21 de janeiro de 2023

Crônica de crimes e delinquências amiúde anunciados e estimulados

 Por Sierra

 

Quando eu ouço cultura... eu tiro a trava de segurança da minha [pistola] Browning.

Hanns Jost, dramaturgo antinazista

 

Povo armado jamais será escravizado. Por isso, comprem suas armas.

Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil que extinguiu o Ministério da Cultura

 

Foto: Walalce Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo
El día de la bestia: O domingo 8 de janeiro de 2023 figurará nos anais de História do Brasil como o dia em que, incitados e estimulados por seu líder, Jair Bolsonaro, e contando com a conivência e/ou descaso e/ou incompetência das forças de segurança, fascistas de vários credos e estratos sociais puseram em prática o plano de fazer este país mergulhar outra vez nas trevas de uma ditadura militar  


Com quantas delinquências se faz um governo de fundamento autoritário? Com quantos crimes um presidente da República, inimigo declarado dos ideais democráticos, mantém um mandato? Com quantas bizarrices, com quantas demonstrações de burrice e de insensibilidade, com quantos ataques e ofensas a grupos minoritários e com quantas mentiras e intimidações se constrói um plano de poder baseado numa permanente instigação e incitação ao ódio, à desarmonia, a práticas criminosas que o beneficiem e ao caos social?

Durante quatro aparentemente intermináveis anos o Brasil e o mundo assistiram ao desenrolar de um desgoverno que de tudo de ruim fez um muito para corroer, minar e provocar a ruína total do regime democrático deste país. Sob a justificativa de que o remédio mais eficaz contra a roubalheira havida durante o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) era a eleição de um político medíocre e sem mérito nenhum – que contrassenso! -, um cidadão desqualificado que quase foi escorraçado das fileiras do Exército, um indivíduo repugnante, um ser desprezível que não respeita absolutamente nada e nem ninguém e que diuturnamente exalta os horrores praticados por militares e civis durante o regime de exceção que tomou o Brasil em 1964, milhões de indivíduos deram palanque a um certo Jair Bolsonaro que todos aqueles que tinham conhecimento para além das cavernas do WhatsApp e que tais sabiam que não prestava. E, a partir do momento em que escolheram esse calhorda, esse celerado, esse facínora para tentar barrar a possibilidade de o PT voltar a governar o país, montou-se uma verdadeira operação no campo judiciário para tornar Luiz Inácio Lula da Silva inelegível: aceleraram andamento de processos; combinaram ações via Telegram; espetacularizaram, com a ajuda da Rede Globo – a mesma Rede Globo que eles, depois, tomariam como inimiga-mor -, os interrogatórios e as sessões de julgamento; e, enfim, conseguiram celeremente encarcerar Lula, deixando-o de fora do pleito de 2018.

Jair Messias Bolsonaro venceu as eleições daquele ano e não demoramos a nos dar conta de que a sua vitória não significou tão somente a derrota de Fernando Haddad e do por eles demonizado PT, mas também a derrota dos valores mais caros da democracia, quais sejam: a convivência pacífica entre grupos ideológicos contrários; a harmonia entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; a alternância de poder; e a reiteradamente exaltação da democracia como o regime mais defensor do sentido de humanidade que está ou deveria estar em cada cidadão que integra uma sociedade.

Como eu disse, não demorou para que Jair Bolsonaro pusesse em marcha a montagem de um governo de cunho fascista e autoritário. E, como depois da queda vem o coice, nós ainda fomos atingidos pela pandemia de um vírus mortal que tirou a vida de centenas de milhares de cidadãos. Olhando para trás, agora que o tempo passou, podemos dizer que o acontecimento da pandemia só fez exacerbar toda a perversidade, toda a indiferença à dor alheia e todo o apego ao autoritarismo de que Jair Bolsonaro estava nutrido e imbuído.

Ao longo de quatro anos vimos um presidente da República protagonizando cenas as mais vis e grotescas como se ele fosse a principal atração de um circo de horrores. Ora ele protagonizava o vil e o grotesco, ora ele incitava os seguidores a protagonizá-los. E assim, quem sobreviveu à pandemia e quem tinha olhos para ver e ouvidos para ouvir, acompanhou o desenrolar de um espetáculo desgraçadamente degradante, aviltante, desumanizante e desmoralizador que estimulava o armamentismo da sociedade e a barbárie enquanto a educação e acultura eram sistematicamente vilipendiadas e espezinhadas.

Segundo a avaliação que eu, que me mantive muito atento aos acontecimentos, faço, é de que é incorreto dizer que Jair Bolsonaro e o seu fascismo conseguiram cooptar gente de bem para as suas hostes. Não, pessoal, não é por aí. Muito embora o desgoverno do senhor Jair Bolsonaro tenha montado uma engrenagem para, em escala industrial, fabricar e distribuir mentiras, todos aqueles que se alinharam de pronto com o discurso dele eram/são fascistas que estavam metidos em suas tocas aguardando a oportunidade para botar as patinhas e outras coisas de fora.

Jair Bolsonaro criou e disseminou muitas e muitas mentiras, mas não criou fascistas; o que eles fez foi se portar como líder deles e dar vez e voz a eles. E fascistas, todos nós vimos, estavam/estão abrigados em todos os setores da sociedade brasileira, dos quartéis às igrejas evangélicas, das universidades às fazendas, dos tribunais às delegacias, dos bares aos mercadinhos de subúrbios, dos condomínios de luxo aos barracos de favelas. E isso, em parte, explica por que vimos fascistas desobedecendo aos protocolos sanitários estabelecidos contra a propagação do coronavírus; vimos fascistas agredindo jornalistas verbal e fisicamente; vimos fascistas invadindo hospitais; vimos fascistas tomando parte nas motociatas organizadas pelo presidente; vimos fascistas mantendo constantes ataques e ameaças aos membros do Supremo Tribunal Federal (STF); vimos fascistas clamando, implorando e pedindo de joelhos que as Forças Armadas dessem um golpe de estado; e, horror dos horrores, vimos fascistas assassinando petistas.

Durante quatro terríveis e pavorosos anos do desgoverno do fascista Jair Bolsonaro o Brasil desceu alguns degraus da escada que leva ao topo do processo civilizatório. E na culminância de todo o enredo amiúde anunciado ao modo de um spoiler, fascistas vestidos, digo melhor, trajando fantasias nas quais predominavam as cores verde e amarelo, tentaram pôr Brasília abaixo, avançando, como bestas indomáveis, para as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, destruindo vidraças, móveis, equipamentos e obras de arte e furtando o que fosse possível furtar. E mais uma vez, repito, mais uma vez eles deram uma prova cabal de que não passam de criminosos que se arvoram de ser defensores da família, da pátria, de Deus e da liberdade.

O domingo 8 de janeiro de 2023 figurará nos anais de História do Brasil como o dia em que, incitados e estimulados por seu líder, Jair Bolsonaro, e contando com a conivência e/ou descaso e/ou incompetência das forças de segurança, fascistas de vários credos e estratos sociais puseram em prática o plano de fazer este país mergulhar outra vez nas trevas de uma ditadura militar – até uma “Minuta do golpe” fora feita. Felizmente eles fracassaram, como fracassaram ao longo dos últimos quatro anos. E nem a Justiça e nem a posteridade hão de conferir a eles qualquer indulto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário