1 de dezembro de 2018

Personas urbanas (20)

Por Clênio Sierra de Alcântara

Vivendo e aprendendo a jogar
Nem sempre ganhando
Nem sempre perdendo
Mas, sempre aprendendo a jogar.

                                      Aprendendo a jogar. Guilherme Arantes


Legítima defesa. Há tempos eu venho buscando preencher o meu pensamento com a ideia precisa de uma, digamos, autoproteção. Mas não é uma autoproteção do tipo de portar arma de fogo, usar colete à prova de bala, andar com capangas e coisas do tipo. Não é nada disso. Eu quero dizer aqui da autoproteção no sentido de quem não somente se dá o devido respeito e valor, mas também no de quem encara a vida de verdade, de cabeça erguida e fala de si com conhecimento pleno de causa, sabe? Reconhecendo pontos fracos e tendo consciência do que positivamente é capaz de realizar.

Nem sempre eu tive ímpeto, coragem, determinação e força para agir em minha própria defesa. Durante praticamente quase a metade do tempo que eu até agora vivi, vigorou em mim, preso ao meu pensamento, o império do medo e da sujeição.

A educação que me deram não propiciou que eu, desde cedo, atentasse para o entendimento de que viver exige de cada um nós uma determinação que não tem como caber na esfera da submissão. Pelo contrário, a educação que eu recebi foi voltada para o temor, a resignação, o baixar a cabeça e o aceitar, sem contestação, as coisas e as pessoas como elas são. Mas eu consegui me educar mirando ao redor de mim; e vendo um desenrolar de vida que não poderia ser dobrada e acondicionada dentro de uma caixinha. E, assim, eu consegui de algum modo me rebelar e resistir bravamente a uma série de verdades e imposições tidas como absolutas e inquestionáveis.

E não mais baixei a cabeça. E não mais me escondi. E não mais tive de ficar me explicando. E não mais deixei que a reserva moral e ética dos outros ceifassem o meu entendimento e questionamento do mundo. E não mais me vi como alguém que tem sempre de se manter quieto, calado, conformado e sem expressar opinião. E não mais quis fazer de minha vida um decalque de outras vidas tidas supostamente como melhores do que a minha. E não mais abri mão dos meus pequenos prazeres. E não mais me vi inclinado a sempre dizer que sim. E não mais espalhei pela casa enfeites de Natal. E não mais dei ouvidos a pregações religiosas. E não mais aceitei pedidos de desculpas de quem me sacaneou. E não mais voltei para ver se a porta estava mesmo fechada.  E não mais escamoteei a minha insatisfação. E não mais reprimi o meu desejo. E não mais relevei a provocação. E não mais disfarcei a minha vontade de chorar de alegria ou de tristeza.

É preciso muita coragem, força e determinação para enfrentar o mundo e todo o seu arsenal de males.

Eu não tenho do que reclamar da vida, não. Eu nunca quis ser um Michael Jackson, um Lima Duarte, um Augusto dos Anjos, nada disso. Eu olho para a minha vida tentando, no mais das vezes, não lamentar pelos infortúnios e pelos horrores que couberam nela, porque vida não é para isso; vida é para corrigir falhas, é para suturar cortes, é para fazer cessar a dor, é, enfim, para ser de alguma maneira bem aproveitada. Eu não tenho do que reclamar da vida, não, porque o que eu ambicionei realmente conquistar eu conquistei, que é a minha liberdade de existir como eu penso que deve ser, apesar dos – e talvez por causa deles – conflitos de toda ordem que estão ao meu redor.

Aqui e ali, no que venho escrevendo, eu deposito um pouco de minhas vivências; e vou dizendo de mim material suficiente para o início da construção da memória de minha pessoa. Eu venho construindo minha obra como quem constrói uma casa para nela se abrigar. Não costumo esconder minhas imperfeições. Pelo contrário. Eu quero que elas fiquem bem à mostra. Não quero e nem me imagino escrevendo uma versão fantasiosa de minha vida.

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