11 de janeiro de 2019

Quarenta e cinco voltas na roda-gigante

Por Clênio Sierra de Alcântara

Hoje é meu aniversário
Corpo cheio de esperança
Uma eterna criança, meu bem [...]
Hoje eu escolhi passar o dia cantando
De hoje em diante
Eu juro felicidade a mim
Na saúde, na saúde, juventude, na velhice
Vou pelos caminhos brandos
A minha proposta é boa, eu sei. Meu aniversário. Vanessa da Mata


Foto: Internet

A felicidade pode estar em qualquer mínima coisa, não é? Mas não nos esqueçamos que felicidade é só um dos muitos ingredientes da vida

A mais remota lembrança que eu guardei de uma das festinhas de aniversário que a minha muito guerreira mãe fez para mim, foi de quando eu completei cinco anos. Morávamos numa casinha de aluguel no bairro Alto da Bela Vista, em Abreu e Lima. É muito nítida em minha memória a torta linda que enfeitava a mesa. Recordo bem daquela torta, cujos "lados" eram salpicados com amendoim esfarelado e a cobertura era vermelha e preta, formando uma composição geométrica delineada por um glacê branco, porque eu viria em outras festinhas na minha cidade, tortas iguais àquela.

Foi mesmo inesquecível aquele comecinho de noite. Compareceram a simples celebração pouquíssimas pessoas, como os filhos dos meus padrinhos e os filhos de uns compadres deles. Cantaram o “Parabéns a você”. E quando cortaram a torta, como era de praxe, perguntaram para quem seria o primeiro pedaço. Eu não me fiz de rogado: peguei o pratinho e o ofereci à Luciana, filha dos compadres dos meus padrinhos, porque, aos meus olhos, ela era a coisa mais linda do mundo naquele momento. Foi uma decepção geral, porque todos pensavam que eu repassaria o pratinho para mainha, porque, segundo a tradição, a primeira fatia do bolo o aniversariante deve oferecer à pessoa mais importante de sua vida, caso ela esteja presente.

Quarenta anos se passaram desde aquele comecinho de noite. E eis que eu estou aqui hoje, neste 11 de janeiro, celebrando mais um ano de vida não com toda a pompa e circunstância, mas com uma inteira consciência de mim. Carregando comigo um sem-número de alegrias e tristezas, acertos e erros, prazeres e dores, ganhos e perdas, paixões e desamores e uma porção de outras coisas boas e ruins que alinhavaram ponto por ponto, numa costura interminável, o tecido de minha vida.

Não me assusta o fato de eu ter chegado a estes quarenta e cinco anos  sem haver constituído família; sem ter adquirido uma casa para morar; sem dispor de bens para incluir na declaração do imposto de renda; e ainda fazendo par com a solidão. Nada disso me assusta e nem consegue sequer fazer com que eu me sinta um fracasso, como no começo da juventude eu me sentia, tamanha era a pressão em volta “para que tudo desse certo” e eu fosse “bem sucedido”.

Não sou do tipo que olha para a vida como quem deve seguir uma receita e/ou uma lista de obrigações que o viver supostamente exige de cada um para que ele possa ser apontado na rua ou seja onde for e dele ser dito: aquele sujeito realmente passou pela vida e viveu, porque é uma pessoa vitoriosa. Como assim?! O que é ser vitorioso na vida?

Muitas, a bem da verdade, a maioria das, por assim dizer, respostas ao suposto alcance da propagandeada plenitude da vida, eu consegui dar, felizmente, lá atrás, no tempo dos meus vinte e poucos anos. Foi naquele período que eu tratei de arrancar de dentro de mim a imposição e a obrigação dos ideais e anseios ditos coletivos e universais. E, uma vez tendo conseguido isso, passou a circular bem afastado de mim esse “modelo de vida perfeita”.

Não me vejo obrigado a casar e muito menos a ter filhos. Não me sinto pressionado a negar a natureza dos meus relacionamentos afetivos e/ou encontros casuais que mantenho e/ou mantive  com homens e mulheres. Não me associo a “clubes” e a “grupos” que se apresentam como portadores de toda ética, moralidade, honestidade e virtude que existem. Não me revelo como seguidor de qualquer doutrina que seja. E não me apresento como exemplo e nem como modelo do que quer que exista. E eu busco, isso sim – e é o que de fato me basta -, ser um homem livre na medida do que me é possível sê-lo.

Nestes quarenta e cinco anos de vida eu quebrei muito a cara. E levei muitas rasteiras. E acreditei em um monte de bobagens. E parti o coração de algumas pessoas. E chorei pelos cantos. E abandonei um monte de gente. E me acovardei diante de várias situações. E agi diversas vezes com desonestidade. E fui ludibriado. E deixei de acreditar em certos amores que me foram ofertados. E guardei uma porção de rancores. E me livrei de pensamentos ruins. E aprendi a dizer não.

Certa feita eu escrevi num poema que a minha vida é uma roda-gigante em movimento contínuo. Hoje eu estou completando quarenta e cinco anos de idade. E espero poder viver durante o tempo que for suficiente para que eu possa dizer de mim o que eu ainda não sei e/ou não consigo dizer.

3 comentários:

  1. Mas que bela reflexão para nos presentear no dia do seu aniversário! Obrigada! Que continues em "imperfeita mutação", nos inspirando com suas palavras. Abraço!

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  2. Obrigado, querida!Viver é um desafio permanente.

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  3. mensagem de coragem, superação porque não dizer, força e e principalmente a busca de plena liberdade. Eis aqui a minha singela admiração. E feliz aniversário.levarei para sempre a mensagem de coragem. Raimundo nonato ..... Neguinho

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