6 de abril de 2019

Música como combustível da vida: entrevista com Márcio Mendes


Por Clênio Sierra de Alcântara

Foto: Divulgação
Márcio Mendes, um verdadeiro operário do showbiz nacional, continua esbanjando simpatia e levando alegria e suingue por este país afora



Não dava para ficar indiferente: todas as vezes que anunciavam a apresentação do Trio Los Angeles nos programas de TV da fervilhante década de 1980, eu, então um menino, corria para ver aquelas duas mulheres e aquele homem entre elas formando um conjunto tão bonito e harmonioso que cantava e dançava de modo supersensual e envolvente. A bem da verdade, eles eram anjos bem endiabradozinhos.


Criado em 1981 e lançado em 1982 pela gravadora RCA que, inclusive, escolheu o nome do grupo, o Trio Los Angeles era formado pelo requisitado modelo Márcio Mendes, por sua irmã Ana Maria e por uma amiga de ambos, Cléo Ferreira. A estreia aconteceu no programa Almoço com as Estrelas, apresentado por Lolita Rodrigues e Airton Rodrigues em 22 de abril de 1982, na TVS/SBT. O estouro deles aconteceu ainda naquele ano com o sucesso “Vamos dançar mambolê”, uma composição de Lucas Robles, Hélio Santisteban e Ann Chris que era o lado A do compacto que trazia no lado B nada menos do que o clássico “O xote das meninas”, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas. Na esteira desse primeiro hit, vieram os inúmeros convites para aparecerem nos programas de rádio e de televisão e para fazerem shows por este país afora.




 

Dois anos depois, coroando, por assim dizer, uma popularidade muitíssimo expressiva e impressionante, a música “Transas e caretas” (Michael Sullivan e Paulo Massadas) foi por eles gravada como tema de abertura da novela homônima da Rede Globo, exibida na faixa das 19:00 h.


Ao longo de todos esses anos o Trio Los Angeles teve várias formações, mas o irrequieto Márcio Mendes sempre permaneceu como uma espécie de espinha dorsal do grupo, buscando não apenas manter a chama da música acesa, como também ampliando os seus horizontes de atuação: de 2006 a 2009, por exemplo, ele apresentou o programa O Melhor da Vida com Márcio Mendes, no NGT (canal UHF de São Paulo); e chegou a tentar uma carreira solo.

 



Nascido Márcio Antônio Mendes, em 13 de setembro de 1949, na cosmopolita cidade de São Paulo, no bairro da Lapa,  esse verdadeiro operário do showbiz nacional permanece percorrendo o Brasil inteiro levando sua ginga, seu bom-humor e sua alegria para onde é chamado. 



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No mesmo dia em que foi exibida a derradeira edição do Vídeo Show – no último dia 11 de janeiro, dia do meu aniversário – eis que, como se fosse uma atração vinda direta do Túnel do Tempo, um dos quadros daquele programa, eu fui apresentado por meu amigo Sol Esoje, numa festa no Recife Antigo, ao famoso Márcio Mendes. Nossa, que barato! Desculpem o clichê, mas enquanto eu me mantive ao lado dele trocando figurinhas, um filme foi passando pela minha cabeça; e me chegaram à lembrança imagens do Trio Los Angeles se apresentando no Cassino do Chacrinha. E dois dias depois desse para mim agradável e caloroso encontro, eu fui prestigiar a apresentação dele como mestre de cerimônia do Concurso Miss Terceira Idade, na Ilha de Itamaracá, evento esse que integrou um conjunto de atividades voltadas para as comemorações dos 75 anos de vida da mais ilustre moradora daquela ilha, a cirandeira Lia de Itamaracá. Ao término do concurso, Márcio Mendes pacientemente me concedeu uma entrevista, enchendo a tarde daquele domingo com essa coisa muitíssimo prazerosa que é o de se sentir pleno na vida, algo que ele deixou transparecer durante todo o tempo em que permaneceu ali comigo. Aos 69 anos de idade, Márcio Mendes continua sendo um artista que se dedica com galhardia e entusiasmo ao seu ofício, esbanjando carisma e alegria por onde passa. Não tenho dúvida de que, para ele, a música seja o principal combustível de sua vida.




Como foi a sua carreira de modelo?


Eu comecei como modelo participando de um concurso de beleza. O Silvio Santos tinha um programa na antiga TV Tupi, em São Paulo, e elegeu o homem mais bonito do Brasil. Isso foi nos anos 60. Eu tinha 18, 19 anos. E eu fui candidato do concurso e fiquei em segundo lugar. Você vê que coisa incrível, né? Aí eu parti para a moda, com vinte e poucos anos. Virei um modelo, um modelo de sucesso. Comecei como modelo fotográfico fazendo vários comerciais de foto e comerciais de filmes de publicidade também, inclusive, cremes hidratantes. Aí eu virei um manequim famoso. Fui para a Mesbla. Você lembra da Mesbla?


Havia uma Mesbla bem grande no Recife.


Fizemos a Mesbla Brasil. Foi quando eu aprendi a me comunicar com o povo, porque a Mesbla fazia o desfile totalmente bem popular, entendeu? Inclusive aqui, no Recife. Eu lembro que a gente fez durante três anos a turnê no Brasil inteiro. Depois de muito sucesso, muitos desfiles na Fenit (Feira Nacional da Indústria Têxtil considerada a precursora da São Paulo Fashion Week) no Rio de Janeiro, no Brasil inteiro, eu fui convidado com a Ana e com a Cléo, as primeiras, para fazer um teste na gravadora RCA para lançar o Trio Los Angeles. Isso foi no dia 15 de novembro de 1981. Fizemos o teste e fomos aprovados para montar o Trio Los Angeles. Gravamos o “Mambolê”, que vendeu 4 milhões de cópias, que eu ganhei até um carro de presente na época, um carro esporte da gravadora. Comecei a fazer show e comecei a investir na minha carreira, entendeu? Junto com as meninas, a Cléo e a Ana. Foram quinze anos de sucesso, muito sucesso. Aí eu comecei a fazer um trabalho solo, eu tenho um trabalho solo bacana gravado, mas não rolou o solo, porque a minha marca é o Trio Los Angeles. Quando foi mais ou menos há uns vinte anos atrás, eu remontei o trio com duas meninas novas. Aí eu estou hoje com o Trio Los Angeles, que é um sucesso. Tenho minha banda, meus músicos, tenho dois backing vocals, tenho duas bailarinas. É um show maravilhoso, é um show grande.


O Trio Los Angeles é um dos ícones incontestáveis do cenário musical brasileiro da década de 80. Houve dificuldades para se firmar num período de diversificada e numerosa produção no universo da música?


Eu tive problemas nos anos 80 porque as gravadoras não investiam em produção de visual. Como eu vinha da moda com a Cléo e com a Ana, eu comecei a fazer moda com música. Então a gente, sem querer, se destacou na música com a roupa. Era um visual totalmente maravilhoso, diferente. Inclusive, ajudou muito a me tornar conhecido no Brasil inteiro.


Foto: Sol Esoje
Eu e Márcio Mendes na tarde em que ele me concedeu esta entrevista: alegria e bom humor a toda a prova



Impossível falar do saudoso Cassino do Chacrinha e não lembrar das apresentações do seu grupo nele. Havia disputas nos bastidores para conseguir se apresentar no programa? Houve alguma coisa engraçada nesse programa ou em outros que ocorreu e não veio a público?


Olha, a gente fazia muito sucesso. E naquela época já existia uma palavra chamada Ibope, e o Trio Los Angeles sempre deu muito Ibope. Tanto é que a gente fazia muito televisão e as TV’s disputavam a presença do Trio Los Angeles. Da minha parte, nada era pago. A minha gravadora na época era a RCA, uma multinacional, né? Uma gravadora rica e investiu muito pouco na gente, porque a gente fez muito sucesso. A gente caiu no gosto do público rapidamente. A gente recebeu vários discos de ouro, de platina, de brilhante. Tudo isso eu tenho na minha casa guardado, eu tenho uma sala só disso. E eu tenho amigos, né? Produtores musicais...


Uma coisa engraçada que aconteceu.


Nos programas de TV muita coisa engraçada aconteceu, mas não me vem à memória. Tipo assim, por exemplo, as meninas usavam uns amarrados e alguns amarrados desamarravam e elas ficavam de calcinha e sutiã. Aí tinha de gravar de novo o programa, não era ao vivo. Uma coisa engraçada, por exemplo, aconteceu no Viva a Noite, do Gugu. A gente fez o primeiro programa. E eu lembro que eu escorreguei no programa. Estavam o Trio Los Angeles e Fafá de Belém. Fafá de Belém foi quem me levantou. Uma coisa muito gozada. O Gugu fez o lançamento do Viva a Noite com o Trio Los Angeles e com Fafá. E eu lembro que eu escorreguei inclusive, sabe, num... Tinha uma máquina de fumaça na época, que soltava um líquido. Eu pisei naquele líquido e escorreguei, eu, Ana e Cléo.


Na hora de se apresentar foi?


Na hora de se apresentar. Só que o programa era gravado. Mas a coisa foi tão engraçada que isso foi pro ar.


E essa história do interior de Minas Gerais?


Nós fomos fazer um show em Uberaba, no Triângulo Mineiro. E lá nós tínhamos um público de 90 mil pessoas numa feira agropecuária. Noventa mil pessoas para ver o Trio Los Angeles. Era uma coisa monstruosa. Até hoje tem. Eu lembro até que, quando acabou o show... Assim, o meu empresário colocava o meu quarto ao lado do quarto de Cléo e de Ana. E elas começaram a gritar: “Márcio, pelo amor de Deus, me socorre!”. Tinha dois caras dentro do guarda-roupa. Pegaram as duas nuas, na hora em que elas estavam tirando o sutiã, imagine. Aí vieram os seguranças, o gerente do hotel. E os caras foram postos pra fora. Eram garotos de 15, 16 anos. De repente, sei lá, era uma atração de sexo mesmo.


No auge da carreira vocês faziam muitos shows?


Nós fazíamos muitos shows, muitos. Eu não tinha tempo pra nada. Nós tínhamos avião particular. Se eu, por exemplo, tivesse o sucesso hoje que o Wesley Safadão e a Ivete Sangalo têm, e eu fazia esse sucesso com o Trio Los Angeles, eu estaria trilionário. Só que na minha época não tinha esses cachês milionários que tem hoje.


Trabalhou muito sem ganhar muito, né?


Não, a gente ganhava bem, mas não como hoje. Eu vou te dar um exemplo. O Pelé, por exemplo, na época dele não tinha cachê milionário como tem o Neymar hoje. Eu tenho minhas coisas, mas eu não sou milionário. Eu tenho um carro bacana, eu tenho uma casa bacana, mas eu não sou milionário. Eu sobrevivo do meu trabalho ainda. Mas sou feliz. Eu amo o que faço.


É indiscutível que, afora o tom sensual das músicas de vocês, havia também um apelo carregado de certo erotismo nas roupas que você e principalmente as suas companheiras de grupo usavam. Considerando este ponto você percebia que isso facilitava a entrada do Trio Los Angeles nos programas de TV? As garotas e mesmo você sofriam muito assédio do tipo: “Você só vai se apresentar no programa se sair comigo”?


Não, isso não acontecia. Jamais. Sabe por quê? Era assim: a sensualidade delas era eu que fazia. Aquelas roupas todas que vocês viam, eu tinha uma costureira só para nós, contratada. Ela construiu uma casa nos anos 80, nos anos 90, só fazendo roupas para nós. Ela trabalhava bastante. A gente pagava a ela bem, entendeu? As roupas sensuais que você via não eram vulgares. Eram apenas umas roupas transparentes. Se você for pegar as capas dos meus discos, por exemplo, do meu primeiro lp, eu estou com a Cléo e a Ana no mar assim (faz o gesto), com a mão levantada, e elas estão com o seio de fora com uma camisa social branca. É muito sensual aquilo. Mas era uma coisa que, por exemplo, na época era um escândalo realmente, mas não acontecia assédio tipo assim: “Quero sair com você”, de diretor de programa. Também ele sabe pra quem vai pedir. Tinha cantoras que saíam, elas não saíam. E era a minha irmã, né? 



Também tinha isso, você cuidava dela.


Veja bem, eu nunca tolhi a Ana. Sou bem mais velho que ela. Eu cuidava dela, mas eu nunca cortei dela o que ela queria fazer. Se ela quisesse sair, por exemplo, com diretor de televisão ou de gravadora, que saísse, era problema dela, entendeu? Agora, elas não tinham essa imagem de meninas que saíam em troca de alguma coisa.


Com inúmeras formações ao longo do tempo, o Trio Los Angeles permanece em atividade. Como você se vê inserido num cenário musical dominado pelo que se convencionou chamar de sertanejo?


Veja bem, o meu trabalho hoje não é um trabalho, por exemplo, assim, eu não sou um artista que dependo hoje de fazer sucesso por causa do sertanejo. Eu não sou nem MPB. E não sou forró...


Você se encaixa como musicalmente?


Eu me encaixo numa música latina popular brasileira. Pega o forró que eu cantei “Alô loirinha do cabelo cacheado” (cantando). Tem um arranjo latino-forró, entendeu o que eu estou dizendo? O que eu faço é um trabalho totalmente latino moderno. Agora, eu adoro forró. Não adianta. E eu tenho uma banda... Eles são maravilhosos. Eles são gente boa. Eles me amam e eu amo eles. A abertura do meu show é maravilhosa. Produção linda, que esse santo que está aqui faz para mim. Vagner (Fabris) cuida da minha carreira, do meu trabalho. E não é estrela, é humilde. O que você pedir ele vai te fazer. Então eu aprendi que todo mundo que trabalha comigo tem de ser como eu sou, porque se não, não fica.


Como ocorreu o seu ingresso na TV como apresentador e por que você se dedicou a um programa voltado para os idosos?


O programa na NGT veio por causa dos concursos. O programa foi uma consequência dos concursos. Eu fazia júris. Lembra do Jair Rodrigues, o cantor? Lembra de um cara chamado Odair José? Nós três fazíamos júri para alguns concursos que tinha na Grande São Paulo, mas era tudo malfeito.


Concurso de terceira idade?


Em São Paulo isso já existe desde os anos 90. Só que era uma coisa malfeita, quando Vagner me chamou para a gente começar a fazer os concursos e organizar com as Prefeituras.


Eu sei, porque o nosso amigo em comum Sol Esoje me contou, que você adora Pernambuco. O que é que neste lugar lhe atrai tanto?


Adoro. Acho que o que me atrai em Pernambuco é a Ilha de Itamaracá. Eu morei há dez anos no Recife. Meu empresário vendeu oito shows pra mim, Vagner com outro empresário que eu tinha. E eles quiseram vir pra cá. Aí eu fiquei um mês. Passou um mês e eu disse: “Não vou embora mais”. Acabei alugando um apartamento no Recife, em Boa Viagem. Então moramos eu, Vagner e Sara (Sara de Itamaracá, produtora). Felipe (sobrinho-enteado de Sara) era menino ainda. Só que eu fiquei um ano aqui e a coisa não rolava pra mim aqui, entendeu? Porque assim, as bandas daqui, na época, as bandas que estavam aqui elas, não sei te explicar, o mercado pra mim não abria. Aí tive que ir embora. E aí eu falei: “Já que cheguei a São Paulo eu vou fazer a ‘melhor idade’”. Eu adoro a ilha. A ilha é linda, é maravilhosa. Eu quero ajudar muito a ilha, sabe? Eu quero cuidar da ilha. Eu acho que eu vou conseguir ajudar a ilha. Nós temos que eleger um prefeito que conte comigo também um dia. Eu quero ajudar a ilha.

Márcio Mendes curtindo a Praia do Forte Orange, na Ilha de Itamaracá



São muitos anos cantando e se apresentando no palco. Quem são seus ídolos e influências no campo da música?


Desde criança eu sempre fui um cara muito dançante. Eu gosto de cantar, de dançar, de alegria. Na escola eu sempre participava de coral. Eu era um líder. Sempre tava na frente. Sempre toquei piano um pouquinho. O meu irmão tocava acordeon e eu cantava junto com ele, desde músicas latinas até música sertaneja, mas tudo no moderno. Sou um cara assim totalmente eclético. Gosto de tudo que é música. Um detalhe: todo o meu trabalho é voltado para aquela alegria de dança, de música, música para cima. Várias pessoas cantando junto comigo também eu acho bacana. Nos meus shows eu tenho participação assim de 50% com a plateia. É mais ou menos isso. Eu sou um cara feliz. Adoro música. Adoro viver. Meus ídolos são vários, mas os principais que eu mais me inspiro são Ney Matogrosso, que é um showman, e Maria Alcina, uma cantora dos anos 70 que eu sempre curti muito; eu acho ela maravilhosa; e ela é uma cantora latina-brasileira. Eu me inspiro muito neles, até nos trejeitos, muitas vezes, nos meus shows.


Márcio Mendes o que é ser artista para você?


É isso o que eu estou sendo aqui, agora. Ser amado por você. Ver o seu olho no meu show emocionado. Você tava quase vertendo lágrimas. É mentira? Ver você me entrevistando agora com esse carinho, com esse amor. Eu pegando na sua mão. Você ser meu amigo, entendeu? E você não esquecer de mim. Isso é ser artista. É amar você do jeito que você me recebeu ontem aqui na praia, a mim e ao Vagner. É isso. Ser artista é você ser respeitado, ser querido, ser amado.


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