figurinha que compõe o STF se julga todo-poderosa o
suficiente para querer impor a sua vontade e entendimento pessoal dos instrumentos
legais, contrariando a decisão da maioria dos seus pares. E o senhor Marco
Aurélio Mello fez isso no último dia de trabalho do tribunal. Digam-me: foi ou
não foi um gritante absurdo? Foi ou não foi um acinte contra as pessoas de bem
deste país?
Felizmente a ação do nobre
ministro foi atacada de pronto pela procuradora-geral da República, Raquel
Dodge, pedindo a derrubada da decisão, o que veio a ser efetivado pelo
presidente do STF, o ministro Dias Toffoli.
VII
Vi pessoas, homens e mulheres,
diante das câmeras de TV, saindo em defesa do senhor João de Deus, o impoluto
que meses atrás estampou a capa da revista Veja,
e que, claro, vem alegando inocência.
É sempre assim. Nada que se
diga em contrário poderá livrar as mulheres de serem as causadoras de todos os
males que lhes afligem, porque até biblicamente a sentença é essa. Como
esquecer que foi Eva que causou a “nossa” expulsão do paraíso?
VIII
Brasília ferve como dizem
que ferve as profundezas do inferno. E de lá quase nunca sai coisa boa. Não é
de hoje que se propaga a ideia de que o inferno está precisamente localizado
nos subterrâneos do Planalto Central. Vade retro, satanás!
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