Por Clênio Sierra de
Alcântara
Existe no Brasil uma quase
máxima usada quando se quer dizer que um evento, por exemplo, foi um fracasso
de público ou que determinado lugar, como uma rua, está frequentemente deserta;
nesses momentos há quem diga assim sobre o local: “Parecia um museu. Não tinha
ninguém”. Como se nota, a palavra “museu”, nesses casos, vira sinônimo de
espaço pouco frequentado e/ou evitado.
Não é à toa que, neste país,
os museus gozem de tão pouco prestígio em determinados ciclos sociais. Assim
como certos gostos e costumes, preferências artísticas e culturais também
entram, infelizmente, numa estratificação social que, normalmente classifica a
cultura em diversos segmentos e/ou simplesmente no binômio cultura erudita e
cultura popular, sendo que, nesta divisão, habitualmente se estabelece ou se
crê que quem aprecia e/ou toma parte e/ou consome a chamada cultura erudita são
em geral indivíduos bem-nascidos, ou seja, de famílias situadas na parte de
cima da pirâmide econômica e que, portanto, tiveram acesso a uma educação
formal que lhes proporcionou o contato com manifestações artísticas e culturais
consideradas refinadas e até mesmo difíceis de ser compreendidas e/ou
apreciadas. Sendo assim, do outro lado, o consumo da dita cultura popular
ficaria destinada àqueles que se encontram na parte debaixo daquela pirâmide e
tiveram uma educação formal fraca ou mediana ou até mesmo nunca frequentaram
escola alguma.
Mais de uma vez eu visitei
museus que para o meu desalento figuravam como aquela quase máxima popular que
eu mencionei lá atrás. E quando isso acontece eu fico verdadeiramente triste,
sabe? A tristeza e o lamento me vêm porque eu penso que essa realidade poderia
ser bem diferente, sobretudo quando eu me dou conta de que o acesso à
informação, seja ela de que tipo for, se tornou algo quase que acessível à
maioria absoluta das pessoas com o advento da internet. Sim, decerto que ter
acesso à informação não irá necessariamente levar as pessoas a buscar instrução
e/ou se interessar por instituições culturais. Não é tão simples assim.
Acredito que as escolas têm um papel fundamental nesse processo de apresentação
e de estímulos para que os estudantes ao menos saibam que existem tal e tal
instituição e que ela é aberta a todos que a queiram conhecer, o que significa
dizer que a ela podem ir tanto o morador do condomínio de luxo do bairro nobre
da cidade como o rapazote que reside na favela mais pobrezinha.
Professores e professoras de
escolas públicas promovem um grande trabalho social a meu ver quando conseguem
uma condução para levar seus alunos em atividades extraclasses nas quais
museus, institutos, galerias de arte e outras instituições culturais figuram
como destinos desses estudantes que, muitas vezes, enfrentam uma série de
dificuldades socioeconômicas que inviabilizam a ida deles a tais lugares.
Suburbano que eu sou e
oriundo de uma família pobre, eu estudei toda a minha vida em escolas públicas
afastadas da capital do meu estado. E sei que eu sou uma exceção na regra por
vezes rígida que delimita e/ou enquadra o consumidor de cultura naquele binômio
que eu mencionei – cultura erudita e cultura popular – a partir de sua origem
social. E digo isso para recordar a grande e maravilhosa tarde em que a minha
turma de 5ª série, da Escola Polivalente de Abreu e Lima, foi levada de ônibus
num passeio ao sítio histórico de Olinda. Eu tinha onze anos naquele 1985; e foi naquela tarde de excursão escolar que pela primeira vez na minha vida eu conheci um museu, que foi o
Museu de Arte Sacra de Olinda. Nossa, a professora Maria Calado me proporcionou
algo que foi realmente encantador para mim e não somente pelo acervo em si que
eu vi ali, mas também a própria edificação e o zelo por tudo que estava exposto
naquele espaço. Foi um passeio educativo em muitos sentidos, sendo o da
descoberta e o do conhecimento os maiores deles.
Neste ano, numa mostra que
teve início em abril e durou até o dia 28 de julho, uma enormidade de gente –
mais de 400 mil pessoas! – diariamente formou filas diante do icônico Museu de
Arte Moderna de São Paulo (Masp) para prestigiar uma exposição, um aprova de que
não são poucos os indivíduos que têm interesse em frequentar instituições como
o Masp. E tem mais: o público numeroso que acorreu para lá não foi até aquele museu
conferir exposição de nenhum grande e renomado artista estrangeiro, como
geralmente acontece, e sim para se extasiar com obras da brasileira Tarsila do
Amaral (1886-1973), um dos nomes mais reluzentes da famigerada Semana de Arte
Moderna de 1922 e, creio, a pintora nacional mais conhecida entre nós. Sim,
claro, não é irrelevante o fato de que, apenas na terça-feira 23 de julho – às
terças-feiras o acesso ao museu é gratuito – houve a entrada de 8.818
espectadores, um recorde de visitação do Masp
para um único dia. E eu fiquei cá comigo pensando: qual terá sido o
total de visitantes que só compareceram à mostra nos dias em que não houve
cobrança de ingressos?
A exposição Tarsila Popular, pelo que eu li em
reportagens, reuniu ao menos uma obra que não pertence mais ao Brasil, que é a
celebrada tela Abaporu, de 1928, que, por uma dessas demonstrações de
desinteresse que pontuam ações tanto de gente endinheirada como do próprio
poder público, que poderiam tê-la adquirido do brasileiro Raul Forbes, foi arrematada
pelo argentino Eduardo Constantini num leilão havido na Christie’s de Nova
York, em 1995, e que hoje repousa soberana no acervo do Museu de Arte
Latino-americana de Buenos Aires (Malba).
Em que pesem o apuro
artístico e estético da obra de Tarsila do Amaral, uma obra que, assim como a
de Aldemir Martins e hoje a de Romero Britto, é algo muitíssimo pop a ponto de
ilustrar embalagens dos mais variados produtos – eu, por exemplo, possuo latas
do leite Molico decoradas com pinturas dela -, eu penso que, talvez, não fosse
pelo fato de ter sido uma das artistas que participaram da Semana de Arte
Moderna ao lado, entre outros, de Mario de Andrade, Raul Bopp e Oswald de
Andrade, ela não alcançaria o patamar tanto de valor artístico e histórico
quanto pecuniário que alcançou. Mas essa é uma discussão que merece outro
artigo; e não é o fundamento deste.
Depois do muitíssimo
lamentável episódio do incêndio havido o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, no
ano passado, que, em poucas horas, transformou em cinzas peças que, em alguns
casos, eram milenares, eis que vem uma parcela do público brasileiro nos dizer
que, sim, frequenta e gosta de museus. A mostra Tarsila Popular, ocorrida no Masp figurará, eu aposto com qualquer
um, como o grande acontecimento cultural deste ano de 2019, um ano em que, até agora,
a arte, a cultura e a liberdade de
expressão neste país sofreram duros golpes desferidos pelos donos do poder, uma
estúpida e inconsequente vanguarda do atraso.
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