Desde que eu comecei a me
interessar, ainda nos anos de minha formação na universidade, pelas políticas
de preservação do patrimônio histórico edificado, um questionamento não parou
de perseguir as minhas inquietações de pesquisador e apreciador dessas
construções: por que nós, brasileiros, rejeitamos os testemunhos de nosso
passado histórico contidos nessas edificações?
A partir de dado momento eu
resolvi – atendendo a um ensinamento do meu mestre maior Gilberto Freyre – que
era preciso realizar viagens de formação, era necessário que eu conhecesse in loco certos cenários e paisagens que
o universo livresco me apresentava em minúcias. Gilbertianamente eu compreendi
que o conhecimento de dada realidade material de alguma maneira faria com que
eu ampliasse o meu entendimento e a minha assimilação das matérias discutidas e
analisadas nos livros.
Pensando assim, anos atrás
eu comecei a pegar a estrada com o objetivo de percorrer e explorar sítios
históricos urbanos quer estivessem eles ou não nos planejamentos e/ou sob a proteção
das políticas preservacionistas levadas a cabo pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o órgão federal que, desde a sua
criação, em 1937, empreende uma luta permanente contra o que eu chamo de
“insensibilidade histórica” do brasileiro para com o seu patrimônio cultural.
Como eu vinha dizendo, o
processo de jornada das viagens – e elas permanecem em curso, mesmo porque eu
costumo retornar a localidades que já visitei – me pôs em contato direto com
diferentes graus e patamares de preservação e valorização do patrimônio
histórico edificado, bem como com cenários cujos níveis de degradação e de
abandono absoluto eram espantosos, como se tais edificações, neste caso,
representassem não somente um sinal e um sintoma de atraso e de impedimento de
algum progresso para as áreas nas quais elas foram erguidas, mas também como
motivos de vergonha para a população – e/ou para grande parte dela – dos sítios
urbanos onde elas se encontravam.
Costumeiramente eu repiso
falas, eu repito avaliações, eu torno a dizer o que eu disse em narrativas
anteriores, porque, por mais que eu assimile com bastante clareza o fato de que
este país é uma nação de desníveis socioeconômicos abissais, onde barracos de
palafitas são vistos numa mesma paisagem de skylines
de edifícios luxuosos, eu me recuso terminantemente a aceitar que, em vista
disso, tenhamos de ver sacrificado o nosso patrimônio histórico edificado, como
se a sua preservação significasse um acinte, uma provocação, um insulto em meio
a uma realidade onde tantas pessoas vivem abaixo da linha da pobreza e os
recursos públicos, por mais abundantes que sejam, não são suficientes, de
acordo com os indivíduos que os gerenciam, para dar conta de uma demanda tão
enorme e urgente.
Ocorre que a ordem desse
discurso é precária na medida mesma em que, na imensa maioria dos casos – e
esta é uma avaliação pessoal, uma hipótese – de destruição do patrimônio
edificado, tais construções pertencem a pessoas endinheiradas que, sem senso
algum de preservação e objetivando outro destino para o terreno onde a
edificação existe, tratam de deixá-la entregue à própria sorte – isso quando
não buscam de algum modo acelerar o processo de ruína, retirando o telhado dela,
por exemplo – para que a estrutura fique de tal forma comprometida, as
rachaduras danifiquem e fragilizem de tal maneira o prédio que não haja outra
solução – restaurar nem pensar, não é esse o objetivo, até porque os
proprietários alegam logo não ter dinheiro para isso – que não seja garantir a
sua inabitabilidade e posterior demolição com o aval da Municipalidade.
Tenho andado por este país
afora e me deparado com uma infinidade de cenários de ruínas. Muito embora aqui
e ali eu venha encontrando exemplos admiráveis de preservação, são os prédios
abandonados e/ou destruídos quase integralmente para abrigar geralmente
estacionamentos, que têm feito com que eu perceba que nossas cidades de
existência mais antiga e que abrigam grande parte da memória urbana desta nação,
estão perdendo de modo acelerado uma quantidade expressiva de seus patrimônios
históricos edificados, o que é uma evidente demonstração de uma indigência de
respeito e de valorização dos testemunhos de nossa História. Nossas cidades
mais antigas vão dia a dia acumulando ruínas e isso, ao que parece, é uma
realidade irrefreável.
Milhares, milhões de brasileiros anualmente
viajam para o exterior e se esbaldam tirando selfies em monumentos e casarios que remontam há séculos atrás,
enquanto aqui, não raro, menosprezam o patrimônio nacional e não levantam a voz
para lutar por sua preservação.
Nós, brasileiros, parecemos
ser criaturas que abdicam de suas raízes e se envergonham do seu passado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário