Por Clênio Sierra de
Alcântara
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Fotos: Arquivo do Autor Com a consciência de que o lugar delas é onde elas quiserem estar, há onze anos mulheres do Pólo da Borborema, no interior da Paraíba, saem em marcha para clamar por seus direitos e para dizer aos homens que existir com liberdade não pode ser só um privilégio para eles |
Sobre
não esmorecer e continuar lutando
Quando se tem conhecimento
do quanto a figura da mulher é ainda maltratada no âmbito das sociedades ao
redor do mundo, em geral, e no Brasil, em particular, facilmente se compreende
o significado, a dimensão, o peso, o valor e a necessidade, a extrema
necessidade de que eventos como a Marcha
Pela Vida das Mulheres e Pela Agroecologia, que há onze anos vem ocorrendo
no interior da Paraíba, permaneçam acontecendo sob diferentes bandeiras por
este país afora.
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Cenário da concentração do público para a Marcha: enquanto o sol duelava com as nuvens de chuva, o povo ia chegando |
Se nas cidades, nos grandes
centros urbanos brasileiros, as mulheres continuam sendo vítimas em potencial
de homens que as objetificam e por isso as tratam como se elas fossem um bem,
uma coisa qualquer que lhes pertence e sobre a qual eles podem mandar e
desmandar, no campo a situação é ainda mais grave, porque, afastadas, muito
afastadas das instituições governamentais que poderiam de alguma maneira
ampará-las e/ou protegê-las, as mulheres da zona rural sofrem ainda mais com o
recrudescimento de um arcaico processo de dominação patriarcal que tira delas
qualquer possibilidade de viver a vida em plenitude, sem que se vejam
ameaçadas, amordaçadas, limitadas e inferiorizadas por seus maridos e
companheiros. Dito isso, a Marcha Pela
Vida das Mulheres e Pela Agroecologia é um momento, é uma oportunidade de
exorcização desses demônios de dominação, dessas práticas machistas retrógradas
e feminicidas de homens que querem ter esposas como quem cria cabra. “Mulher
não é cabra pra o homem soltar no terreiro de manhã e recolher de tarde”, já
dizia a minha saudosa avó Maria da Conceição, que, mesmo sendo do campo e analfabeta,
não se deixou prender a uma relação abusiva, se separou do meu avô e saiu de
casa com uma penca de filhos nas costas – e saiu para nunca mais voltar.
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Jane Travassos, a Fadinha Lilás, também marcou presença no evento |
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Convidadas de honra da Marcha, as cirandeiras Dulce, Lia de Itamaracá e Biu Baracho posaram para muitas fotos: quem manda ser estrela! |
A Marcha Pela Vida das Mulheres e Pela Agroecologia é uma marcha que
celebra o poder de voz, de ação, de realização e de libertação do ser feminino;
que incentiva a sua capacidade de escolha e de decisão; que esclarece sobre os
direitos que elas têm; que as instrui sobre a sua liberdade de existir e sobre
o seu espírito de liderança; é, em uma palavra, a exaltação do seu
empoderamento.
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Mulheres de várias idades estavam lá em Esperança para lutar pelos seus direitos. Como dizem por aí, é do pequeno que se faz o grande |
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A Marcha não é só para mulher, não, é também para homens que sabem respeitá-las e reconhecer que a mulher merece ser tratada com toda dignidade possível |
Neste ano o evento aconteceu
anteontem, dia 12 de março, numa cidade que tem o alvissareiro nome de
Esperança e que dista a cerca de 151 km de João Pessoa. Com o tema feminicídio,
a edição deste ano destacou o vergonhoso e alarmante levantamento do número de
assassinato de mulheres no Brasil, vitimadas quase sempre pelos homens que
diziam amá-las. Faixas e cartazes lembravam o assassinato da vereadora Marielle
Franco e de desconhecidas do grande público como Deysiane, que foi assassinada há sete meses.
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Um palco para elas: poesias, discursos, depoimentos: a vida da mulher foi a pauta do dia, porque todo dia é dia da mulher |
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Vejam só como o público aumentou! |
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Deysiane foi mais uma vítima da chaga do feminicídio que está espalhada por todo o país |
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Tás indo pra onde, hein, Ganga Barreto? Com essa blusa florida não dá pra você se esconder, não |
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Quem matou Marielle Franco? E por quê? |
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A comunidade gay também marca presença todos os anos na Marcha, porque o mundo é por excelência o lugar da diversidade |
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Lia e as irmãs Baracho no esquenta povo: ciranda para valer só depois da Marcha |
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Nada de ôxe, é isso mesmo! |
Caminhando por entre a
multidão que ia se juntando defronte ao palco montado num campo de futebol, um
espaço historicamente ocupado por homens, eu via o entusiasmo de mulheres de
muitas idades e procurava ler em suas faces uma certeza e uma confiança num bom
futuro para todas elas. No palco, outras figuras femininas prestavam
depoimentos, liam discursos, proferiam palavras de ordem, declamavam
poesias-protesto, falavam sobre estatísticas, maldiziam com pleno direito o
presidente Jair Bolsonaro, talvez o mais misógino dirigente que este país já
teve, cantavam cantigas de encorajamento e exortavam todas que ali estavam para
que elas não esmorecessem e nem abandonassem a luta.
Depoimentos
Nascida em Esperança, a
agricultora Inácia Maria, de 66 anos de idade, conversou um pouco comigo. Muito
entusiasmada, ela contou que produz feijão, batata-doce, milho, jerimum e fava
no Assentamento Cícero Romana I. E por que foi à Marcha? “Vim porque gosto. Acho
importante elas [as mulheres] estarem aqui porque tem violência demais no meio
do mundo contra elas”, ela me disse.
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As amigas Maria do Socorro e Inácia Maria: agricultoras que além de cultivar a terra, cultivam também a esperança e a cidadania. Palmas para elas |
Quem também falou comigo foi
Maria do Socorro, de 50 anos de idade. Amiga de Inácia Maria e igualmente
agricultora no Cícero Romana I, ela me disse assim, explicando o porquê de
estar ali no meio de centenas de outras mulheres para sair em marcha: “Pra mim
é muito importante. Do jeito que está a violência contra a mulher, nós vamos
lutar para diminuir”, ela destacou.
Embora receba um público
majoritariamente feminino, a Marcha felizmente conta com a participação de
muitos homens, o que eu considero algo bastante animador, porque denota que
eles têm pelo menos conhecimento de que um evento como esse existe e que as
mulheres sabem claramente do que elas precisam e querem para viver com
plenitude e dignidade: amor, compreensão, liberdade, respeito e companheirismo.
Entre as dezenas de homens
que foram até lá marcar presença estava Francisco Sales, de 73 anos de idade,
aposentado por invalidez e morador do povoado de São Tomé, da cidade de Alagoa
Nova. Ele me disse que foi a Esperança só para ver a Marcha; e, consciente da
natureza e do objetivo daquele acontecimento, enfatizou: “Eu acho que é
importante pra ver se os homens que não respeitam as mulheres acabem com a
violência”.
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Seu Francisco Sales, mesmo com a deficiência numa das pernas fez questão de prestigiar a Marcha das Mulheres |
Hora
de marchar e de dar as mãos para cirandar
O dia amanhecera chuvoso e
tudo indicava que mais água iria cair. Mas que nada; por volta das 11:30 h, quando
começamos a deixar a área da concentração e marchar por algumas das principais
ruas do centro comercial de Esperança, o sol estava lutando contra as nuvens que insistiam em deixar o céu nublado.
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A Marcha ganhou as ruas de Esperança: a luta não pode parar |
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Nas varandas das casas, nos locais de trabalho, de vários lugares o público prestigiava o cortejo |
Por onde passava, o cortejo
atraía a atenção das pessoas que estavam em suas casas, em seus locais de
trabalho e até mesmo em escolas. A multidão seguia cantando e agitando
bandeiras, dando uma entusiasmadora demonstração de que a firmeza de propósito
e a crença em mudanças que tragam melhorias exigem esforços por vezes
incessantes. E compromisso. E garra. E desprendimento. E força de vontade.
Andamos, andamos e
retornamos ao ponto de partida, cansados mais ainda com energia suficiente para
celebrarmos a apoteose da Marcha com o sol a pino: a exemplo do que fez em
quatro edições do evento, a cirandeira Lia de Itamaracá pôs o povo para dançar
e cantar ciranda. Nada mais simbólico e representativo do espírito de
fraternidade e de comunhão do que uma roda de ciranda, onde ninguém solta a mão
de ninguém e todos são iguais na roda da satisfação e da alegria.
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Agora sim, bora cirandar, porque a roda da vida tem de continuar girando. Canta, Lia de Itamaracá! |
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Tu tás de costas mas eu tô te vendo, visse, Beto Hees? |
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Olha eu aqui pessoal: marchar com as mulheres me faz acreditar que este mundo ainda tem jeito |
Essa foi a terceira vez que
eu tomei parte na Marcha Pela Vida das Mulheres
e Pela Agroecologia; e participar desse evento é, tem sido para mim, melhor
dizendo, um exercício de compreensão e de contínua reavaliação do papel que eu
tenho de desempenhar, como homem, numa realidade social que é ainda muito,
muito perversa, covarde e brutal para com as mulheres; de modo que, sair em
marcha ao lado delas, tentando absorver o que lhes motiva e encoraja a estarem
ali olhando firme para frente, sem
baixar a cabeça, de alguma forma me humaniza, porque os homens, infelizmente,
ainda somos uns seres por demais animalizados.
Há anos as mulheres bucam adquirir respeito e desigualdade social, o machismo torna-as verdadeiras propriedades dos trastornados senhores. Lutem, caminhem, gritem. E a sociedade liberta te apoiará. Difugem, acompanhe e todos saberá que houve luta.
ResponderExcluirComo é bom ter a ciranda como instrumento libertador, que quebra as algemas do preconceito e de outras mazelas. Saber que o papel da mulher é condição sine quanon,para que água mudança em uma sociedade extremamente machista e covarde. A expressão de cirandar é movimento genuíno que protesta e que da condição de voz as milhares de mulheres. Parabéns pelas conquistas e novas oportunidades . E viva as mulheres, viva lia de Itamaracá. Texto que exprime de forma literal a força das mulheres.... Parabéns CLenio Sierra pela cobertura e olhar libertador...
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