Por Clênio Sierra de Alcântara
Nunca antes, ao longo dos meus quarenta e seis anos de existência, eu acompanhara com tamanho interesse, como aconteceu agora, o desenrolar das eleições presidenciais norte-americanas, que puseram em confronto um político de verdade, com uma longa carreira na vida pública com passagens pelo Senado e pela vice-presidência da República e um empresário egocêntrico, mentiroso e estúpido até dizer basta.
Atravessando uma pandemia
que até o presente momento fez dos Estados Unidos o lugar com o maior número de
contaminados e de mortos vitimados pelo coronavírus, os norte-americanos estão
convivendo com um presidente que negou veementemente a gravidade e a letalidade
da doença; que disseminou notícias falsas em quantidade espantosa; que é
inimigo do diálogo e do bom senso; e que em nenhum momento sequer aventou a
possibilidade de promover a união dos seus cidadãos; muito pelo contrário, o
que ele buscou desde a campanha que o levou à Casa Branca, em 2016, foi
promover o conflito e semear a discórdia sem medir as consequências de suas
falas e dos seus atos, como se estivesse a governar não para pessoas, mas sim a
conduzir e a tanger gado no pasto.
Penso que, talvez, uma das
grandes ilusões do falastrão Donaldo Trump foi pensar que os bons números da
economia norte-americana de antes da pandemia bem como os milhares de empregos
gerados no mesmo período e ainda os seus constantes ataques à China iriam fazer
dele um candidato imbatível num país que, como estamos a ver, se encontra
polarizado. Acontece que, como estão revelando os números dos votos até agora
apurados, a vontade dos democratas de enxotá-lo da presidência do país foi tão
expressiva que mesmo sob os riscos de uma pandemia e sendo o voto facultativo por
lá, pela primeira vez na história dos Estados Unidos um candidato à presidência
recebeu mais de setenta milhões de votos.
O Trump pavão, vaidoso,
piadista e negacionista; o Trump que acreditava ser um super-herói ou algo que
o valha; o Trump que não media as palavras para constranger, acusar e intimidar
quem quer que fosse para agradar a sua claque, esse Trump a pandemia do
coronavírus tratou de ir apequenando, apequenando até reduzi-lo ao que agora
ele é: um presidente da mais poderosa nação que o mundo conhece que não
conseguiu se reeleger e que segue, patética e ridiculamente, resistindo a
aceitar que foi derrotado, que o seu jogo acabou e que agora ele é um tempo
superado, um tumor que marcou a mais longeva democracia da civilização humana.
O tresloucado Donald Trump
com toda certeza acreditou que apesar dos estragos que o coronavírus fez na
economia e nos empregos o seu gado iria garantir mais quatro anos de
permanência para ele em Washington. Acontece que uma sociedade polarizada não é
e/ou está polarizada por acaso: valores morais e éticos; discussões de gênero;
crenças religiosas; defesa do meio ambiente; imigração; racismo estrutural;
feminismo... As pautas do lado democrata não se encaixam no discurso dito
conservador e muitas vezes de ódio e de intolerância que é sustentado pelo lado
republicano.
Mr. Trump, o clown engravatado e louco que tem agora pouco
mais de sessenta dias para deixar a Casa Branca, nunca escondeu em seus modos,
comportamentos e discursos o quanto é brancamente supremacista, completa e
inteiramente misógino, indubitavelmente xenófobo e contrário à preservação do
meio ambiente. E o que os votos dos mais de setenta milhões de eleitores que
elegeram confiantemente Joe Biden e, por tabela, uma bela e negra Kamela Harris
como vice-presidente, outro significativo marco histórico, disseram e apostaram
foi que, pelo menos durante os próximos quatro anos, os Estados Unidos não
serão a pátria do desatino, da intolerância e do desrespeito aos valores morais
e éticos. Num ano de tantos acontecimentos ruins a vitória de Joe Biden é algo
por demais alentador. Here comes de the sun. Here comes the
sun of hope.
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Enquanto isso, no hemisfério sul, o espantalho, a caricatura trumpista que atende pelo nome de Jair Messias Bolsonaro, governa um país que não consegue de modo algum se livrar do atraso. No país das milícias todo-poderosas, dos feminicidas incontroláveis, dos rachadores dos salários dos seus empregados, do imperativo do negricídio, do desemprego galopante, da miserabilidade ascendente e dos ladrões eleitos pelos defensores da moral e dos bons costumes que vivem com a Bíblia debaixo do braço e escondem dinheiro na cueca, um estado, o Amapá, vem penando há dias na escuridão e na falta de abastecimento de água, de alimentos e de combustíveis e sem comunicação com o resto do mundo, porque o Amapá está desde terça-feira sem fornecimento de energia elétrica, isso, no meio de uma pandemia. Ó pátria amada, idolatrada, salve, salve...
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