Por Sierra
Quando
eu ouço cultura... eu tiro a trava de segurança da minha [pistola] Browning.
Hanns
Jost, dramaturgo antinazista
Povo
armado jamais será escravizado. Por isso, comprem suas armas.
Jair
Bolsonaro, ex-presidente do Brasil que extinguiu o Ministério da Cultura
Com quantas delinquências se faz um governo de fundamento autoritário? Com quantos crimes um presidente da República, inimigo declarado dos ideais democráticos, mantém um mandato? Com quantas bizarrices, com quantas demonstrações de burrice e de insensibilidade, com quantos ataques e ofensas a grupos minoritários e com quantas mentiras e intimidações se constrói um plano de poder baseado numa permanente instigação e incitação ao ódio, à desarmonia, a práticas criminosas que o beneficiem e ao caos social?
Durante quatro aparentemente
intermináveis anos o Brasil e o mundo assistiram ao desenrolar de um desgoverno
que de tudo de ruim fez um muito para corroer, minar e provocar a ruína total
do regime democrático deste país. Sob a justificativa de que o remédio mais
eficaz contra a roubalheira havida durante o governo do Partido dos
Trabalhadores (PT) era a eleição de um político medíocre e sem mérito nenhum –
que contrassenso! -, um cidadão desqualificado que quase foi escorraçado das
fileiras do Exército, um indivíduo repugnante, um ser desprezível que não
respeita absolutamente nada e nem ninguém e que diuturnamente exalta os
horrores praticados por militares e civis durante o regime de exceção que tomou
o Brasil em 1964, milhões de indivíduos deram palanque a um certo Jair
Bolsonaro que todos aqueles que tinham conhecimento para além das cavernas do WhatsApp e que tais sabiam que não
prestava. E, a partir do momento em que escolheram esse calhorda, esse
celerado, esse facínora para tentar barrar a possibilidade de o PT voltar a
governar o país, montou-se uma verdadeira operação no campo judiciário para tornar
Luiz Inácio Lula da Silva inelegível: aceleraram andamento de processos;
combinaram ações via Telegram;
espetacularizaram, com a ajuda da Rede Globo – a mesma Rede Globo que eles,
depois, tomariam como inimiga-mor -, os interrogatórios e as sessões de
julgamento; e, enfim, conseguiram celeremente encarcerar Lula, deixando-o de
fora do pleito de 2018.
Jair Messias Bolsonaro
venceu as eleições daquele ano e não demoramos a nos dar conta de que a sua
vitória não significou tão somente a derrota de Fernando Haddad e do por eles
demonizado PT, mas também a derrota dos valores mais caros da democracia, quais
sejam: a convivência pacífica entre grupos ideológicos contrários; a harmonia
entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; a alternância de poder; e
a reiteradamente exaltação da democracia como o regime mais defensor do sentido
de humanidade que está ou deveria estar em cada cidadão que integra uma
sociedade.
Como eu disse, não demorou
para que Jair Bolsonaro pusesse em marcha a montagem de um governo de cunho
fascista e autoritário. E, como depois da queda vem o coice, nós ainda fomos
atingidos pela pandemia de um vírus mortal que tirou a vida de centenas de
milhares de cidadãos. Olhando para trás, agora que o tempo passou, podemos
dizer que o acontecimento da pandemia só fez exacerbar toda a perversidade,
toda a indiferença à dor alheia e todo o apego ao autoritarismo de que Jair
Bolsonaro estava nutrido e imbuído.
Ao longo de quatro anos
vimos um presidente da República protagonizando cenas as mais vis e grotescas
como se ele fosse a principal atração de um circo de horrores. Ora ele
protagonizava o vil e o grotesco, ora ele incitava os seguidores a protagonizá-los.
E assim, quem sobreviveu à pandemia e quem tinha olhos para ver e ouvidos para
ouvir, acompanhou o desenrolar de um espetáculo desgraçadamente degradante,
aviltante, desumanizante e desmoralizador que estimulava o armamentismo da
sociedade e a barbárie enquanto a educação e acultura eram sistematicamente
vilipendiadas e espezinhadas.
Segundo a avaliação que eu,
que me mantive muito atento aos acontecimentos, faço, é de que é incorreto
dizer que Jair Bolsonaro e o seu fascismo conseguiram cooptar gente de bem para
as suas hostes. Não, pessoal, não é por aí. Muito embora o desgoverno do senhor
Jair Bolsonaro tenha montado uma engrenagem para, em escala industrial,
fabricar e distribuir mentiras, todos aqueles que se alinharam de pronto com o
discurso dele eram/são fascistas que estavam metidos em suas tocas aguardando a
oportunidade para botar as patinhas e outras coisas de fora.
Jair Bolsonaro criou e
disseminou muitas e muitas mentiras, mas não criou fascistas; o que eles fez
foi se portar como líder deles e dar vez e voz a eles. E fascistas, todos nós
vimos, estavam/estão abrigados em todos os setores da sociedade brasileira, dos
quartéis às igrejas evangélicas, das universidades às fazendas, dos tribunais
às delegacias, dos bares aos mercadinhos de subúrbios, dos condomínios de luxo
aos barracos de favelas. E isso, em parte, explica por que vimos fascistas
desobedecendo aos protocolos sanitários estabelecidos contra a propagação do
coronavírus; vimos fascistas agredindo jornalistas verbal e fisicamente; vimos
fascistas invadindo hospitais; vimos fascistas tomando parte nas motociatas
organizadas pelo presidente; vimos fascistas mantendo constantes ataques e
ameaças aos membros do Supremo Tribunal Federal (STF); vimos fascistas
clamando, implorando e pedindo de joelhos que as Forças Armadas dessem um golpe
de estado; e, horror dos horrores, vimos fascistas assassinando petistas.
Durante quatro terríveis e pavorosos
anos do desgoverno do fascista Jair Bolsonaro o Brasil desceu alguns degraus da
escada que leva ao topo do processo civilizatório. E na culminância de todo o
enredo amiúde anunciado ao modo de um spoiler,
fascistas vestidos, digo melhor, trajando fantasias nas quais predominavam as
cores verde e amarelo, tentaram pôr Brasília abaixo, avançando, como bestas
indomáveis, para as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,
destruindo vidraças, móveis, equipamentos e obras de arte e furtando o que
fosse possível furtar. E mais uma vez, repito, mais uma vez eles deram uma
prova cabal de que não passam de criminosos que se arvoram de ser defensores da
família, da pátria, de Deus e da liberdade.
O domingo 8 de janeiro de 2023 figurará nos anais de História do Brasil como o dia em que, incitados e estimulados por seu líder, Jair Bolsonaro, e contando com a conivência e/ou descaso e/ou incompetência das forças de segurança, fascistas de vários credos e estratos sociais puseram em prática o plano de fazer este país mergulhar outra vez nas trevas de uma ditadura militar – até uma “Minuta do golpe” fora feita. Felizmente eles fracassaram, como fracassaram ao longo dos últimos quatro anos. E nem a Justiça e nem a posteridade hão de conferir a eles qualquer indulto.
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