Por Clênio Sierra de Alcântara
Quando, há doze anos, eu comecei a circular pela capital da Paraíba, o que primeiro chamou a minha atenção foi o acanhamento do lugar, algo que de certo modo me encantou. Tempos depois, à medida que eu fui me familiarizando com o cenário da cidade, eu me certifiquei de que o acanhamento que, a princípio, me encantara a ponto de eu, num artigo ter denominado João Pessoa de “cidade da harmonia”, foi se revelando um sinal de atraso.
Sim, certos acanhamentos
podem ser tomados como marcas de simplicidade; e simplicidade não quer dizer
necessariamente pobreza e/ou atraso. Mas os sucessivos passeios que desde 2008
eu fui fazendo pela capital paraibana me revelaram que aquele acanhamento que
eu contemplara no começo significava atraso; e que naquela cidade reinava mais
do mesmo: os mesmos problemas estruturais; e iguais marcas de subdesenvolvimento
presentes para onde quer que se olhe neste país.
Quando a maré está alta, o frequentador da praia não consegue passar por este trecho |
E qual não foi o meu espanto, quando da minha primeira ida como viajante àquele lugar, ao sair do maltratado sítio histórico de João Pessoa e daquela área degradada, abandonada, escura e suja do entorno do terminal rodoviário e me dirigir à orla marítima, constatar que ali, a despeito da existência de uma lei exemplar, exemplaríssima que proíbe que sejam erguidos prédios de muitos pavimentos na área da beira-mar, existia um monstrengo acomodado em plena faixa de areia, o Tambaú Hotel, que foi erguido na década de 1970 passando por cima do bom senso e de pelo menos uma lei de proteção ambiental e de delimitações para construções em espaços praieiros e que figura aos meus olhos como um desses sinais de carne pavorosos que aparecem em nosso corpo e dos quais fazemos de tudo para nos livrar, porque ficam destoando de todo o resto.
Acontece que João Pessoa é
bem Brasil. E, assim sendo, o incômodo e desrespeitador de leis Tambaú Hotel,
obra do arquiteto Sérgio Bernardes, virou atração turística. E ainda
considerando pouco a ocupação criminosa e indevida do espaço público, tirando do
frequentador da praia uma enorme faixa de areia e o impedindo de caminhar à
beira-mar quando a maré está alta, no lado direito do circular monstro de
concreto existe um estacionamento – isso mesmo, um amplo estacionamento – que cobra,
claro, para que veículos fiquem nele. E como se isso já não fosse suficientemente
absurdo, no lado esquerdo do hotel, a Prefeitura Municipal considerou que ela
própria poderia infringir as determinações e os marcos legais, ora pois, e
ergueu ali, em 2010, na gestão do prefeito Ricardo Coutinho, um horroroso
Mercado do Peixe, cujo entorno fede muito desde sempre.
Quem tem olhos para ver como
eu para além das questões turísticas e avalia as ocupações citadinas sob a
ótica urbanística, enxerga aquele conjunto formado pelo tripé estacionamento
privado + Tambaú Hotel + Mercado do Peixe como uma dessas aberrações facilmente
encontráveis nas cidades brasileiras onde imperam abusos e desrespeitos ao
espaço público praticados por indivíduos que contam com a cumplicidade e/ou com
a conivência e/ou com a falta de fiscalização dos órgãos públicos responsáveis
por definir o correto uso e ocupação do solo.
Nesta e nas imagens seguintes, o outro exemplo de ocupação indevida da faixa de areia da praia que vemos na capital paraibana |
Para quem passeia pela orla
praieira de João Pessoa e observa que, numa área na qual existe um hotel
monstruoso ocupando a faixa de areia junto com quadras esportivas – a área
total ocupada pelo hotel é de nada menos do que 38.000 m² -, um estacionamento
e mais um mercado de comercialização de peixes, por outro lado ele, o visitante e/ou
o frequentador em geral da praia, não encontra um banheiro que possa utilizar, a
não ser o dos bares. E, dentro desse quadro de desrespeito total às leis e ao
turista e ao próprio morador da cidade, as placas que aqui e ali se veem
fixadas na areia dizendo que se trata de “área de preservação ambiental”
certamente devem soar como uma piada de muitíssimo mau gosto. Ou como um
verdadeiro acinte.
A placa-acinte: qual a ideia de preservação que a Municipalidade afinal defende?
Dias atrás, eu passei parte
de minhas férias em João Pessoa, um lugar que, apesar do acanhamento, ainda me
atrai, principalmente por causa da proximidade em relação à cidade onde eu moro
e por continuar sendo, até não se sabe quando, um destino turístico barato.
Nesse período, eu fui quase uma dezena de vezes à orla. E, não nego, em todas
elas eu olhei com raiva para aqueles absurdos absurdos que são o Tambaú Hotel,
o estacionamento privado e o Mercado do Peixe ocupando um espaço público,
roubando do frequentador da praia uma área que é de todos. Para aumentar ainda
mais o meu desapontamento, o monstrengo do hotel estava fechado; ou seja, nem serventia tinha. E sabem por
quê? O famigerado cartão-postal de concreto da capital paraibana que infringiu
a lei para ser erguido está há tempos atolado em dívidas; é um empreendimento
que se tornou insustentável. Recentemente ele foi novamente levado a leilão e
ninguém quis arrematar aquela coisa.
Nesta foto e nas seguintes, o maldito estacionamento que fica ao lado do hotel: além do absurdo de ocupar a faixa de areia, o estacionamento é privado |
Como não está, pelo menos por ora, previsto que um tsunami irá atingir a costa paraibana, a minha sugestão é que a Prefeitura Municipal de João Pessoa ou o Governo do Estado comprem e/ou desapropriem aquele monstrengo e, logo em seguida, o ponham abaixo, arrastando junto o estacionamento privado e o Mercado do Peixe, porque, agindo assim, além de corrigir um erro crasso que foi permitir que aquelas coisas fossem erigidas ali, devolveria para o usufruto de toda a população que frequenta a praia uma parte da orla que lhe foi subtraída ao custo de sabe lá quanto.
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