28 de janeiro de 2023

Há de se envelhecer pero sin perder a mobilidade física e o convívio social: a prática do Cambio em João Pessoa

 Por Sierra

 

Fotos: Arquivo do Autor
Misto de atividade recreativa e modalidade esportiva, o Cambio mobiliza e põe vários homens e mulheres na ativa na orla de João Pessoa


 

No dia 23 de novembro do ano passado eu, que almoçara no Cantinho Regional e lera um bocadinho na calçada do Centro Turístico Tambaú, em João Pessoa, voltara para a faixa de areia da praia e me sentara defronte a uma das quadras existentes no entorno da academia de musculação ao ar livre que existe ali há muitos anos e que eu costumo frequentar quando vou passar uns dias na capital paraibana.



No alongamento antes do início das partidas









Sentei para retomar minha leitura – adoro esse luxo de ler defronte para o mar – quando, dali a pouco e aos poucos, começaram a chegar uns homens e umas mulheres de meia idade uns e já idosos outros. A uma muito atenciosa e simpática Helena – ela me diria depois que era professora – eu perguntei do que se tratava aquele encontro; e ela prontamente me esclareceu que era um grupo de amigos que praticavam uma modalidade esportiva chamada Cambio, que fora trazida por um gaúcho que era ao mesmo tempo treinador e técnico deles; ela também me disse que não tardaria para que ele chegasse.



Todos em ação dinamizando a recreação











E eis que chegou o professor de Educação Física, treinador e técnico Valmor Kniphoff, um gaúchão de Lajeado de 80 anos de idade que foi uma das melhores lembranças que eu trouxe da viagem e uma grata satisfação que eu tive na tarde daquele dia.

Com a paciência e a sapiência próprias de quem tem muita bagagem, muito conhecimento e experiência no trato com os alunos, professor Valmor foi de uma gentileza tamanha para comigo; e, de forma bastante clara e didática, me contou como se deu o seu encontro com o Cambio e me explicou as regras da modalidade.



Professor Valmor Kniphoff: professor de Educação Física, treinador e técnico, este gaúcho de Lajeado é uma presença radiante no comando de seus jogadores: parabéns, professor Valmor!







Professor Valmor Kniphoff me disse que o Cambio é muito popular no Rio Grande do Sul, onde regras agregaram peculiaridades locais e, depois de uniformizadas, foram implantadas em todo o estado a partir de 2015. Ele, que deu aulas em escolas públicas e particulares, contou que a origem do Cambio é espanhola – daí por que é Cambio sem acento circunflexo na letra A – e chegou ao território gaúcho pela fronteira nordeste, pela Argentina. Depois que ele se aposentou, começou a coordenar um grupo de praticantes do esporte durante dez anos.



Helena me disse que faz de tudo para não faltar aos encontros do Cambio



Helena e sua amiga Elaine





E como ele chegou a João Pessoa? E como ele implantou o esporte ali? Ele me disse que o clima frio das terras gaúchas lhe deixava em constante embate com a asma e a bronquite; até que um dia uma médica lhe recomendou mudança para a praia, de preferência no Nordeste; e, como ele já conhecia as capitais nordestinas, escolheu João Pessoa para fixar morada em 2018. E que, frequentando o Clube da Pessoa Idosa, que é mantido pela Prefeitura Municipal e funciona no bairro Altiplano, teve a ideia de implantar a modalidade na cidade – atualmente a esposa dele está coordenando um grupo de praticantes no bairro Manaíra.


Vamos lá, pessoal!!









E em que consiste o esporte Cambio? O Cambio é uma versão do vôlei de quadra com equipes formadas por nove indivíduos, podendo ser mistas, constituídas por homens e mulheres – se não tiver dezoito jogadores, o pessoal joga do mesmo jeito. Assim como no vôlei de quadra – e ele também pode ser praticado em quadra -, há rodízio dos jogadores, só que de modo constante: diferentemente do que ocorre no vôlei, em que  o sacador e os demais se mantêm na mesma posição caso a equipe pontue continuamente, no Cambio há mudança de posição o tempo todo, tornando a atividade bem dinâmica, mexendo com todo mundo. No Cambio não há saque nem rebate da bola e muito menos cortadas; em vez disso, há o arremessador ou lançador, que é orientado a não jogar a bola na direção do jogador que fica no centro da quadra, porque ele é que é o encarregado de devolver a bola para o lado adversário; quem agarra a bola que foi lançada pelo lado oponente a repassa para o jogador central que, ao devolvê-la para o adversário, muda de posição, gerando a movimentação de todo o grupo; e quem está  posicionado na ponta direita, próximo à rede, vem para o centro, passando a ser o novo arremessador ou a nova arremessadora.










À primeira vista o Cambio pode parecer algo que seja fácil de praticar; e que seja difícil que ocorra a queda da bola no chão. Mas não é bem assim. Depois que eu ouvi todos os esclarecimentos do professor Valmor Kniphoff, eu me detive em observar a prática em si do Cambio. Considerando que os praticantes têm de ter, no mínimo, 50 anos de idade, que a modalidade é praticada na areia fofa da praia e que uns e outros dos atletas amadores têm certas limitações físicas decorrentes da idade e de enfermidades, chega-se à conclusão que fácil mesmo essa prática esportiva não é para os seus adeptos. E observar aqueles homens e aquelas mulheres – vários deles já sessentões – naquele entusiasmo e empenho para praticar uma atividade física ao mesmo tempo em que se mantêm em animado convívio e integração social foi, para mim, um grande estímulo e uma enorme lição de vida.






Acompanhar o envolvimento e a disposição desses homens e dessas mulheres em ação foi muito inspirador para mim. Uma tarde realmente inesquecível. Como alguém já disse, todos os dias nós podemos aprender alguma coisa nova, porque, querendo, nós podemos aprender até morrer



Perguntei ao professor Valmor Kniphoff como é que ele avaliava  o impacto do esporte em seu grupo formado por pessoas de meia idade e por idosos. E ele me disse o seguinte: “Ah, além da da atividade recreativa, o impacto na saúde deles é muito grande. Eu já ouvi muitos depoimentos de pessoas que vinham com problemas de depressão e de solidão, de pressão alta e que tiveram melhoria na vida delas depois que começaram a praticar o Cambio. E isso é motivo de grande satisfação para mim, que faço isso de modo voluntário”. Ele me disse também que nos seus planos para este ano está fazer um grande evento de Cambio em João Pessoa, trazendo equipes do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina para disputar um torneio interestadual. Que coisa boa! Enquanto isso, e contando com o apoio do Governo da Paraíba, ele estava à frente da coordenação do 1º Campeonato Paraibano de Cambio.





Marco Tulio Cícero, que nasceu em Arpino, próximo à Roma, em 106 a. C., disse assim no seu Saber envelhecer: “Tempo perdido jamais retorna e ninguém conhece o futuro. Contentemo-nos com o tempo que nos é dado a viver, seja qual for!”.

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