Fotos: Arquivo do Autor Igreja de Nossa Senhora da Penha: a matriz olha para o centro da cidade abençoando Serra Talhada |
No indispensável Dicionário corográfico, histórico e
estatístico de Pernambuco, do diligente Sebastião de Vasconcellos Galvão,
quem buscar o verbete sobre Serra Talhada, cidade que dista a cerca de 381 km
do Recife, deve recorrer ao antigo nome do lugar, Vila Bela, visto que a
referida obra veio a lume pela primeira vez em 1927, ou seja, onze anos antes
de o município passar a ser chamado de Serra Talhada. Propriamente no verbete “Talhada”,
ele escreveu assim: “Serra – situada no
municipio de Villa Bella a 3 kilometros ao norte da séde; é curiosa pela forma
esquisita, talhada de cima a baixo, caprichosamente, de modo a formar uma
verdadeira curiosidade da natureza"(Sebastião de Vasconcellos Galvão. Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco. 2ª ed. Recife: CEPE, 2006, p. 143).
Da varanda do Hotel Cactus uma visão privilegiada da serra que é um dos cartões-postais da cidade e que, inclusive, lhe dá nome |
Conta-nos esse incansável
pesquisador que a localidade começou a florescer em 1700 a partir de uma
fazenda de criar – possivelmente de criação de gado bovino e caprino, creio –
que pertencia a um português chamado Agostinho Nunes de Magalhães. A propriedade
tinha por nome Serra Talhada, “pela forma da montanha próxima, cortada a prumo” (Op. cit. ,p. 214);
e na fazenda, contando com o auxílio popular, ergueu uma igreja em louvor a
Nossa Senhora da Penha. Não há indicação de como e nem quando os primeiros
habitantes chegaram a essas terras. Sabe-se, contudo, que o local era um centro
de grande número de estradas que se cruzavam: a da ribeira do Rio Pajeú, à
margem do Rio São Francisco, a do Rio Cariri Novo, no Ceará, e a do Rio Piancó,
na Paraíba, entre outras. Não se pode esquecer de que, como bem destacou
Sebastião Galvão, a facilidade de acesso à água e a própria construção do
prédio eclesiástico, eram um enorme atrativo para um povo profundamente
religioso, de modo que “tudo favoreceu naquele sittio, a formação de um nucleo
que se fez povoado e cresceu, gradativamente” Op. cit., p. 215).
Coreto na Praça Sérgio Magalhães |
Fachadas antigas ainda resistem à fúria modernizante em Serra Talhada |
Foi a Lei provincial nº 52,
de 18 de abril de 1838, que desmembrou-a do território de Flores, dando-lhe a
categoria de freguesia – a freguesia de Nossa Senhora da Penha da Serra Talhada
-, tendo sido provida canonicamente e instalada pelo 1º Vigário, o Padre Felix
Marques Bacalhau.
Dez anos depois, quando
eclodiu na então província de Pernambuco a chamada Revolução Praieira, que se
alastrou pelo interior, organizou-se no município de Flores, do qual Serra
Talhada era distrito, uma reação contra os insurretos. E, de acordo com o
verbete da Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros, foi em decorrência de tal episódio que se estabeleceu o
município de Serra Talhada sob a denominação de Vila Bela, concretizado pela
Lei provincial nº 280, de 6 de maio de 1851, que transferiu para o povoado
daquele nome a sede do município de Flores, tendo sua instalação sido verificada
em 9 de setembro do mesmo ano. A sede municipal obteve foros de cidade em
virtude da Lei estadual nº 991, de 1º de julho de 1909.
Conforme vai dito na Divisão
administrativa de 1911 e o quadro de Divisão administrativa concernente a 1933,
contido no Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, Vila Bela
possuía três distritos: o da sede; e os de São Francisco e São João do Barro
Vermelho – este último, em 1911, era denominado apenas de Barro Vermelho. Nos quadros
de divisão territorial datados de 31 de dezembro de 1936 e 31 de dezembro de
1937, bem como o anexo ao Decreto-lei estadual nº 235, de 9 de dezembro de
1938, àquele quadro foi acrescentado o distrito de Sítios Novos.
Ocorreu que, ainda em 1938,
por força do Decreto-lei estadual nº 235, de 9 de dezembro, que estabeleceu a
divisão territorial para vigorar no quinquênio 1939-1943, o município de Vila
Bela passou a denominar-se Serra Talhada, composto pelos distritos de Serra
Talhada, Bernardo Vieira, Pajeú e Tauapiranga, nomes dados, respectivamente, aos antigos distritos de Vila Bela, Sítios Novos, São Francisco e São João do Barro Vermelho. Deve ser dito
ainda que a cidade de Vila Bela sofreu também alteração toponímica para Serra
Talhada em virtude do Decreto-estadual nº 336, de 15 de junho de 1939.
A Divisão territorial
judiciário-administrativa do Estado de Pernambuco estabelecida pelo Decreto-lei
estadual nº 952, de 31 de dezembro de 1943, que vigorou no quinquênio
1944-1948, conservou o município com a mesma composição distrital fixada para o
quinquênio anterior.
A Lei municipal nº 24, de 2
de dezembro de 1948 criou o distrito Caiçarinha da Penha. Segundo a Lei nº
1819, que dispôs sobre a Divisão administrativa e judiciária do Estado, o
município aparece composto pelos distritos de Serra Talhada, Bernardo Vieira,
Caiçarinha da Penha, Luanda, Pajeú e Tauapiranga. A comarca foi criada pela Lei
provincial nº 1057, de 7 de junho de 1872. Nos quadros de divisão territorial
datados de 31 de dezembro de 1936 e 31 de dezembro de 1937, bem como no anexo
ao Decreto-lei estadual nº 92, de 31 de março de 1938, o município de Vila Bela
aparece como termo judiciário da comarca do mesmo nome, a qual era formada
pelos termos de Vila Bela e Belmonte. Essa mesma situação é verificada na
Divisão territorial fixada pelo Decreto-lei estadual nº 235, de 9 de dezembro
de 1938, para o quinquênio 1939-1943. De acordo com o Decreto-lei estadual nº
952, de 31 de dezembro de 1943, que fixou a Divisão territorial judiciário-administrativa
do Estado, em vigência no quinquênio 1944-1948, a comarca de Serra Talhada
perdeu o termo de São José do Belmonte, que foi desanexado para constituir a
comarca de mesmo nome. Deste modo, no referido quadro, Serra Talhada passou a
abranger apenas o termo-sede.
Acompanhando a descrição de
todos esses decretos e leis, verificamos quão dinâmicas eram as divisões
territoriais e administrativas, ora expandindo, ora apequenando os espaços que
compunham os municípios.
O crescimento urbano de
Serra Talhada seguiu a dinâmica de uma economia que era quase toda ela baseada na
agropecuária. O surto de “modernização” e “progresso” da cidade propriamente
dita, verificado, ao que parece, a partir da década de 1940, quando inúmeros imóveis foram
demolidos para abrir ruas - em 1953, por exemplo, algumas edificações foram postas abaixo para que fosse aberta a Rua Agostinho Nunes Magalhães, ligando a Praça Sérgio Magalhães à Rua Enock Ignácio de Oliveira - será o
marco de um, digamos, início da perda de sua memória urbana, porque, afora
essas demolições, se verificara um acentuado processo de descaracterização de
inúmeros prédios, sepultando características arquitetônicas do passado.
Segundo um levantamento concebido para ser publicado na Enciclopédia
dos Municípios Brasileiros, aparecida em 1958, Serra Talhada que, por esse
tempo, era servida pela Rede Ferroviária do Nordeste, que a ligava à capital,
dispunha de 31 logradouros, sendo oito pavimentados, um arborizado, um
ajardinado e um arborizado e ajardinado. Havia setecentas casas dispondo de
energia elétrica; e era uma realidade a iluminação pública. Existiam uma
agência dos Correios e Telégrafos e uma do Banco do Brasil. Registrados na
repartição competente contavam-se vinte e dois automóveis, oito jipes, seis camionetas
e setenta e três caminhões. O comércio varejista contava com vinte e quatro
estabelecimentos; e existia uma cooperativa de crédito. Eram duas as unidades
de saúde: o Hospital Regional Agamenon Magalhães; e o Posto de Puericultura
Ageu Magalhães. A cidade dispunha também de uma biblioteca cujo acervo não
chegava a mil volumes, um cinema – o Cine Arte -, doze hotéis e uma pensão. No ano
de 1956 foram elencadas uma unidade de ensino pré-primário, trinta e cinco de
ensino primário fundamental comum, com 1889 alunos matriculados, vinte do
ensino supletivo e duas de ensino secundário (Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, vol. XVIII, p. 278. As informações referentes a decretos e divisões administrativas também foram colhidas nessa obra).
*
* *
Foi na tarde do dia 26 de
novembro de 2015 que eu pus os pés pela primeira vez na tão falada e quente
terra do cangaceiro Virgulino Ferreira, o Lampião, e ali passei quase quarenta
e oito horas.
Hospedei-me no Hotel Cactus, na principal praça do lugar, a Praça Sérgio Magalhães. E, como é costumeiro nas andanças que eu faço nessas viagens de conhecimento de sítios urbanos, viagens essas que eu digo que são muito mais de formação do que de puro e mero prazer e desfrute, aproveitei para andar de um lado para outro daquela cidade, buscando ver suas formas, seus recantos, suas ruas, seus prédios, seus espaços vazios e sua gente.
Bem pertinho do centro da cidade o esgoto correndo a céu aberto. O mundo rural está bem próximo do espaço urbano |
A tal estátua do Cristo |
Da varanda do hotel eu tinha
uma visão privilegiada da tal Serra Talhada, de granito, origem do nome da cidade,
e que é uma ramificação do sistema de montanhas da Borborema. A serra domina de
modo soberano a paisagem do lugar; e é algo bonito de se ver. Eu queria ter
tido a oportunidade de poder avistar a cidade lá do alto daquele monte
majestoso.
A mim me pareceu não muito convidativa e
nem acolhedora a Praça Sérgio Magalhães para passeio e nem para permanência. Na
ocasião de minha visita – e lá se vão quase cinco anos – eu vi um mobiliário
acanhado, um coreto que resistiu às investidas modernizantes e um paisagismo pobrezinho. Mas uma coisa merece ser ressaltada: tanto essa praça como outras que eu conheci na cidade estavam bem lipas e cuidadas. Limpas, aliás, como também encontrei a maioria das ruas pelas quais eu andei.
Em tempos idos o entorno
da Praça Sérgio Magalhães concentrava um expressivo casario remanescente em grande parte dos
anos iniciais do século passado e que foi pouco a pouco sendo transformado completamente;
atualmente podemos encontrar poucas construções que conservam fachadas antigas,
porque, também em Serra Talhada, a modernização urbana consistiu em pôr abaixo
prédios e construções que remontavam a outras épocas, como se eles nada
dissessem da memória e da história da cidade, o que é lamentável.
Fui até a Igreja de Nossa
Senhora da Penha, que não é a primitiva que um dia existiu; a outra foi
demolida para dar lugar a que hoje existe. Esse prédio eclesiástico é um dos
mais significativos de toda a urbe; e, ao seu redor, se encontram casas e
construções outras que são exemplares que resistiram à fúria demolidora/renovadora
que chegou à cidade décadas atrás.
Na manhã do meu segundo dia
de estada em solo serra-talhadense, eu deixei o hotel às 09:30 h para continuar
flanando pelo território urbano tendo até ido um pouco para fora dele.
Andei por ruas dominadas por
estabelecimentos comerciais e também por outras onde predominavam residências. Aqui
e ali o antigo nome do município, Vila Bela, que hoje dá nome a um dos bairros
da cidade, aparece em fachadas de empreendimentos do comércio.
À medida que eu caminhava
por entre um e outro logradouro a triste percepção de perda de identidade
arquitetônica que marcara o meu pensamento na avaliação do entorno da Praça
Sérgio Magalhães não se estendeu para outros espaços da cidade. Pelo contrário,
eu vi que existe ali um grande número de imóveis que são, por assim dizer,
testemunhos de parte do passado distante da cidade.
Andei, andei, andei... Aos
meus olhos era tão feio aquele monumento Bom Jesus Ressuscitado que eu tratei
logo de desviar a vista dele. Passeei pelo bairro Alto do Bom Jesus. A precariedade
dos subúrbios fica bastante evidente assim que se deixa o centro da cidade. Os trilhos
do trem ali abandonados eram/são também eles marcos e símbolos de outra época. Casinhas
humildes. Esgoto correndo a céu aberto. A miséria querendo impor a sua vontade
sobre a vida das pessoas...
No calor intenso do dia e na
fria noite de Serra Talhada, onde uma lua deslumbrante encheu de boniteza o céu
daquele lugar, eu outra vez tive a oportunidade de conhecer mais um pedaço de
chão, de caminhar por ruas e espaços outros nos quais eu certamente pouco de
mim deixei e dos quais comigo eu trouxe tanto em pequenas partes talhadas para
guardá-las na lembrança e no meu corpo inteiro.
Cidade encantadora na Serra. Bela matéria
ResponderExcluirParabéns grande contribuição para nossa história.
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