Por Sierra
Imagem: Divulgação
Ó Santa e Gloriosa Rede Globo, livrai-nos de todos esses males! Plim, plim
Contrariando mais uma vez o
meu dito de que não iria mais discutir questões políticas com os seguidores do
atual presidente da República desta malfadada nação, anteontem eu cheguei muito
perto de perder as estribeiras ao debater com um sujeito que me disse ser
apoiador do dito-cujo por ser ele “menos pior” do que o candidato do Partido
dos Trabalhadores. De acordo com esse interlocutor o Brasil corre um sério
risco, um grande risco de ser transformado num regime comunista caso Luiz
Inácio Lula da Silva vença as eleições; e, sendo assim, ele votará no atual
mandatário porque quer “garantir” a sua liberdade como cidadão, liberdade essa
que, no dizer dele, inclui poder possuir uma arma. Na visão dele vale uma
ditadura fascista, mas uma comunista, não.
Discutir com quem segue
pessoas e ideias tomando-os como dogmas é pura perda de tempo, porque tais
indivíduos não acreditam e nem aceitam o contraditório e muito menos algo que
possa fazê-lo refletir e/ou que venha abalar as suas convicções pétreas e
dogmáticas. O meu interlocutor da manhã da quinta-feira carrega consigo várias
ilusões, sendo a principal delas – eu suponho que seja a principal – a plena
convicção de que tendo posse de uma arma de fogo ele está protegido da ação de
meliantes, “porque, sabendo que eu posso estar armado, ele vai pensar duas
vezes antes de me atacar”. Este é um ponto. O medo de um domínio do comunismo
no Brasil é outro.
Não compreendo por que
pessoas ditas cristãs, que acreditam que, quando morrer, irão para um paraíso
celestial onde não há inflação nem fome nem guerra nem Carnaval nem aborto nem
Rede Globo nem Datafolha nem partidos políticos nem rachadinha nem drogas nem
corrupção nem ladrões nem macumbeiros nem charlatães nem gays e nem cachaceiros
têm tanto medo da morte e estão sempre dispostas a se armar para tirar a vida
dos outros.
O meu interlocutor é
evangélico. E, no caso dele, a condição de evangélico diz muito sobre o fato de
ele apoiar os ideais de Estado autoritário dito direitista que o atual
presidente da República apregoa e defende. Digo isso porque existe um segmento
de evangélicos que deseja que o mundo exista e seja mantido conforme suas
convicções religiosas, o que significa dizer que, para esse grupo, para esse
segmento intolerante, preconceituoso e autoritário, todas as religiões e todas
as crenças no sobrenatural que não se alinhem ao modo como seus membros
compreendem e exercem a sua fé, não devem existir. Para essa gente,
homossexuais são seres abomináveis e degenerados que contribuem para a
degradação da sociedade. Para esses indivíduos, os únicos papéis que devem ser
reservado às mulheres é o de dona de casa e o de procriadora e nada mais. Para esse
pessoal, é preciso fazer com que terreiros de umbanda e de candomblé sejam
varridos do mapa, daí por que tantos vêm sendo atacados e incendiados nos
últimos anos com o agravamento da intolerância religiosa.
Segundo ainda o meu
interlocutor evangélico, o grande mal deste país é a Rede Globo que, de acordo
com ele, vive atacando o atual mandatário da nação, “porque ela não está mais
recebendo tanto dinheiro como recebia e os seus artistas deixaram de ganhar o
que ganhavam com a Lei Rouanet. Essa ladainha vem sendo repetida por todos os
governantes desde a redemocratização, porque, nessa novela da vida real
brasileira, a Rede Globo é sempre a vilã. Do jeito como ele me falou é como se
a danada da Rede Globo fosse algo assim todo-poderoso, como o deus no qual ele
acredita, que pode entrar na mente das pessoas de tal maneira que tire delas
qualquer mínimo senso de entendimento da realidade. Do modo como ele me falou é
como se ela tivesse botado na boca do presidente, por meio de um dublador, as
barbaridades que ele vem dizendo há anos; é como se a Rede Globo criasse
mecanismos de alteração dos acontecimentos. Nossa, é um espanto. É como se os
aparelhos de televisão de toda a população brasileira só captassem o sinal da
Rede Globo. Ô gente, e por que é que a Record TV, do bispo Edir Macedo, o
dito-cujo que diz operar milagres em suas igrejas e que só fala bem do senhor
presidente da República, não é acusada de ser parcial e nem consegue fazer com
que este governo seja visto como bom pela maioria da população, hein? Falta audiência
para isso, não é?
Nossa, a que ponto chega a
cegueira ideológica. É impressionante a que ponto chega a defesa do
indefensável. É apavorante a disposição de tantos para apontar o mal que está apenas
do outro lado da rua sem reconhecer o mal que está junto de si. Meu interlocutor
disse acreditar que o candidato do Partido dos Trabalhadores, caso vença, irá
fechar todas as igrejas evangélicas; e que o Brasil ficará igual à Cuba e à
Venezuela. Ele, como defensor da liberdade, da mesma liberdade democrática que
acredita ser possuidor o seu candidato, nada disse da razão e do fato de a
economia brasileira ser altamente dependente da comunista China; da razão e do
fato de a maior democracia do mundo, que são os Estados Unidos, ter rejeitado
os arroubos autoritários de Donald Trump; e da razão e do fato de o atual
presidente da República, um discípulo de Trump, não ter até agora dado um piu
em relação ao que um sanguinário Vladmir Putin, que costuma eliminar opositores
envenenados e que é saudoso do passado autoritário e comunista da União
Soviética onde, tal qual na China, milhões de indivíduos morreram de fome, vem
fazendo na Ucrânia. Meu interlocutor, que se disse muito lido e informado,
considerou mais adequado desqualificar o educador Paulo Freire, crente de que
as faculdades de Pedagogia só fazem uso dos livros desse comunista que, segundo
ele, só a China reconhece como educador. Ele também não me disse por que, a
despeito de o atual presidente da República constantemente repetir o dito
bíblico “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” ter decretado sigilo
de cem anos para uma série de informações. E nem tocou no fato de a cupincha
Regina Duarte não ter ainda quitado o que deve dos recursos captados com a Lei
Rouanet.
Percebendo que eu não estava
disposto a recuar e nem a parar de contra-argumentar, o meu interlocutor
pediu que encerrássemos a discussão. Eu já estava alterado. A minha voz já
havia se elevado. É uma droga isso, eu
sei. E é uma das razões por que se deve evitar o confronto tê-à-tête com os dogmáticos, porque, por mais luz que você queira
lançar sobre eles, eles continuarão a querer se manter presos na escuridão; e a
luz só chega aonde a deixam entrar.
Anteontem o discurso de ódio
e de intolerância política baseado em dogmas que proclamam que só no outro
candidato ou nos outros candidatos podem ser encontrados defeitos e em mim não,
só eu presto e estou certo e o outro não, fez mais uma vítima fatal, desta vez
em Confresa, Mato Grosso, onde, segundo investigações da Polícia Civil, um
homem matou a facadas e machadadas um colega de trabalho por causa de uma
discussão sobre os candidatos à presidência da República Luiz Inácio Lula da
Silva e Jair Bolsonaro. O assassino é bolsonarista. E, segundo foi apurado até
agora, não se trata de invenção da Rede Globo.
Bolsonaristas como o sujeito
com quem eu debati, têm um entendimento muito estreito e particular do que seja
liberdade. Na confusa, limitada e torpe avaliação de liberdade que eles sustentam,
só cabem os ideais dogmáticos aos quais eles estão presos; é uma liberdade
opressora que não tolera de maneira alguma a liberdade alheia. Perguntei ao meu
interlocutor, que acredita que, armada, a população pode resistir a qualquer
regime autoritário, se ele sabia que até há pouco o Exército não tinha
conhecimento do número, da quantidade de armas que estão em poder de indivíduos
que se apresentam como caçadores, atiradores e colecionadores e que essas armas
podem estar legalmente chegando a criminosos. É claro que ele não sabia, porque
ele vive numa bolha onde só cabe e entra aquilo em que ele acredita.
Não duvido que, desesperados
pelo que vem dizendo os institutos de pesquisa sobre a intenção de voto, essas
pessoas irão forjar um atentado contra o candidato deles – até hoje é um
mistério a facada que não sangrou em Juiz de Fora –, atentar de verdade contra
o candidato do Partido dos Trabalhadores ou mesmo tumultuar e tentar causar
pane no sistema elétrico para interromper a votação. Esse pessoalzinho
ensandecido é capaz de tudo.
Sim, os ditos imbrocháveis
uma hora brocharão. Mas a semente do mal que eles plantaram já está dando seus
frutos odientos e perniciosos.
Ó Santa e Gloriosa Rede
Globo, livrai-nos de todos esses males! Plim, plim.
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