7 de novembro de 2020

Here comes the sun of hope

 Por Clênio Sierra de Alcântara

 

Foto: Olivier Douliery/AFP
 Biden e Kamela: aos olhos de boa parte do mundo que sempre aposta na vitória da civilização sobre a barbárie, a derrota de Donald Trump é um acontecimento mais do que benfazejo num ano marcado por uma pandemia letal


Nunca antes, ao longo dos meus quarenta e seis anos de existência, eu acompanhara com tamanho interesse, como aconteceu agora, o desenrolar das eleições presidenciais norte-americanas, que puseram em confronto um político de verdade, com uma longa carreira na vida pública com passagens pelo Senado e pela vice-presidência da República e um empresário egocêntrico, mentiroso e estúpido até dizer basta.

Atravessando uma pandemia que até o presente momento fez dos Estados Unidos o lugar com o maior número de contaminados e de mortos vitimados pelo coronavírus, os norte-americanos estão convivendo com um presidente que negou veementemente a gravidade e a letalidade da doença; que disseminou notícias falsas em quantidade espantosa; que é inimigo do diálogo e do bom senso; e que em nenhum momento sequer aventou a possibilidade de promover a união dos seus cidadãos; muito pelo contrário, o que ele buscou desde a campanha que o levou à Casa Branca, em 2016, foi promover o conflito e semear a discórdia sem medir as consequências de suas falas e dos seus atos, como se estivesse a governar não para pessoas, mas sim a conduzir e a tanger  gado no pasto.

Penso que, talvez, uma das grandes ilusões do falastrão Donaldo Trump foi pensar que os bons números da economia norte-americana de antes da pandemia bem como os milhares de empregos gerados no mesmo período e ainda os seus constantes ataques à China iriam fazer dele um candidato imbatível num país que, como estamos a ver, se encontra polarizado. Acontece que, como estão revelando os números dos votos até agora apurados, a vontade dos democratas de enxotá-lo da presidência do país foi tão expressiva que mesmo sob os riscos de uma pandemia e sendo o voto facultativo por lá, pela primeira vez na história dos Estados Unidos um candidato à presidência recebeu mais de setenta milhões de votos.

O Trump pavão, vaidoso, piadista e negacionista; o Trump que acreditava ser um super-herói ou algo que o valha; o Trump que não media as palavras para constranger, acusar e intimidar quem quer que fosse para agradar a sua claque, esse Trump a pandemia do coronavírus tratou de ir apequenando, apequenando até reduzi-lo ao que agora ele é: um presidente da mais poderosa nação que o mundo conhece que não conseguiu se reeleger e que segue, patética e ridiculamente, resistindo a aceitar que foi derrotado, que o seu jogo acabou e que agora ele é um tempo superado, um tumor que marcou a mais longeva democracia da civilização humana.

O tresloucado Donald Trump com toda certeza acreditou que apesar dos estragos que o coronavírus fez na economia e nos empregos o seu gado iria garantir mais quatro anos de permanência para ele em Washington. Acontece que uma sociedade polarizada não é e/ou está polarizada por acaso: valores morais e éticos; discussões de gênero; crenças religiosas; defesa do meio ambiente; imigração; racismo estrutural; feminismo... As pautas do lado democrata não se encaixam no discurso dito conservador e muitas vezes de ódio e de intolerância que é sustentado pelo lado republicano.

Mr. Trump, o clown engravatado e louco que tem agora pouco mais de sessenta dias para deixar a Casa Branca, nunca escondeu em seus modos, comportamentos e discursos o quanto é brancamente supremacista, completa e inteiramente misógino, indubitavelmente xenófobo e contrário à preservação do meio ambiente. E o que os votos dos mais de setenta milhões de eleitores que elegeram confiantemente Joe Biden e, por tabela, uma bela e negra Kamela Harris como vice-presidente, outro significativo marco histórico, disseram e apostaram foi que, pelo menos durante os próximos quatro anos, os Estados Unidos não serão a pátria do desatino, da intolerância e do desrespeito aos valores morais e éticos. Num ano de tantos acontecimentos ruins a vitória de Joe Biden é algo por demais alentador. Here comes de the sun. Here comes the sun of hope.

 

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Enquanto isso, no hemisfério sul, o espantalho, a caricatura trumpista que atende pelo nome de Jair Messias Bolsonaro, governa um país que não consegue de modo algum se livrar do atraso. No país das milícias todo-poderosas, dos feminicidas incontroláveis, dos rachadores dos salários dos seus empregados, do imperativo do negricídio, do desemprego galopante, da miserabilidade ascendente e dos ladrões eleitos pelos defensores da moral e dos bons costumes que vivem com a Bíblia debaixo do braço e escondem dinheiro na cueca, um estado, o Amapá, vem penando há dias na escuridão e na falta de abastecimento de água, de alimentos e de combustíveis e sem comunicação com o resto do mundo, porque o Amapá está desde terça-feira sem fornecimento de energia elétrica, isso, no meio de uma pandemia. Ó pátria amada, idolatrada, salve, salve...

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