28 de outubro de 2023

Sobre saudade

 Por Sierra


Imagem: Internet
Hoje, agora, neste presente momento em que estou escrevendo, eu me vejo tomado por uma saudade imensa de um encontro feliz que vivi. E eu sou desses que dão a mão à saudade e se deixam ser conduzidos por ela. Acabei de sorrir recordando tudo aquilo. E quem pudesse me ver agora notaria que meus olhos estão brilhantes, refletindo uma satisfação que está em ebulição dentro de mim



Às vésperas de completar cinquenta anos de idade eu posso dizer, com toda certeza e segurança, que pelo menos uma dúzia de histórias eu tenho para contar. Não é verdade que o tempo corre ligeiro, que o tempo passa tão depressa que nós nem nos damos conta. Comigo, pelo menos, não foi assim. Comigo, eu lhes garanto, não foi desse jeito. Por mim o tempo passou e vem passando por vezes muito lentamente, como se carregasse consigo o peso de muitas outras vidas e como se fosse por demais pesada a sua bagagem. 

Tempo, tempo, tempo. Em mim muito dele passou com um vagar e com uma lentidão por vezes perturbadora. Eu querendo me livrar de temporais e inundações e o tempo nem aí para mim. Eu querendo ver se dissiparem angústias, dores e pesares e o tempo como que fazendo pouco de mim. Eu querendo me afastar completamente de certas pessoas e situações e o tempo a me espiar como se estivesse a zombar dos meus incômodos, dissabores e infortúnios. Eu querendo  me firmar, me estabelecer e me impor no mundo e o tempo ignorando as minhas quedas, obstáculos e fracassos.

Não tenho resposta para o tempo. O que eu tenho em meu corpo, nas marcas do passar dos anos e nas cicatrizes de tantas feridas e no baú de minha cabeça, é uma variedade imensa de lembranças de pessoas, lugares, coisas, animais, sentimentos e sensações que foram se acumulando dentro e fora de mim como sedimentos que um rio caudaloso vai deixando e depositando aqui e ali à medida que segue o seu destino de ser rio. Não tenho condição alguma de me pôr como um irascível opositor  e nem como um ferrenho inimigo do tempo. O que eu tenho e guardo comigo são registros de minha passagem pelo tempo; são coleções variadas que reúnem os mais diversos acontecimentos, afinal, são esses acontecimentos que atravessam o tempo e que vão compondo a colcha de retalhos de nossas vidas.

Eu principiei falando detidamente do tempo como se fosse uma espécie de preliminar para o que estava por vir, que era a saudade. E eu não sei por que hoje eu resolvi de uma hora para outra falar em saudade. Foi algo inconsciente? Talvez. Ou será que isso me chegou porque hoje é o aniversário de minha mãe? Ah, vai ver que isso me chegou porque, de repente, como se estivesse ali, a postos, esperando o tempo todo por mim, um desejo de ontem veio de novo acelerar as ânsias que estão alojadas em meu peito.

E por falar em saudade eu quero começar dizendo que eu sinto saudades o tempo todo, porque o meu presente e a ideia que eu faço de futuro estão alicerçados no meu passado. Eu sinto saudades o tempo todo, é verdade. Mas isso não significa dizer que eu sinta saudade de tudo o que eu vivi. Não, de jeito nenhum. Aconteceram situações ao longo de minha jornada que foram tormentos indizíveis, cruéis, abjetos e desprezíveis. Eu tenho plena consciência do quanto e de como me fizeram sofrer; e que, muito embora eu não saiba o quanto de sofrimento eu causei, eu sei que consciente e/ou inconscientemente eu também fiz uns e outros sofrerem enquanto seguia pelo caminho rumo ao meu destino de ser o que eu sou e como eu sou. Daí por que eu olho para a vida, para a minha vida, sem romantizar e sem dourar a pílula, porque eu não preciso disso e nem vou me dispor a isso. Se eu não tiver uma história de mim que não seja verdadeira, eu me recuso terminantemente a inventar uma, a criar uma narrativa de tristeza ou de felicidade. Por favor, não criem expectativas e nem esperem de mim algo desse tipo, porque eu não estou na vida para praticar exercícios de autoengano. Não, eu não sirvo para isso. Portanto, não insistam.

Chega de saudade? Não, de modo algum. Saudade nunca é demais. Saudade nunca é o bastante. Saudade nunca é suficiente. Saudade nunca me infelicita. Saudade nunca me paralisa. Saudade nunca subtrai nada de mim. Saudade nunca me aterroriza. Saudade nunca me joga para baixo. Saudade nunca me mata em vida. Muito pelo contrário. Saudade me alegra. Saudade me anima. Saudade soma algo ao meu cotidiano. Saudade me lança para cima. Saudade me aviva.

Hoje, agora, neste presente momento em que estou escrevendo, eu me vejo tomado por uma saudade imensa de um encontro feliz que vivi. E eu sou desses que dão a mão à saudade e se deixam ser conduzidos por ela. Acabei de sorrir recordando tudo aquilo. E quem pudesse me ver agora notaria que meus olhos estão brilhantes, refletindo uma satisfação que está em ebulição dentro de mim.

Saudade, diga... Não, saudade, não diga nada a ninguém. Eu vou me recompor. Eu vou reordenar tudo. Eu vou refazer os planos para rever a face luminosa da suprema felicidade que está sempre disposta a nos estender a mão. Saudade, nunca me abandone, nunca, nunca, nunca nem que o mundo caia sobre mim.


Nenhum comentário:

Postar um comentário