Por Clênio Sierra de Alcântara
Um dos comentários que eu
ouvi quando da repercussão do caso das agressões praticadas por dois seguranças
de uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre, que resultaram na morte de João
Alberto Silveira Freitas, ocorrida anteontem, à noite, foi que o ataque brutal
e desproporcional ao que a vítima praticara – segundo o que eu acompanhei até
agora, João Alberto Silveira Freitas, o Beto, teve um desentendimento com uma
funcionária do hipermercado; e, também, deu um soco num dos indivíduos que o abordaram
e, depois, o espancaram – não foi uma ocorrência motivada por racismo. Alguém também
comentou que Beto não era negro. E um cara que eu conheço chegou a dizer que,
embora nada justifique a morte do Beto, ainda mais quando se considera que,
pelo menos em tese, profissionais que trabalham como seguranças recebem
treinamentos que incluem técnicas de imobilização – e um dos agressores ainda
por cima é um Policial Militar que aproveitava as folgas do quartel para complementar
a renda, algo infelizmente em voga em todo o país -, é difícil ter sangue de
barata para suportar xingamentos, desaforos e agressões físicas e não reagir
com violência.
Neste Brasilsil varonil, há
quem não veja como negro o negro que não possua um tom de pele muito escuro;
tanto isso é verdade que há negros que se apresentam como se negros não fossem.
Quanto a não ter sangue de barata isso pode até valer para o cidadão comum, mas
penso que não vale, como foi mencionado, para indivíduos que recebem
treinamentos e são capacitados e instruídos para atuar em situações adversas,
como a de um desacato e até de uma agressão física, como se tem dito, foi o caso
da ocorrência havida na capital gaúcha. Já no que diz respeito à avaliação que
estabeleceu que o ocorrido no hipermercado não foi uma ação de cunho racista,
eu não disponho de mais informações para comentar isso.
O fato é que, tendo sido um
crime motivado por racismo ou não, João Alberto Silveira Freitas, o Beto, que
era negro, foi agredido e morto na véspera do Dia da Consciência Negra; e ainda
por cima num país de passado marcadamente escravagista que, certamente por
isso, apresente um dos quadros de desigualdade social mais acentuados do mundo; e no qual o
assassinato de negros segue a pleno vapor, porque os negros, a maioria absoluta
dos negros, no Brasil, junto com os pardos, formam o grupo social que possui
menos anos de escolaridade e, por conseguinte, ocupa os empregos de remuneração
mais baixa, os empregos que os brancos não querem; negros são o rebotalho da
sociedade brasileira; negros sofrem todo tipo de discriminação; negros são
tidos como naturalmente inclinados para a prática de crimes; negros nasceram
para ser submissos; negros não inspiram confiança; negros são os alvos
preferenciais das abordagens policiais; negros são cidadãos de segunda classe;
negros não merecem respeito; negros são tábuas de tiro ao alvo.
Ouvimos ultimamente tanto se
falar em racismo estrutural que até parece que ele é uma coisa recente e que
não estava desde sempre entranhado em nossa sociedade. Negros constituem a
parcela social mais vulnerável, empobrecida e massacrada deste país. Negros
lotam as unidades prisionais. Negros são o maior contingente de desempregados. Negros
são a maioria dos moradores de rua. Negros abundam nas cracolândias por este
país afora.
Os pelourinhos, as máscaras
de ferro, os anjinhos, os vira-mundos e as gargalheiras, instrumentos que
serviam para castigar os negros escravizados no Brasil de antigamente, foram
todos eles substituídos pelo pisoteamento, pela joelhada, pelo sufocamento e,
principalmente, pela arma de fogo; e disparos certeiros vitimam dezenas de
cidadãos negros diariamente neste país que insiste em não querer largar a mão
da barbárie a fim de que se possa tentar construir uma nação guiada pelo faro
da civilização.
Toda vez que um negro é
sumariamente executado, assassinado e morto neste país, afundamos um pouco mais
como sociedade na areia movediça da desumanidade. No império do negricídio as
chances de um negro alcançar um viver com dignidade e respeito são cotidianamente
minadas por um discurso falseador da realidade que se nutre de ódio, que
perpetua a exclusão social e que nega as mais claras e contundentes evidências
do racismo estrutural e do morticínio da população negra; e que, como se isso
não bastasse, incentiva que nos armemos, porque, segundo eles dizem, assim
estaremos protegidos da violência generalizada que nos aterroriza.
João Alberto Silveira
Freitas, o Beto, foi sepultado no final da manhã deste sábado, em Porto Alegre.
O que permaneceu insepulto foi a nossa atávica sanha autoritária e a nossa
tendência infame de relativizar e/ou de tratar como fatalidade e/ou coisa menor
todos os males e todas as formas de violência que nos acometem. Fruto do
escravagismo, o negricídio é uma ferida aberta que a sociedade brasileira não
se esforça para suturar.
Enquanto eles permanecerem dizendo que não, nós continuaremos gritando e dizendo que sim: vidas negras também importam!
Estou até o momento estarrecido com tantos comentários relativos, tentando de qualquer forma justificar tamanha crueldade e barbárie pleno século XXI. A luta pra sobreviver neste país para o negro, a cada dia é uma batalha, pra se chegar ao trabalho, a faculdade, ir ao supermercado, ao banco e principalmente chegar vivo ao seu lar. O rascismo tem ganhado um grande aliado, um governo, fascista, nazista e outros piores adjetivos, e por isso, essas pessoas se acham no direito tirar desrespeitar , xingar, discriminar pela sua cor, opção sexual e até tirar a vida de forma mais covarde e cruel. Quantos pretos João, ainda terá que morrer? Isso é absurdo, e mas uma vez a justiça se cala, o povo se cala.
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