10 de setembro de 2022

A fúria e os ideais de liberdade opressora dos intrépidos imbrocháveis

 Por Sierra

 

Imagem: Divulgação
 Ó Santa e Gloriosa Rede Globo, livrai-nos de todos esses males! Plim, plim


Contrariando mais uma vez o meu dito de que não iria mais discutir questões políticas com os seguidores do atual presidente da República desta malfadada nação, anteontem eu cheguei muito perto de perder as estribeiras ao debater com um sujeito que me disse ser apoiador do dito-cujo por ser ele “menos pior” do que o candidato do Partido dos Trabalhadores. De acordo com esse interlocutor o Brasil corre um sério risco, um grande risco de ser transformado num regime comunista caso Luiz Inácio Lula da Silva vença as eleições; e, sendo assim, ele votará no atual mandatário porque quer “garantir” a sua liberdade como cidadão, liberdade essa que, no dizer dele, inclui poder possuir uma arma. Na visão dele vale uma ditadura fascista, mas uma comunista, não.

Discutir com quem segue pessoas e ideias tomando-os como dogmas é pura perda de tempo, porque tais indivíduos não acreditam e nem aceitam o contraditório e muito menos algo que possa fazê-lo refletir e/ou que venha abalar as suas convicções pétreas e dogmáticas. O meu interlocutor da manhã da quinta-feira carrega consigo várias ilusões, sendo a principal delas – eu suponho que seja a principal – a plena convicção de que tendo posse de uma arma de fogo ele está protegido da ação de meliantes, “porque, sabendo que eu posso estar armado, ele vai pensar duas vezes antes de me atacar”. Este é um ponto. O medo de um domínio do comunismo no Brasil é outro.

Não compreendo por que pessoas ditas cristãs, que acreditam que, quando morrer, irão para um paraíso celestial onde não há inflação nem fome nem guerra nem Carnaval nem aborto nem Rede Globo nem Datafolha nem partidos políticos nem rachadinha nem drogas nem corrupção nem ladrões nem macumbeiros nem charlatães nem gays e nem cachaceiros têm tanto medo da morte e estão sempre dispostas a se armar para tirar a vida dos outros.

O meu interlocutor é evangélico. E, no caso dele, a condição de evangélico diz muito sobre o fato de ele apoiar os ideais de Estado autoritário dito direitista que o atual presidente da República apregoa e defende. Digo isso porque existe um segmento de evangélicos que deseja que o mundo exista e seja mantido conforme suas convicções religiosas, o que significa dizer que, para esse grupo, para esse segmento intolerante, preconceituoso e autoritário, todas as religiões e todas as crenças no sobrenatural que não se alinhem ao modo como seus membros compreendem e exercem a sua fé, não devem existir. Para essa gente, homossexuais são seres abomináveis e degenerados que contribuem para a degradação da sociedade. Para esses indivíduos, os únicos papéis que devem ser reservado às mulheres é o de dona de casa e o de procriadora e nada mais. Para esse pessoal, é preciso fazer com que terreiros de umbanda e de candomblé sejam varridos do mapa, daí por que tantos vêm sendo atacados e incendiados nos últimos anos com o agravamento da intolerância religiosa.

Segundo ainda o meu interlocutor evangélico, o grande mal deste país é a Rede Globo que, de acordo com ele, vive atacando o atual mandatário da nação, “porque ela não está mais recebendo tanto dinheiro como recebia e os seus artistas deixaram de ganhar o que ganhavam com a Lei Rouanet. Essa ladainha vem sendo repetida por todos os governantes desde a redemocratização, porque, nessa novela da vida real brasileira, a Rede Globo é sempre a vilã. Do jeito como ele me falou é como se a danada da Rede Globo fosse algo assim todo-poderoso, como o deus no qual ele acredita, que pode entrar na mente das pessoas de tal maneira que tire delas qualquer mínimo senso de entendimento da realidade. Do modo como ele me falou é como se ela tivesse botado na boca do presidente, por meio de um dublador, as barbaridades que ele vem dizendo há anos; é como se a Rede Globo criasse mecanismos de alteração dos acontecimentos. Nossa, é um espanto. É como se os aparelhos de televisão de toda a população brasileira só captassem o sinal da Rede Globo. Ô gente, e por que é que a Record TV, do bispo Edir Macedo, o dito-cujo que diz operar milagres em suas igrejas e que só fala bem do senhor presidente da República, não é acusada de ser parcial e nem consegue fazer com que este governo seja visto como bom pela maioria da população, hein? Falta audiência para isso, não é?

Nossa, a que ponto chega a cegueira ideológica. É impressionante a que ponto chega a defesa do indefensável. É apavorante a disposição de tantos para apontar o mal que está apenas do outro lado da rua sem reconhecer o mal que está junto de si. Meu interlocutor disse acreditar que o candidato do Partido dos Trabalhadores, caso vença, irá fechar todas as igrejas evangélicas; e que o Brasil ficará igual à Cuba e à Venezuela. Ele, como defensor da liberdade, da mesma liberdade democrática que acredita ser possuidor o seu candidato, nada disse da razão e do fato de a economia brasileira ser altamente dependente da comunista China; da razão e do fato de a maior democracia do mundo, que são os Estados Unidos, ter rejeitado os arroubos autoritários de Donald Trump; e da razão e do fato de o atual presidente da República, um discípulo de Trump, não ter até agora dado um piu em relação ao que um sanguinário Vladmir Putin, que costuma eliminar opositores envenenados e que é saudoso do passado autoritário e comunista da União Soviética onde, tal qual na China, milhões de indivíduos morreram de fome, vem fazendo na Ucrânia. Meu interlocutor, que se disse muito lido e informado, considerou mais adequado desqualificar o educador Paulo Freire, crente de que as faculdades de Pedagogia só fazem uso dos livros desse comunista que, segundo ele, só a China reconhece como educador. Ele também não me disse por que, a despeito de o atual presidente da República constantemente repetir o dito bíblico “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” ter decretado sigilo de cem anos para uma série de informações. E nem tocou no fato de a cupincha Regina Duarte não ter ainda quitado o que deve dos recursos captados com a Lei Rouanet.

Percebendo que eu não estava disposto a recuar e nem a parar de contra-argumentar, o meu interlocutor pediu que encerrássemos a discussão. Eu já estava alterado. A minha voz já havia se elevado.  É uma droga isso, eu sei. E é uma das razões por que se deve evitar o confronto tê-à-tête com os dogmáticos, porque, por mais luz que você queira lançar sobre eles, eles continuarão a querer se manter presos na escuridão; e a luz só chega aonde a deixam entrar.

Anteontem o discurso de ódio e de intolerância política baseado em dogmas que proclamam que só no outro candidato ou nos outros candidatos podem ser encontrados defeitos e em mim não, só eu presto e estou certo e o outro não, fez mais uma vítima fatal, desta vez em Confresa, Mato Grosso, onde, segundo investigações da Polícia Civil, um homem matou a facadas e machadadas um colega de trabalho por causa de uma discussão sobre os candidatos à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. O assassino é bolsonarista. E, segundo foi apurado até agora, não se trata de invenção da Rede Globo.

Bolsonaristas como o sujeito com quem eu debati, têm um entendimento muito estreito e particular do que seja liberdade. Na confusa, limitada e torpe avaliação de liberdade que eles sustentam, só cabem os ideais dogmáticos aos quais eles estão presos; é uma liberdade opressora que não tolera de maneira alguma a liberdade alheia. Perguntei ao meu interlocutor, que acredita que, armada, a população pode resistir a qualquer regime autoritário, se ele sabia que até há pouco o Exército não tinha conhecimento do número, da quantidade de armas que estão em poder de indivíduos que se apresentam como caçadores, atiradores e colecionadores e que essas armas podem estar legalmente chegando a criminosos. É claro que ele não sabia, porque ele vive numa bolha onde só cabe e entra aquilo em que ele acredita.

Não duvido que, desesperados pelo que vem dizendo os institutos de pesquisa sobre a intenção de voto, essas pessoas irão forjar um atentado contra o candidato deles – até hoje é um mistério a facada que não sangrou em Juiz de Fora –, atentar de verdade contra o candidato do Partido dos Trabalhadores ou mesmo tumultuar e tentar causar pane no sistema elétrico para interromper a votação. Esse pessoalzinho ensandecido é capaz de tudo.

Sim, os ditos imbrocháveis uma hora brocharão. Mas a semente do mal que eles plantaram já está dando seus frutos odientos e perniciosos.

Ó Santa e Gloriosa Rede Globo, livrai-nos de todos esses males! Plim, plim.

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