Por Sierra
Quem acompanha o que eu escrevo aqui certamente sabe que não foram poucas as vezes em que eu expressei o meu repúdio tanto ao atual desgovernante deste país, o execrável e abjeto Jair Bolsonaro, como ao petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Nunca nutri outro sentimento
por Bolsonaro que não fosse execração, repúdio, rejeição, objeção e total e
completa abominação. Eu tinha um mínimo de conhecimento – mínimo e suficiente,
diga-se de passagem – sobre a sua repugnante pessoa para reprovar a sua candidatura
à presidência da República quatro anos atrás. Bolsonaro é um animal político da
pior estirpe. É um indivíduo cujos valores – se é que se pode denominar o que
ele pensa e propaga como valores – éticos e morais são eivados até o tutano de
crueldade e perversidade; e só não vê isso quem não quer e/ou quem é da mesma
espécie que ele. Bolsonaro é um ser perverso que não respeita absolutamente
nada e nem ninguém; e que anseia a todo custo instituir ao seu gosto e vontade
um governo autoritário apelando o tempo todo para a negação e o descrédito das
instituições e das pessoas que o enfrentam e se contrapõem aos seus anseios
malignos e persecutórios. Não pode ser o dirigente de um país alguém que não
tem sequer respeito pela pluralidade de ideias quanto mais alguém que, como se
isso não bastasse, ataca constantemente minorias, encobre e protege
malfeitores, incita confrontos e faz disseminação desenfreada de notícias
falsas.
Não foram as investigações
que resultaram na prisão de Lula que me afastaram dele. Eu me afastei dele, eu
cheguei mesmo a sentir raiva dele, quando veio à tona o escândalo do mensalão;
o que se seguiu a partir dali me deu em grande medida o entendimento de que
Lula e os seus correligionários do Partido dos Trabalhadores se perderam na
selvagem engrenagem da política brasileira cheia até aqui de pessoas que não
pensam de fato no engrandecimento e no progresso deste país e sim em
locupletarem-se, em se dar bem, em defender lobbies
de setores comerciais e em abrigar os seus em alguma boquinha estatal. Mais do
que isso, porque seria ingenuidade pensar que os petistas foram enganados e se
deixaram levar pelo canto da sereia brasiliense, eles se deslumbraram com o
poder, eles como que esqueceram dos ideais basilares que os movia; em suma,
eles perderam as rédeas e os rumos do destino que um dia eles almejaram
conscientemente, corajosamente e honestamente para o Brasil; e Lula, como líder
de todos, pagou o preço maior por tantas arbitrariedades.
Assim como milhares, milhões
de brasileiros, eu desacreditei da potencialidade dos governos petistas à
medida que as suas figuras proeminentes foram caindo em desgraça e o governo da
presidente Dilma Rousseff foi mergulhando numa tragédia econômica. Assim como
milhares, milhões de brasileiros eu também me deixei levar pelo enredo de que
tudo o que as instâncias da Justiça revelavam sobre Lula eram verdades
absolutamente inquestionáveis e que ele precisava ser punido. E ele de fato foi
punido. Punido e preso.
Mas como os fatos e as
verdades uma fora vêm à superfície, todos nós tomamos conhecimento das
artimanhas, das ações combinadas, das arbitrariedades e, por que não dizer, das
ilegalidades que, à surdina, autoridades judiciárias até então tidas como
heróis da pátria e convertidas em ídolos nacionais, praticaram, porque eram
elas mesmas figuras e personagens abjetos que queriam a todo custo prender Lula
recorrendo à submissão da Justiça e dos ideais da democracia aos seus intentos
e às suas supostamente redentoras motivações moralizantes e protetoras da
grandeza da nação, atuando como xerifes de um verdadeiro faroeste caboclo. O que
o então juiz Sergio Moro fez em conluio com membros do Ministério Público e
sabe-se lá com quem mais, demonstrou que não era, por assim dizer, sede de
justiça o que lhe movia; o que se viu nas mensagens trocadas pelo Telegram foi que ocorreu uma
orquestração, uma articulação bem urdida e uma parcialidade desmedida para
condenar Lula e, quiçá, bani-lo para sempre da vida pública. Tudo se revelou
ser um claro e odioso plano de poder. Na esteira disso – e antes que as
mensagens do Telegram fossem
reveladas - veio a eleição do desprezível Jair Bolsonaro, estando o impoluto e
honesto Sergio Moro alinhado e integrando, como ministro, um desgoverno de
caráter autoritário e desagregador da sociedade.
Lula é inocente em todos os
processos nos quais ele foi condenado? Talvez não seja. O que restou comprovado
pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ainda que depois de vários anos, o que nos
faz pensar que também os seus membros de algum modo foram cúmplices e/ou
vítimas do engodo da chamada República de Curitiba, é que o então juiz Sergio
Moro, além de não ter competência enquanto instância judiciária para julgar
Lula, agiu de forma deliberadamente parcial contra ele; e, por conta disso, o
STF anulou todos os processos.
Visto tudo em seu conjunto a
leitura que eu e tantos outros fizeram foi de que houve uma implacável perseguição
ao petista com o fito de deixá-lo fora da disputa do pleito de 2018, tendo
havido, inclusive, pronunciamento do então comandante das Forças Armadas no
sentido óbvio de intimidar os ministros
do STF.
Os que cegamente apostaram
num futuro benfazejo para o Brasil votando em Bolsonaro, viram um endemoniado e
despreparado presidente diuturnamente atacar a democracia juntamente com os
seus sequazes, numa sucessividade de atos e declarações dignos de uma distopia.
Bolsonaro e os seus cupinchas trataram de querer transformar este país num
imenso curral, como se falassem para seres irracionais que eles pudessem tanger
para onde bem entendessem. Foi um horror. Está sendo um horror a bem dizer. E quem
continua defendendo a legitimidade e a capacidade Jair Bolsonaro é porque lhe
caiu bem o figurino e a designação de gado preso ao cercadinho do curral.
Sinceramente eu esperava que
outro nome surgisse entre os dois polos antagônicos Lula versus Bolsonaro. Esperei que aparecesse alguém que conseguisse
projetar e encarnar uma ideia de sociedade que suplantasse a polarização doentia
e feroz que há anos se implantou por aqui. Infelizmente isso não aconteceu. Os indivíduos
que apareceram não conseguiram ver seus nomes crescerem e caírem nas graças do
povo. Talvez isso tenha acontecido porque as feridas continuam abertas e ainda
nos domina um ânimo beligerante, uma vontade danada de derrotar o outro lado
que apontamos como inimigo.
Nós precisamos envidar
forças para tirar da governança do país essa gente autoritária, preconceituosa,
falso moralista, mentirosa, retrógrada, obscurantista, feroz, estúpida e
covarde. Lula pode não ser o nome ideal para que consigamos suplantar as
instâncias da crueldade, do ódio e da barbaridade que, no momento, tem o seu
epicentro no Palácio do Planalto, mas é o que apresenta por ora maior chance de
derrotar Bolsonaro e de começar a dar um passo nessa direção.
O meu voto em Lula amanhã não
será apenas um posicionamento contra os males que Bolsonaro implantou e/ou exacerbou
neste país, será, sobretudo, um voto de confiança de que, uma vez eleito, ele
não repetirá erros de sua gestão e de alguma forma conseguirá devolver a este
Brasil alguma alegria. E eu digo isso temendo pela vida do Lula, porque pessoas
do lado de lá já deram várias demonstrações de que são capazes de praticar toda
e qualquer maldade em nome de seus torpes e autoritários princípios
ultradireitistas.
Não concordo com tudo o que
a esquerda defende e propõe; assim como não repudio tudo em que a direita
acredita e aspira; e me recuso terminantemente a me associar a qualquer desses
lados, porque o que me rege, como intelectual, como artista e como cidadão, são
os fundamentos da liberdade mais plena que for possível e os princípios da
discordância.
Quem defende de verdade a
democracia não vota em tiranos.
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