Por Clênio
Sierra de Alcântara
Foto: Arquivo do Autor O professor José Luiz Mota Menezes no auditório do Museu do Estado de Pernambuco antes de começar a palestrar sobre o seu novo livro |
Alagoano da cidade do Pilar, onde
nasceu no dia 19 de março de 1936, o urbanista, arquiteto e historiador José
Luiz Mota Menezes é um desses forasteiros que emigraram para a capital
pernambucana e nela construíram uma carreira sólida e gloriosa, como ocorreu
também com o paraibano Ariano Suassuna e o norte-rio-grandense Nilo Pereira,
intelectuais, como ele, de boa e invejável cepa.
Amigo das minúcias e dos detalhes
o professor Zé Luiz, como eu costumo chamá-lo, o Vovôgode, como o chama um seu
neto, possui uma lista enorme de bons serviços prestados a Pernambuco, em
geral, e ao Recife, em particular, com uma série de estudos criteriosos que
tratam da formação do universo recifense desde os seus primórdios, no século
XVI, e das incessantes transformações pelas quais esse burgo passou e
vem passando ao longo de todo esse tempo.
Os oitenta e três anos de vida do
professor Zé Luiz não fizeram diminuir nele o seu grande interesse e o seu
empenho de se manter com a pena em dia, pesquisando, explicando e registrando
vários aspectos da memória urbana do Recife em estudos que sempre ganham o
status de obras referenciais.
No último dia 29 de maio eu
compareci às dependências do Museu do Estado de Pernambuco, na Av. Rui Barbosa,
no bairro das Graças, no Recife, para prestigiar mais uma vez o lançamento de
uma obra de autoria do incansável professor Zé Luiz. Tratou-se do livro
Palacetes e solares dos arredores do Recife, que contou com o patrocínio do
Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) e a produção do Bureau
de Cultura.
O que me levou àquela instituição
cultural naquele comecinho de noite de uma para mim muito movimentada
quarta-feira, não foi só uma, digamos, gratidão ao professor Zé Luiz pelo tanto
que eu já aprendi com os textos que ele escreveu não apenas sobre o território
recifense, como também a respeito de Olinda e da capital paraibana, e que
aparecem perfilados nas estantes de minha biblioteca. Fui até o Museu do Estado
de Pernambuco, naquele dia, levado igualmente por um sentimento de admiração e
porque não queria perder a oportunidade de estar ao lado e de ouvir um dos mais
brilhantes intelectuais que eu já conheci e que é possuidor, como diria o meu
amigo Edson Nery da Fonseca, de um sense
of humour admirável.
Como demorasse para chegar outra
leva de livros – a organização do evento subestimou a quantidade de pessoas que
afluiriam para ali a fim de saudar e adquirir a obra -, o autor resolveu
antecipar a apresentação do seu estudo falando ao público que o aguardava no
auditório.
Pouco depois do início de sua
palestra, que não foi demorada, ocorreu um problema no microfone e o professor
Zé Luiz levou a coisa no gogó mesmo. De modo muito didático, como é
característico de suas performances, o ilustre pilarense foi falando e exibindo
imagens do material do seu estudo – “A imagem é tudo”, ele disse, afirmando que
é discípulo da escola europeia de design -, deixando o tempo todo transparecer
nos seus gestos, na modulação de sua voz e no seu olhar o amor que ele sente
pelo Recife, pelo Recife que ele começou a conhecer ainda menino acompanhado
pelo pai e pelos passeios que fazia de bicicleta pelos recantos dessa cidade que logo o fascinou. “Toda cidade tem um início,
mas não um fim”, ele destacou; e essa é a razão por que, segundo ele, “Cada
geração conhece uma cidade diferente”. Sim, o Recife ainda segue conservando
muito de sua memória urbana, lembrou o professor Zé Luiz, sem deixar de dizer
que nela assistiu à derrubada de muitos imóveis e à transformação de várias de suas paisagens. E para
confirmar que é também um bom animador de plateia ele nos disse assim: “Vocês
não imaginam o trabalho que dá fazer um livro. E mais trabalho ainda escrever
as dedicatórias”. Risos e aplausos encheram o auditório depois dessa sua fala
de encerramento. E pouco a pouco as pessoas se dirigiram ao hall para entrar na filha e sair dali
depois de posar para fotos ao lado do mestre e, claro, levando uma dedicatória
no exemplar que adquiriram do livro.
Apesar de ter sido breve, a
palestra proferida pelo professor José Luiz Mota Menezes foi muito
esclarecedora e elucidativa não somente a propósito da obra que veio a lume
naquele dia, como também denunciadora de quem fez do estudo das cidades uma
missão e uma profissão de fé, percorrendo uma rota e um caminho, segundo as
suas próprias palavras, “sem se perder pelas veredas”.
Em sua explanação que foi, por
assim dizer, mais uma declaração do seu amor pelo Recife, tanto que a certa
altura ele chegou mesmo a dizer que aquele seu livro recém-publicado “Vai
ajudar a amar, a gostar dessa cidade bela”, o professor José Luiz Mota Menezes
poderia, naquela ocasião, recitar os versos de um outro alagoano de enorme
quilate como ele, Lêdo Ivo, que escreveu no seu “Recife, poesia”: “Amar mulheres,
várias/Amar cidade, só uma – Recife”. Só que não dava, não é professor Zé Luiz?
E por quê?
Talvez nenhum outro intelectual
pernambucano – Mario Sette está no seu encalço – tenha feito do Recife sua
cidade-pátria como o colosso chamado Gilberto Freyre. O Recife em Gilberto
Freyre é tão visceral quanto a sua propalada vaidade e a sua profunda
consciência de homem que veio ao mundo para escrever a respeito de tudo o que
lhe despertava interesse. E, no entanto, e, apesar desse apego e desse amor pela capital
pernambucana que ele sempre anunciava, o autor do Guia prático,
histórico e sentimental da cidade do Recife (1934) e de O Recife, sim! Recife, não! (1967) não
se importou em apoiar a destruição da Igreja do Senhor Bom Jesus dos Martírios
que existia no coração do bairro de São José até os primeiros anos da década de
1970, e que levou junto com ela dezenas de outros prédios antigos.
No fervor das discussões a
respeito do megaempreendimento imobiliário chamado Novo Recife que, a despeito dos
inúmeros protestos da sociedade civil organizada, como do movimento Ocupe
Estelita, erguerá edifícios de alto padrão no Cais José Estelita, no esquecido
e abandonado pela Prefeitura do Recife, bairro de São José, eis que o professor
José Luiz Mota Menezes, tão amante e defensor da preservação da memória urbana do
Recife – como estagiário do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) ele, inclusive, integrava a linha de intelectuais e estudiosos que defendia a salvaguarda
daquela igreja que Gilberto Freyre e o historiador Flávio Guerra apoiaram a
derrubada nos anos 70 , como eu já disse aqui –, apareceu cerimonioso num comercial veiculado pela
televisão apoiando aquele projeto da Construtora Moura Dubeux. Recordo que, quando eu vi o professor Zé Luiz desempenhando o papel de garoto propaganda de um projeto imobiliário tão controverso e nocivo ao núcleo urbano primitivo do Recife, senti que desmoronava ali o bastião da pessoa mais ajuizada e competente para falar e defender a preservação da essência urbana da capital de Pernambuco. Agindo como agiu, o professor Zé Luiz acabou repetindo a
máxima que diz que, nestas terras nordestinas, neste Recife já tão dilapidado, mesmo os seus amantes mais ardorosos são capazes de ser-lhes infiéis.
Ali no hall do auditório do Museu do Estado de Pernambuco relembramos, eu
e Carlos Miranda, renomado lente do curso de História da Universidade Federal de Pernambuco, o triste e lamentável episódio protagonizado pelo
professor Zé Luiz, tendo ele comentado: “O professor Zé Luiz não precisava ter
feito aquilo”. Realmente não precisava. Mas ele o fez. E eu nunca soube a troco de quê e nem por que ele manchou a sua reputação e a sua trajetória brilhante de reconhecida luta em defesa do Recife se sujeitando àquilo.
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