Vivendo
e aprendendo a jogar
Nem sempre
ganhando
Nem sempre
perdendo
Mas,
sempre aprendendo a jogar.
Aprendendo
a jogar. Guilherme Arantes
Legítima
defesa. Há tempos eu venho buscando preencher o meu pensamento
com a ideia precisa de uma, digamos, autoproteção. Mas não é uma autoproteção
do tipo de portar arma de fogo, usar colete à prova de bala, andar com capangas
e coisas do tipo. Não é nada disso. Eu quero dizer aqui da autoproteção no
sentido de quem não somente se dá o devido respeito e valor, mas também no de
quem encara a vida de verdade, de cabeça erguida e fala de si com conhecimento
pleno de causa, sabe? Reconhecendo pontos fracos e tendo consciência do que
positivamente é capaz de realizar.
Nem sempre eu tive ímpeto,
coragem, determinação e força para agir em minha própria defesa. Durante praticamente
quase a metade do tempo que eu até agora vivi, vigorou em mim, preso ao meu
pensamento, o império do medo e da sujeição.
A educação que me deram não
propiciou que eu, desde cedo, atentasse para o entendimento de que viver exige
de cada um nós uma determinação que não tem como caber na esfera da submissão. Pelo
contrário, a educação que eu recebi foi voltada para o temor, a resignação, o
baixar a cabeça e o aceitar, sem contestação, as coisas e as pessoas como elas
são. Mas eu consegui me educar mirando ao redor de mim; e vendo um desenrolar
de vida que não poderia ser dobrada e acondicionada dentro de uma caixinha. E,
assim, eu consegui de algum modo me rebelar e resistir bravamente a uma série
de verdades e imposições tidas como absolutas e inquestionáveis.
E não mais baixei a cabeça. E
não mais me escondi. E não mais tive de ficar me explicando. E não mais deixei que
a reserva moral e ética dos outros ceifassem o meu entendimento e
questionamento do mundo. E não mais me vi como alguém que tem sempre de se
manter quieto, calado, conformado e sem expressar opinião. E não mais quis fazer
de minha vida um decalque de outras vidas tidas supostamente como melhores do
que a minha. E não mais abri mão dos meus pequenos prazeres. E não mais me vi
inclinado a sempre dizer que sim. E não mais espalhei pela casa enfeites de
Natal. E não mais dei ouvidos a pregações religiosas. E não mais aceitei
pedidos de desculpas de quem me sacaneou. E não mais voltei para ver se a porta
estava mesmo fechada. E não mais
escamoteei a minha insatisfação. E não mais reprimi o meu desejo. E não mais
relevei a provocação. E não mais disfarcei a minha vontade de chorar de alegria
ou de tristeza.
É preciso muita coragem,
força e determinação para enfrentar o mundo e todo o seu arsenal de males.
Eu não tenho do que reclamar
da vida, não. Eu nunca quis ser um Michael Jackson, um Lima Duarte, um Augusto
dos Anjos, nada disso. Eu olho para a minha vida tentando, no mais das vezes,
não lamentar pelos infortúnios e pelos horrores que couberam nela, porque vida
não é para isso; vida é para corrigir falhas, é para suturar cortes, é para fazer
cessar a dor, é, enfim, para ser de alguma maneira bem aproveitada. Eu não
tenho do que reclamar da vida, não, porque o que eu ambicionei realmente
conquistar eu conquistei, que é a minha liberdade de existir como eu penso que
deve ser, apesar dos – e talvez por causa deles – conflitos de toda ordem que
estão ao meu redor.
Aqui e ali, no que venho
escrevendo, eu deposito um pouco de minhas vivências; e vou dizendo de mim
material suficiente para o início da construção da memória de minha pessoa. Eu venho
construindo minha obra como quem constrói uma casa para nela se abrigar. Não costumo
esconder minhas imperfeições. Pelo contrário. Eu quero que elas fiquem bem à
mostra. Não quero e nem me imagino escrevendo uma versão fantasiosa de minha
vida.
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